O 25 de Abril trouxe fortes perturbações à economia e agravou o choque petrolífero de 1973
O 25 de Abril de 1974 ocorreu num momento económico particularmente azarado. Em Agosto de 1971, o presidente dos EUA, Nixon, tinha declarado a fim da convertibilidade do dólar em ouro, pondo um ponto final no sistema monetário de Bretton Woods, criado em 1944. Quase três décadas de câmbios fixos chegavam ao fim, bem como a estabilidade que este sistema tinha trazido.
Mais grave do que isso, o choque petrolífero de Outubro de 1973 ajudou a pôr termo a um período de ouro de crescimento, que seria seguido pela grande inflação dos anos 70. A redução do potencial de crescimento que se lhe seguiu, por toda a Europa, travou a forte emigração portuguesa dos anos 60, que tinha sido uma importante válvula de escape da nossa economia, bem como uma muito significativa fonte de rendimentos.
Pode-se tentar despejar sobre o choque petrolífero de 1973 muitos problemas de que a economia portuguesa veio a sofrer posteriormente, mas isso não é inteiramente honesto.
Um choque externo nunca é apenas um choque externo, já que temos sempre que considerar a resposta nacional. Só nos casos em que a reacção nacional tenha sido no sentido de o minimizar poderemos falar sobretudo num choque externo.
O que fizemos em relação àquele choque petrolífero foi no sentido de o minimizar? Não, pelo contrário, maximizámo-lo e isso foi consequência directa do 25 de Abril. Um país que é um grande importador de petróleo tem de responder a uma subida dos preços desta matéria-prima com uma desvalorização, uma redução dos salários reais e contracção da procura interna.
Como a política de "escudo forte" era um aspecto muito valorizados do Estado Novo, os governos do novo regime tiveram um enorme receio de desvalorizar, com medo de que surgissem saudades do anterior regime. Por isso a desvalorização do escudo foi adiada da forma mais irresponsável possível.
Quanto aos salários reais, não só não desceram como subiram fortemente. Basta recordar a criação do salário mínimo, em 1974, que foi fixado a um nível tão estratosférico que nunca voltou a ser igualado, em termos reais, até hoje, apesar dos significativos progressos económicos registados desde então.
Outra consequência economicamente devastadora da Revolução dos Cravos foram as nacionalizações, directas e indirectas, decididas em Março de 1975. Por mais que se critiquem os principais grupos económicos da altura, pelos benefícios decorrentes do condicionamento industrial, é impossível pretender que as empresas públicas decorrentes daquelas nacionalizações, mastodônticas e proverbialmente ineficientes, pudessem constituir uma alternativa ao dinamismo da iniciativa privada.
Aliás, as nacionalizações e a perseguição aos dirigentes levaram à fuga de Portugal de alguns dos nossos melhores quadros, uma fuga de cérebros grave num país com fortes debilidades na formação. O discurso anticapital também gerou uma relevante fuga de capitais, que a legislação que a proibia não conseguiu impedir.
Por tudo isto, não é minimamente credível argumentar que o abrandamento da economia se deveu ao choque petrolífero e não ao 25 de Abril.
O fim da guerra colonial também trouxe um enorme dividendo de paz, já que as Forças Armadas consumiam 40% do orçamento. Esta folga terá permitido reforçar o Estado social, então muito incipiente.
A forma como a descolonização foi conduzida pelo MFA, a favor da URSS e não das populações das ex-colónias, gerou também um êxodo em massa de retornados, cuja integração foi um autêntico milagre, sem os conflitos que outros fenómenos semelhantes, mas muito menos expressivos, envolveram noutros países, nomeadamente em França.
O rapto do 25 de Abril pelas forças pró comunistas e anti capitalistas gerou, em suma, gravíssimas consequências económicas, que constituem um fortíssimo exemplo negativo. O nosso cardápio completo, de todos os erros que não se devem cometer, ajudou enormemente Espanha a fazer uma transição democrática muito mais tranquila e muito menos perturbadora da economia.
Pedro Braz Teixeira
Investigador do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics
Aumentar o salário mínimo neste momento pode agravar o desemprego, sobretudo entre as mulheres
Ao contrário do que muitíssimas pessoas desejavam que fosse verdade, os governos não podem determinar os salários na economia, que dependem sobretudo da produtividade.
No caso do salário mínimo, é preciso reconhecer que este tem um impacto assimétrico no emprego. Se for definido muito abaixo da produtividade dos trabalhadores com menor produtividade (os mais jovens, sem experiência, e aqueles que têm menores qualificações), torna-se irrelevante porque as empresas pagariam sempre salários acima do mínimo legal. Se for legislado acima daquela produtividade, proíbe a contratação dos trabalhadores em situação mais frágil, agravando o desemprego neste segmento.
Como os governos desprezam geralmente as leis económicas e procuram a maior popularidade, o risco de decidirem salários mínimos demasiado abaixo daquele limiar de produtividade é insignificante. Mas persiste o risco de tomarem decisões fantasiosas sobre o salário mínimo.
Até aqui há alguns anos, havia duas restrições muito importantes que limitavam a demagogia na fixação do salário mínimo: a necessidade de ter contas externas equilibradas e o facto de o salário mínimo ser um importante indexante de prestações públicas, com fortes implicações orçamentais. Infelizmente ambas as restrições foram destruídas entretanto, permitindo a políticos irresponsáveis perpetrarem os maiores erros neste domínio.
Antes da entrada no euro, as subidas do salário mínimo acima do crescimento da produtividade criavam graves problemas de competitividade, que se traduziam em défices externos elevados, cuja correcção exigia uma forte desvalorização, que diminuía os salários reais eliminando os excessos anteriores. Após a entrada no euro, por pura ignorância e irresponsabilidade dos governantes e com a indesculpável conivência do Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, criou-se a ilusão de que os desequilíbrios externos tinham deixado de ser importantes e destruiu-se a primeira restrição sobre os aumentos do salário mínimo. Em 2007, antes da grave crise internacional, Portugal apresentava um défice externo de 9,5% do PIB e uma dívida externa de 89% do PIB. Estes valores indicavam um gravíssimo problema de competitividade, que foi olimpicamente ignorado.
Em 2006, com a criação do indexante dos apoios sociais (IAS), o salário mínimo perdeu a sua importante função de indexante de um conjunto muito variado de obrigações, em particular de prestações sociais pagas pelo Estado.
Liberto desta segunda restrição, o governo da época pôde ser extremamente generoso com o dinheiro dos outros. Dado que uma subida do salário mínimo deixou de ter impacto nas contas públicas, isso deixou mãos livres ao executivo para decretar substanciais aumentos desta remuneração básica.
Sublinhe-se que a subida extraordinária plurianual do salário mínimo que foi negociada na altura aconteceu quando já havia sinais extremamente preocupantes de falta de competitividade, que desaconselhavam em absoluto esta medida.
Os resultados foram muito preocupantes, como não podia deixar de ser: enquanto em 2005 a percentagem de pessoas a receber o salário mínimo era de apenas 4,5%, ela foi subindo sucessivamente, encontrando-se nos 11,7% em Abril de 2013. Isto é grave porque indicia que se está a gerar desemprego, sobretudo entre as mulheres, já que nestas a percentagem a receber a retribuição mínima é superior a 15%. Há mesmo um conjunto de actividades em que mais de um quinto das trabalhadoras aufere o salário mínimo: indústria têxtil, alimentar, da madeira e em vários serviços (restauração e imobiliário).
É extraordinário que ainda a troika não tenha saído e já estejamos a preparar-nos para repetir todos os erros que nos forçaram a pedir auxílio externo. Parece que três quase bancarrotas em menos de 40 anos são pouco e precisamos de começar desde já a trabalhar para a próxima crise.
Esta ideia de subir, neste momento, o salário mínimo parece mais um claro exemplo do ditado que diz que "de boas intenções está o Inferno cheio".
Ainda que não o desejasse, Thatcher ajudou a criar as bases da actual crise global
A ideologia sobre as políticas públicas tende a oscilar entre dois pólos: o Estado e o mercado. A partir dos anos 30 do século passado, o pêndulo estava claramente do lado do Estado, com uma clara preferência por políticas intervencionistas.
Nos anos 70 deu-se uma clara alteração deste estado de coisas, primeiro com os fracassos económicos do intervencionismo, com o surgimento da estagflação: inflação e desemprego elevados; depois com a valorização dos teóricos liberais, como Hayek e Friedman, prémios Nobel da Economia em 1974 e 1976, respectivamente; e, finalmente, com a ascensão ao poder de políticos liberais, como Thatcher e Reagan, em 1979 e 1981.
Thatcher lançou um programa de liberalização da economia, com privatizações em massa, que acabaram por contagiar a generalidade dos países, para além do contributo para a liberalização política, nomeadamente para a queda dos regimes comunistas.
Julgo que se deve elogiar a inovação empresarial versus uma demasiado frequente inércia burocrática do Estado. Por outro lado, se as empresas se desviam do bem comum, que nem é o seu propósito central, é também vulgar isso acontecer no Estado, onde o bem-estar geral deveria ser acautelado.
Mas a vitória política – relativa – liberal, dos mercados sobre o Estado, encerra em si uma dura ironia.
É que há várias estruturas de mercado possíveis, do extremo da concorrência perfeita, passando pelos oligopólios (mercados com poucas empresas, com poder de influenciar os preços), ao outro extremo, o monopólio.
Do ponto de vista teórico, os mercados de concorrência perfeita apresentam vantagens admiráveis, por produzirem os resultados mais eficientes e por serem os mais equitativos. Já os mercados em oligopólio e monopólio são muito menos interessantes, por produzirem ineficiências e graves problemas de equidade.
Ou seja, a defesa do "mercado" só faz verdadeiramente sentido quando falamos de mercados de concorrência perfeita ou perto disso, já que nos outros casos é necessária uma forte intervenção do Estado (que só em teoria é que funciona bem), para minorar as sérias deficiências que as outras estruturas de mercado encerram.
Há aqui dois problemas. Por um lado, a sofisticação das economias e dos produtos afasta-nos cada vez mais do paradigma da concorrência perfeita. Por outro, deixadas a si próprias, as empresas farão tudo para se desviar da concorrência perfeita, em que os lucros são mínimos.
Assim, deixados a si próprios, os mercados tenderão, naturalmente, a produzir os piores resultados, o mais afastados possível do caso em que os mercados produzem as consequências socialmente mais interessantes (em concorrência perfeita).
Gerou-se então um grave equívoco, que designei "dura ironia", em que, quanto mais se defende a liberdade dos mercados (a menor intervenção pública possível), mais nos afastamos das vantagens dos mercados.
O cúmulo desta "dura ironia" ocorreu com a liberalização financeira da primeira década do século xxi. Ao permitir a criação de um sistema financeiro e bancário "sombra", sujeito a uma regulamentação mínima, permitiram-se os maiores desmandos, que deram origem à crise financeira iniciada em 2007, que colocou o mundo na mais grave crise económica desde a Grande Depressão, iniciada em 1929.
O sucesso político do liberalismo não só trouxe esta grande crise, como trouxe mudanças profundas em termos sociais, com uma profunda alteração dos valores sociais. Uma das mais graves foi a transformação da ganância numa virtude, uma das novidades mais lamentáveis.
O mundo não pára e, havendo muitos aspectos interessantes a reter do liberalismo, há também muitas correcções a fazer.
17 Abr 2013
Pedro Braz Teixeira
Director-executivo do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics
Os portugueses são presas demasiado fáceis para os demagogos
Vou enunciar algumas lições de demagogia, não com o propósito de as elogiar e divulgar, mas com a intenção de alertar os eleitores para os seus perigos.
O caso mais óbvio e mais facilmente desmascarável é o dos políticos que compram votos, seja com a oferta de ferros de engomar e outros electrodomésticos, seja com as ofertas mais ridículas, de sacos de plástico e canetas.
A demagogia mais perigosa encontra-se em outras paragens, e é especialmente nociva quando é dirigida a um eleitorado particularmente pouco preparado para a detectar, como é o português.
Julgo que esta falta de preparação em Portugal decorre de dois efeitos. Em primeiro lugar, do atraso na alfabetização, que só chegou verdadeiramente em meados do século xx. Em segundo lugar, da falta de cultura científica e de apreço pelo rigor, que Eça de Queiroz já salientou em "Os Maias", na voz do avô do protagonista: a "mania [dos portugueses] é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir-lhes a música. Se for necessário falsear a ideia, deixá-la incompleta, exagerá-la, para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita... Vá-se pela água a baixo o pensamento, mas salve-se a bela frase".
Um certo tipo de demagogia é a defesa de objectivos óbvios, sem entrar em detalhes sobre os instrumentos necessários - e possíveis - para alcançar aqueles objectivos. Hoje há muita gente que é a favor do crescimento e do emprego, como se houvesse alguém que fosse a favor da recessão e do desemprego. Infelizmente, muitos portugueses param aqui e ficam logo satisfeitos, como se isto fosse algum programa político. Dizer que se é a favor do crescimento económico vale tanto como afirmar que se é a favor da felicidade ou como defender que se deve achar a cura para o cancro. Estes dois últimos objectivos, assim formulados, parecem ridículos, mas na verdade não são mais destituídos de conteúdo do que hoje dizer que se defende a redução do desemprego. É óbvio que toda a gente defende a redução do desemprego, mas a questão é o como. E, peço desculpa, mas não serve sugerir políticas impossíveis ou que não estão na mão dos políticos que as defendem (mas antes muito longe, numa Europa que não tem nenhuma vontade de as aplicar), nem propor a repetição de receitas passadas, que nos colocaram no buraco em que estamos.
Apesar de tudo, o crescimento económico e o desemprego são conceitos objectivos e existem dados estatísticos regulares que nos permitem acompanhar. Logo, se um político é eleito a prometer reduzir o desemprego, no final do mandato podemos verificar se cumpriu ou não a sua promessa, mesmo esquecendo que uma promessa deste tipo extravasa largamente o que está nas mãos dos governos conseguir.
Há, no entanto, tiradas demagógicas mais subjectivas e muito atraentes. Imaginem um político em campanha eleitoral a gritar: "Nós defendemos impostos mais justos!" É muito natural que se instale o delírio e que todos concordem com esta "ideia". No entanto, estão a concordar exactamente com quê? Muito possivelmente, cada um acha que impostos mais justos é ele próprio pagar menos e os outros pagarem mais. Na verdade, não estão nada de acordo, é quase como se cada um tivesse a sua opinião, diferente da de todos os outros.
Considero que esta é uma das formas mais perigosas de demagogia, a utilização de frases ocas, com as quais toda a gente está de acordo, mas que não querem dizer rigorosamente nada. Ou seja, permitem ganhar votos sem qualquer tipo de contrapartidas. Ao contrário do desemprego, em que existe um indicador objectivo publicado pelo INE, em relação à justiça dos impostos não temos nenhum indicador semelhante.
Por isso, torna-se muito difícil no final do mandato fazer uma clara avaliação do cumprimento da promessa eleitoral de "impostos mais justos".
Vivemos em tempos tão difíceis que não há praticamente nenhuma proposta que um político possa fazer que seja atraente. Por isso estamos em terreno especialmente propício para os demagogos e devemos estar atentos para os detectar.
20 Mar 2013
Pedro Braz Teixeira Director-executivo do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics