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A bem da Nação

«...E VÓS, TÁGIDES MINHAS...» - 11

ou

O MUNDO VISTO DA MINHA VARANDA

ou ainda

DO MANDO E DO DESMANDO

 

Passeando pelo calçadão do Rio com Carlos Drummond, subindo ao morro com  Zélia…

«Uma vez que o velho Deus abdicou, governarei o mundo doravante» - assim apregoava Nietzsche, o pai do niilismo.

* * *

A era niilista manifestou-se muito antes do que o filósofo imaginara: catorze anos depois da sua morte iniciou-se a Primeira Guerra Mundial e depois dela a Europa ficou nas garras do fascismo, do comunismo e do nazismo. E pouco tempo depois da primeira, sofreu outra guerra pior ainda que a anterior.

 

Desprezada a Civilização no que ela continha de valores perenes dando corpo à dignidade humana, a violência triunfou sobre a verdade e sobre a bondade. Dezenas de milhões de vidas foram aniquiladas sob o aplauso de dezenas de milhões de admiradores da violência. Sim, porque o niilismo só pode conduzir à ditadura, à violência e à aniquilação.

 

E como começou ele?

 

Perante o igualitarismo, todos têm razão, a ninguém é reconhecido o estatuto de sábio e tudo o que se apresente difícil é considerado antidemocrático; morto o conceito de que «o peso material determina o valor do oiro e o peso moral determina o valor do homem», a matéria reina e o dinheiro é a divindade suprema. Moral? A cada um, a sua.

 

- O que é bom para o oiro é bom para ti! Comercializa-te, adapta-te! Tudo o que te torna mais rico é útil; o que não for divertido é inútil e pode desaparecer.

 

Cada um que se valha a si próprio e os outros que «se virem» se conseguirem e, se não, tanto melhor pois mais fica para o vencedor entesourar.

 

Eis um conjunto de indivíduos que tudo fazem para vingar individualmente em prejuízo do próximo. A inveja ganha adeptos. Só que isto não é uma sociedade e muito menos uma Civilização. E onde não há coesão social, todos se sentem desamparados. Mas o desamparo é desconfortável. O desconforto gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca de soluções para se regressar a alguma situação assemelhável a conforto.

 

Assim se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça um caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer questionar. E a ditadura, sempre radical, gera a violência e esta é a destruição.

* * *

Foi depois de muita desgraça que na tarde de 29 de Outubro de 1946, Albert Camus perguntou ao anfitrião André Malraux e ao grupo de outros convidados em que se destacava Jean-Paul Sartre – todos nascidos no niilismo e no materialismo histórico - se não achavam serem eles próprios, naquela sala, os maiores responsáveis pela falta de valores na Europa ocidental e se não estaria na hora de declararem abertamente que estavam errados, que os valores morais existem realmente e que doravante tudo fariam para restabelecer e clarificar esses princípios perenes e quiçá eternos. «Não acham que seria o princípio para o regresso de alguma esperança?»

* * *

E hoje?

Ah!, hoje, a História é a mesma que há muito Camus descreveu. Olhemos com especial atenção para o Brasil. Temo que, no triunfo do populismo, se passe do império do Direito ao determinismo caudilhista, vulgo o fascismo.

Lisboa, 4 de Novembro de 2022

Henrique Salles da Fonseca

«...E VÓS, TÁGIDES MINHAS...» - 9

ou

 O MUNDO VISTO A PARTIR DA MINHA VARANDA

 

Lembro-me de…

…um tal «Banco Ambrosiano» que andou nas parangonas dos jornais e de um Monsenhor americano que veio a Portugal numa comitiva papal e que acabou confinado algures sem gripe;

… o Papa João Paulo I ter sido atabafado enquanto dormia porque alguém (que por certo não queria que ele fizesse algo que se preparava para fazer) entrou (sorrateiramente?) nos aposentos papais e o fez chegar prematuramente junto do Altíssimo;

…o Papa Bento XVI ter abdicado por, segundo disse ou mandou dizer, não ser capaz de governar a Igreja com a dinâmica necessária;

…de o Papa Francisco, nas primeiras palavras que dirigiu aos fiéis que o aplaudiam pela eleição, que rezassem por ele (em vez de, como é da Doutrina, ser ele a rezar por nós);

… o mesmo Papa Francisco a recusar os aposentos papais e preferir ficar «debaixo do olho» de gente amiga numa residência gerida por quem lhe inspira segurança física.

* * *

Dá para concluir que algo anda muito mal por aquelas bandas e que colhe perguntar quem manda na Santa Sé.

Ao contrário do que nós, os vulgares, somos levados a imaginar, os Papas mandam pouco ou, talvez mesmo, muito pouco.

E se não se pode confiar nos vivos, talvez seja conveniente pedir ajuda a Agatha Christie até porque, naquela margem do Tibre deve ser fácil encontrar quem se diga acostumado a invocar espíritos benignos e, já agora, de vocação policial.

 

Outubro de 2022

Henrique Salles da Fonseca

«... E VÓS, TÁGIDES MINHAS...» - 7

ou

O MUNDO VISTO A PARTIR DE LISBOA

Como se a época por que passamos puxasse ao humor, recordo a história daquele estrangeiro que, na época de Jânio Quadros, se lastimava de o Brasil estar a aproximar-se perigosamente de um buraco ao que um brasileiro descontraído lhe respondeu que não havia perigo pois o Brasil é muito grande e não cabe no buraco.

Recordo também aquela reunião de militares que preparavam um golpe de Estado com um rigoroso plano de operações na então capital federal, o Rio de Janeiro, em que no final da grande exposição pelos Oficiais do Estado Maior, um soldado fazer a pergunta «e chover?»

E se chover, vão todos para baixo do alpendre e pedem à Senhora da Aparecida que não deixe o Brasil caber no buraco.

E quando o João da Política apregoava que nos bolsos daquelas suas calças nunca entrara dinheiro ilegal, logo teve que ouvir a plateia cantar «Joãozinho tem calça nova».

Naqueles tempos já algo distantes em que o carioca da cidade podia subir ao morro e regressar são e salvo, um jornalista pediu para entrar num barraco onde estava um fulano a dedilhar um violão:

- Bom dia| Posso entrar?

-Pois não, “mermão”, entra.

- Então você mora aqui sozinho?

- Moro com meu irmão.

- E onde está ele?

- Está lá na cidade a trabalhar.

- E você também trabalha?

- Não, eu vivo.

* * * *

Assim se compreende o Brasil terceiro-mundista que domina a política do país e afoga o Brasil que mereceria lugar de destaque no primeiro mundo.

Outubro de 2022

Henrique Salles da Fonseca

PURIDADE E FANTASIA

Tempos houve por cá em que ao actual «Primeiro Ministro» se lhe chamava o «Escrivã0 da Puridade» assim demonstrando a preocupação régia de que ficasse sempre registada a verdade dos negócios do Estado.

Contudo, esta preocupação não tem sido universal. Assim, desde que os pressupostos e conclusões económicas, sociais e históricas de Marx foram ruindo, subiu para níveis de grande pujança a capacidade russa de convivência com a falácia.

Acresce longo rol de intervenções militares russas contra os povos circundantes e isso apenas nestes últimos três séculos. Nítida vocação imperialista czaro-soviético-putínica.

E a questão que se pode colocar é a de saber como se justifica uma política de «Busca de Perímetro de Segurança» quando são eles, russos, os atacantes históricos e como se explica a política de busca de  «Espaço Vital» por parte daquele que já é o maior país do mundo. Daqui resulta como admissível que para o poder político no eixo S.Petersburgo-Moscovo, a Rússia que conta é a europeia e que para lá dos Urais tudo é apenas paisagem, «quarto de arrumos», naturalidade de cidadãos menores, enfim, colónias. Talvez fosse justo promover um processo de descolonização. Talvez a China estivesse interessada em «meter a colher nessa sopa».

Não quero obviamente imaginar que a política europeia da Rússia se paute pela mania da perseguição pois isso é patologia do foro psiquiátrico mas, na verdade, as aulas práticas ministradas nas catacumbas da «Escola da Lubyanka» produzem por certo efeitos nos campos eléctricos das sinapses dos alunos e não apenas no «material pedagógico sobrevivente». Putin foi aluno desta «Escola» alcançando o posto de Tenente Coronel.

Eis como o mundo está hoje dependente dos impulsos eléctricos de um «sinapsoítico». Para o que hav+uamos de estar reservados…

Pergunta: - Até quando?

Outra pergunta: - E se o Parlamento turco votar contra a adesão da Finlândia e da Suécia à NATO?

Pergunta final, por hoje: - Onde está a puridade de tudo isto?

Lisboa, 14 de Maio de 2022

Henrique Salles da Fonseca

«VIVE LA FRANCE!»

«O que acontece em França acontece à Europa» – parece dogma mas não é pois é geográfica e culturalmente demonstrável.
Se eu me propusesse fazer um Tratado de Relações Internacionais e de Ciência Política, poderia deitar mãos ao trabalho com aquela afirmação e passar de seguida à sua demonstração mas fique o Leitor tranquilo que não o incomodarei em demasia pois passo desde já a uma reflexão que pretendo breve – sobre as eleições presidenciais francesas de 24 de Abril de 2022.
Muito laconicamente, em torno de Marine Le Pen juntaram-se os eleitores da direita radical e os que se descoroçoaram com Macron ao longo do seu primeiro mandato; em torno de Macron juntaram-se todos os que não queriam Marine Le Pen.
Daqui resulta que – por muito que possa custar a constatação – a perdedora foi, afinal, a figura central destas eleições. E tudo aponta para que o cenário se repita nas legislativas dentro de dois meses.
Nestas eleições francesas, Putin não foi um mero fantasma, terá sido um poderoso manipulador preconizando que França saia da NATO e da UE. Ou seja, destruindo ambas. O argumento é o de que França passaria a dispor de equidistância relativamente a todas as partes envolvidas na cena internacional.
Óbvio sofisma pois, não estando com ninguém, concentraria a desconfiança (e oposição) de todos. E o imperialismo russo perderia dois fortes opositores.
Mas, em simultâneo, a luta socio-religiosa anti muçulmana tem tido fortes razões para alcandorar Marine Le Pen a paladina dessa causa e esse é um problema que os demais políticos parece não quererem encarar. Ou seja, esta motivação eleitoral poderá prevalecer sobre a ameaça russa e, pela calada, levar os putinescos ao poder em França nas próximas legislativas. Que perigo para o mundo ocidental!
Que a serenidade motive os franceses e os afaste de todos os radicalismos.

Lisboa, 25 de Abril de 2022
Henrique Salles da Fonseca

UCRÂNIA

UCRÂNIA.png

 

Tal como a conhecemos hoje, a Ucrânia é o somatório de um núcleo original e de umas quantas doações territoriais russas tanto czarinas como soviéticas. Constato o facto mas desconheço o que possa ter estado na base de tanta magnanimidade.

Passando sobre a História num voo rápido, constatamos que Putin herdou uma situação absurda para os interesses estratégicos da Rússia com a Esquadra do Sul sedeada em Sebastopol, entretanto situada em território estrangeiro, a Ucrânia, istmo da península da Crimeia. Mais ainda, regiões russófilas.

A Rússia tem três bases navais estratégicas, a saber: Murmansk no Ártico com limitações à navegação de superfície; Vladivostok no Mar do Japão; Sebastopol no Mar Negro e, daí, acesso ao Mediterrâneo através do Bósforo e dos Dardanelos.

Se Murmank tem condicionantes climáticas (inultrapassáveis) e se Vladivostok está «noutra guerra», Sebastopol é fundamental para os interesses russos na metade ocidental da Terra. Assim se compreende a primeira iniciativa de Putin ao tomar a Crimeia e a região de Sebastopol. A segunda iniciativa de Putin é a que está em curso e tem como duplo objectivo a reunificação da Nação Russa pela reabsorção das regiões russófilas sob jurisdição ucraniana e, assim, conseguir uma zona de segurança entre a Ucrânia e Sebastopol. Mais conversação, menos Divisões militares, isto vai acontecer mediante concessões. Quais? Imagino que com o fim do actual regime bielorusso e com a resolução do exclave russo de Kaliningrad/Königsberg  ou outras contrapartidas que não imagino por enquanto.

E depois?

Depois deste acordo, Putin vai dizer a Erdogan para sair da NATO a fim de «libertar» o Bósforo e, aqui sim, vejo uma situação muito melindrosa. Por agora, não imagino uma solução tranquila a menos que ocorra alguma alteração radical nos actuais actores em cena.

QUE TRISTEZA, MOÇAMBIQUE

Qualquer português que tenha feito o Serviço Militar em Moçambique sabe que, como organização militar, a Frelimo inexiste.

Bastaram-nos «meia dúzia» de verdadeiros operacionais do Exército, da Marinha e da Força Aérea apoiados por civis fardados para sustermos e rechaçarmos as investidas pontuais que a Frelimo fazia. Com excepção de zonas inseguras para os portugueses (mas não dominadas e muito menos administradas pela Frelimo), a quase totalidade do território moçambicano era terra de paz.  Disso fiz prova ao viajar no meu carro privado de Nampula a Lourenço Marques na companhia de dois amigos totalmente desarmados em Julho de 1972. Eu sou o «documento coevo» e quem disser que a guerra em Moçambique era difícil para os portugueses, mente descaradamente. Sobre esta viagem, escrevi «POR ESSA PICADA ALÉM…» que está publicada em http://abemdanacao.blogs.sapo.pt

As zonas em que os civis portugueses não se deslocavam tranquilamente eram a parte norte de Cabo Delgado e o perímetro da barragem de Cabora Bassa. Mas a administração era portuguesa e havia comerciantes portugueses residentes.

Foi no Largo do Carmo, em Lisboa, que as colónias portuguesas passaram para as mãos dos movimentos independentistas. Os militares portugueses estacionados em Moçambique receberam ordem de se perfilarem perante o até então inimigo.

Seguiu-se a História que as esquerdas políticas fizeram passar como verdadeira.

Entretanto, a Frelimo perdeu o pouco ânimo político que possuía enquanto combatia os portugueses. Sentou-se na cadeira do Poder, deixou-se envolver na corrupção, não voltou a encontrar uma liderança carismática que entusiasmasse os moçambicanos e se desse ao respeito na cena internacional e continua a ser um «bluff» militar. Até porque, na tradição marxista, as Forças Armadas são partidárias e quem disser que são nacionais sabe que está a mentir.

Eis como o DAESH hasteou a sua Bandeira numa das Mocímboas e que a hasteará na outra logo que lhe apetecer pois «os mercenários de Moçambique chegam tarde».

Dá para imaginar que anda Xicuembo por trás de tanto milando.

Mas há que suster o desespero dos moçambicanos inocentes: o problema tem solução militar – como teve noutros tempo - só que, agora, com muito mais sabedoria.

Agosto de 2020

Henrique Salles da Fonseca

TAPAS Y CASTAÑOLAS - 2

O determinismo histórico de Marx autoproclamou-se uma falácia.

O mundo em que vivemos é quântico, não é um tabuleiro de xadrez e os modelos econométricos não passam de exercícios académicos cujas erroníssimas previsões deviam de ter pudor em sair pelas portas das Academias.

Mais vale recorrer a declarações sapientíssimas como aquela dos «prognósticos, só no fim do jogo».

Assim também o raciocínio falacioso de que qualquer pessoa – e não a+enas o Rei D. Juan Carlos - poderia ter conseguido fazer a transição da Espanha hermética e autocrática para a Espanha democrática e liberal. Trata-se (a da outra pessoa) cd uma experiência não experimentada a que é impossível conhecer os resultados. Que essa transformação era inevitável face aos condicionalismos da época. Sim! Isso ou exactamente o contrário. Em Espanha, como já o demonstraram inúmeras vezes ao longo da História, eles não hesitam muito para se ferrarem todos
a chapada.

Deixemo-nos, pois, de especulações e assentemos numa realidade indesmentível: quem fez a transição pacífica foi o Rei D. Juan Carlos e mais ninguém.

* * *

Corre por aí que o Rei D. Juan Carlos recebeu luvas do seu «irmão», o Rei da Arábia Saudita, no âmbito de um negócio de equipamento ferroviário. Aqui, sim, confesso a minha perplexidade e total incapacidade para defender o Rei emérito de Espanha. De facto, eu não sabia que a Arábia Saudita produz equipamento ferroviário e que D. Juan Carlos recebera luvas para convencer a Renfe a comprar o equipamento saudita. Também parece muito mal o Rei árabe andar por aí fora a corromper clientes. Faz-me lembrar Jacques Chirac que foi à África do Sul vender Mirages e, diz-se, distribuir algumas caixas de marrons glacés. Neste negócio também era o vendedor a corromper o comprador, o que dá para perceber como «argumento» de opção de compra. É feio, muito feio, mas percebe-se a tentação do infiel sobre o Rei cristão. O equipamento ferroviário (sobretudo o de última geração e topo de gama) de fabrico saudita é muito melhor que o homólogo alemão, inglês ou mesmo espanhol.

Afastando a ironia e regressando à seriedade, a distorção das condições normais de mercado a que vulgarmente chamamos corrupção, exerce-se do lado da oferta sobre a procura de modo a influenciar o comprador. O contrário seria um absurdo que apenas iria encarecer o produto comprado sem qualquer vantagem para quem tem a opção de compra.

Há quem refira o caso BES como exemplo, o que, novamente, é um absurdo. Efectivamente, se isso acontecia, seria o dito banco a oferecer condições bancárias excepcionais a quem procurava um local para guardar o seu dinheiro. Mais uma vez, a oferta a agir pois o inverso não faz qualquer sentido. E como, apesar dos baldados esforços dos marxistas, a Lei da Oferta e da Procura ainda não foi revogada, a das suas corruptelas também está a funcionar.

Portanto, daqui lanço uma sugestão aos que querem atacar D. Juan Carlos: arranjem outros exemplos pois com estes não atingem a honorabilidade do Pai da Democracia Espanhola.

E eu, filosoficamente republicano, não tenho envergadura para merecer mandato para a defesa de um Chefe de Estado ímpar que, afinal, é Rei.

(continua)

 

Agosto de 2020

Henrique Salles da Fonseca

TAPAS Y CASTAÑOLAS

Correu aí pelos meios de comunicação uma reportagem sobre uma ocorrência no sul de Espanha em que o dono de um estabelecimento (de comes e bebes?) a quem as Autoridades queriam impor o encerramento temporário por causa da pandemia, ele dizia às televisões que o filmavam que aquele era o seu modo de vida e que defenderia a tiro o seu negócio. E repetiu várias vezes que - Moriré matando!

Não me aterei na apreciação de que lado estava a razão, apenas constato a seriedade e a violência da afirmação.

Para melhor percebermos Espanha, pode ser de alguma utilidade que o «povo de brandos costumes» tome nota de que os métodos ali ao lado são muito diferentes dos nossos. Por lá, aplaudem a morte pública do toiro; por cá, pegamo-lo de caras. Eles fazem os ciganos subir ao «tablau»[i]; nós, não. Somos diferentes, nem melhores nem piores.

* * *

  1. Juan Calos de Borbon y Borbon é, quer se queira quer não, o único símbolo vivo da Espanha unitária e liberal.

Muitas foram as dúvidas que se levantaram quando o Cadlillo do «fascio» espanhol o nomeou seu sucessor passando por cima do candidato à Corôa, D. Juan, Conde de Barcelona, Pai do então indigitado. Desconheço totalmente que conversações terão decorrido entre os representantes do «usurpador»[ii] e o da Casa Real Espanhola para conseguirem que o Conde abdicasse do Trono a favor do filho. Objectivamente, D. Juan Carlos foi entronizado de acordo com o protocolo então em vigor e tudo começou…

Os historiadores, se forem minimamente imparciais, terão muito mais bem a dizer desse reinado do que mal mas eu não sou historiador e não preciso de ir aos arquivos à procura de informação. Eu sou o documento coevo, eu olhei a prudente distância (sem envolvimentos nem paixões que me fizessem imiscuir em assuntos estrangeiros) para todo o reinado de D. Juan Carlos. E desde já digo que o meu distanciamento se deve não só por ser estrangeiro como devido ao facto de ser filosoficamente republicano. Em compensação, a minha declarada simpatia para com o hoje Rei emérito se deve a que, com ele comungo do sentido liberal em que a sociedade se deve movimentar. Outro motivo de simpatia tem a ver com a descontração com que o ainda Príncipe (e não se mesmo, incógnito, já Rei), convivia com o vulgo da sociedade portuguesa frequentadora duma discoteca específica em Cascais. Lá estava com parentes e amigos e, todos nós, os outros, lhe respeitávamos a privacidade. Mas ninguém abandonava a pista de dança se o Príncipe/Rei ia dançar. E assim era que um Rei dançava tranquilamente perto de republicanos, monárquicos e agníosticos. Não seria ne3cessário mais para que a simpatia fosse uma realidade. Nem formal nem informalmente fui apresentado a D. Juan Carlos mas sempre pensei que quem se comportava daquele modo não podia ser mau rapaz.

Foi, pois, à distância geográfica e institucional que fui vendo a evolução de Espanha.

E vi o Rei a construir a paz social trazendo Santiago Carrillo a conversar com ele na Zarzuela, vi o Rei a impor a ordem democrática quando, aos tiros nas Cortes, a quiseram derrubar, vi uma Espanha ainda estigmatizada na cena internacional transformar-se numa potência europeia, vi o característico orgulho espanhol  a desviar-se do doentio irredentismo para a via económica, vi a Peseta a ultrapassar o Escudo, vi uma Espanha aberta ao mundo, vi a redução drástica do fluxo emigratório e vi uma nova realidade em que a maioria passou a ter o gosto de nela  viver.

Para muito melhor, a Espanha que era no dia da entronização de D. Juan Carlos não «chegava aos calcanhares» da Espanha unitária e liberal que legou ao seu sucessor.

(continua)

Ãgosto de 2020

Henrique Salles da Fonseca

[i] - «Tablado», tabuado, palco

[ii] - Franco, na boca pequena dos monárquicos liberais fiéis à linha sucessória dos Borbon cujo Chefe era, então, D. Juan, Conde de Barcelona

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