Quem matou Benazir Bhutto?
Na morte de Benazir Bhutto julgo interessante meditar um pouco sobre o que se passa no Paquistão. Melhor: sobre o que se passa no mundo islâmico. Melhor ainda: sobre o que se passa no relacionamento dos sunitas wahabitas com os demais habitantes desta nave espacial a que chamamos Terra.
Foi por meados do nosso séc. XVIII que Ibn al Wahab disse a Ibn Saud, mais importante rei da região sul da Península Arábica, que se quisesse manter o poder temporal tinha que lhe reconhecer a ele, Wahab, o poder espiritual. Desde então e até aos dias de hoje, à família real saudita cumpre o proselitismo wahabita, ramo mais radical dos sunitas. Quando essa missão assenta numa montanha de petrodólares, facilmente se compreende a dinâmica de tal corrente de pensamento. Ben Laden é saudita.
Como nota intercalar, refira-se que sunitas são os seguidores de Maomé e xiitas os de Ali, genro de Maomé. Os sunitas têm uma filosofia de conquista; os xiitas de sacrifício. Os sunitas fazem uma interpretação literal e estática do Corão; os xiitas interpretam o Corão numa perspectiva de significado não estritamente literal e desenvolvem essa interpretação ao longo dos tempos.
Dá para imaginar a acção decorrente da interpretação literal do Versículo 5 da 9ª Surata do Corão que diz: (…) Quando os meses sagrados houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os (…)
É claro que para crente militante sunita wahabita tanto o cristão como o ateu ou o muçulmano xiita são infiéis idólatras que devem ser espreitados, acossados, perseguidos, capturados e mortos.
E o Paquistão é hoje o grande coito dos sunitas mais radicais pois é lá que se refugiam os talibãs perseguidos pelas tropas da NATO no Afeganistão.
Assim se compreendem as confusões permanentes por que passou o Paquistão durante a governação de Ali Bhutto, pai da hoje assassinada Benazir. E o que pretendiam eles? Muito simplesmente instaurar um regime democrático à moda ocidental ou, de preferência, ao estilo do vizinho indiano ou do longínquo México em que o seu Partido governasse perenemente com breves interregnos que a História rapidamente esqueceria.
Perfilam-se, pois, três actores no cenário paquistanês: o radical talibã comandado pelo clero sunita, o seu arqui-inimigo que lhe responde com os mesmos métodos e cuja figura de proa é Pervez Musharraf e uma linha dita democrática que não assume (ou não tem coragem para assumir) laicismo e muito menos agnosticismo.
Todos sabemos que “quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão” e nunca vimos ninguém no seu perfeito juízo meter-se entre o toiro e o forcado.
Por isto tudo me parece que o projecto Bhutto não faz sentido nesta era no Paquistão pois estão a lidar com um problema de feudalismo clerical e não será com “falinhas mansas” que lhe poderão fazer frente.
Resta a pergunta: - Quem matou Benazir Bhutto?
Lisboa, 27 de Dezembro de 2007