vOptimista, estou a jogar tudo na hipótese de existir uma janela de oportunidade para um hub intercontinental na região de Lisboa – como o Leitor, certamente, já percebeu. Uma janela de oportunidade que se abriu com a reorganização da aviação comercial em torno de agrupamentos de companhias aéreas (ACA) e se afirmou com a entrada da TAP no Star Alliance – mas que é flor de pouca dura.
vQue, em terra, a arquitectura da aviação comercial assentará cada vez mais numa rede primária de hubsintercontinentais que captam e distribuem tráfego por hubs regionais (malha intermédia) e por aeroportos nacionais (pontos de acesso) – os quais, por sua vez, se ligam a aeroportos locais e asseguram os interfaces com outros meios de transporte;
vQue, no ar, o crescimento do tráfego entre os principais hubs, separados estes por milhares de milhas, vai induzir uma inversão das prioridades na ocupação do espaço aéreo – com os voos de longo curso a saírem beneficiados;
vQue o Star Alliance pretende mesmo ter acesso privilegiado a um hub apontado para o Atlântico Sul e as Caraíbas (sendo evidente que a Portela não reúne as condições técnicas mínimas para dar resposta às solicitações de nenhum ACA nestas rotas).
vTanto quanto sei, a visão da Airbus não andará muito longe disto, preocupada como está com dois indicadores: (1) a quantidade de combustível por passageiro; (2) a gestão de um espaço (o espaço aéreo) que é, por natureza, limitado – e que se encontra à beira da saturação.
vA Boeing, porém, parece ter outro entendimento – e aposta fortemente na comodidade dos voos ponto a ponto, mesmo no longo curso, servidos por aviões relativamente mais pequenos. Obviamente, se a visão da Boeing prevalecer, o meu optimismo não tem fundamento – e o NAL não poderá ser coisa diferente de um aeroporto regional.
vPosto isto, duas questões permanecem por responder: O que acontecerá à TAP em cada um dos cenários (NAL/hub intercontinental; NAL/aeroporto regional)? E que destino para a Portela?
vNão sendo de prever que o tráfego aéreo entre a Europa e a América do Sul, a América Central e a África Ocidental diminua, muito pelo contrário, a sorte da TAP depende, decisivamente, da infra-estrutura aeroportuária em que Star Alliance se apoie para competir nestas rotas de longo curso.
vSe a TAP dispuser de condições de acesso privilegiadas a esse aeroporto (designadamente, se ele se localizar em território nacional e partir da iniciativa portuguesa), o modelo de gestão que tem seguido nestes últimos anos sairá reforçado – o que é dizer, a sua posição como router (transportadora aérea de referência em rotas de longo curso) do Star Alliance consolidar-se-á. Com a apreciável vantagem de os seus proveitos operacionais se tornarem cada vez menos dependentes da demografia local e dos azares da economia portuguesa.
vCaso contrário, a TAP: (1) perderá capacidade competitiva nas rotas que têm sido o esteio da sua rentabilidade – muito porque lhe será mais difícil obter slots nos aeroportos de destino; (2) os seus resultados ficarão, na prática, determinados por factores estritamente locais (demografia, conjuntura económica, etc.) – o que não é bom prenúncio; (3) remetida para as rotas de médio curso, onde terá de disputar a companhias low cost margens cada vez mais reduzidas, ela não sobreviverá tal como hoje a conhecemos - se é que conseguirá sobreviver tout court.
vNeste ponto, as opções, creio, não poderiam ser mais claras – apesar de terem escapado ao relatório do LNEC.
vE a Portela? A Portela é um excelente aeroporto de cidade (ou seja, um aeroporto deproximidade). Desactivá-lo seria esbanjar um activo com muito ainda para render.
vAh! Mas como coordenar dois aeroportos que entre eles distam menos de 50 km.? São tantos os casos de canibalização em que ambos – e, com eles, os passageiros – saem a perder.
vSó que na solução 1+Portela não é fatal que se coloquem duas infra-estruturas de desigual porte a competirem pelos mesmos voos comerciais. Seria, na verdade, uma insensatez manter dois aeroportos regionais a servirem a mesma bacia de atracção.
vA Portela está talhada para quatro segmentos do mercado de transporte aéreo: (1) os voos domésticos, sobretudo os voos com origem nas Regiões Autónomas e que tenham Lisboa como destino final; (2) os voos privados (de negócios, mas também de lazer, quando o estuário do Tejo for finalmente uma quadrícula de marinas internacionais); (3) os voos low cost em que os passageiros aceitem pagar taxas aeroportuárias mais elevadas por razões de comodidade; (4) os voos charter que exijam, pela sua natureza, proximidade (e estou a pensar, agora, em Lisboa como porto de rotação de passageiros nos cruzeiros marítimos).
vCom excepção do primeiro, todos os restantes partilham iguais características: (1) são voos ponto a ponto; (2) são voos em que os passageiros (e, em escala muito menor, a carga) estão dispostos a pagar mais pelo conforto da proximidade; (3) são voos que dispensam hubs; (4) são voos em que a existência de uma só pista não é problema; (5) enfim, são voos cuja frequência deverá manter o ruído em níveis aceitáveis.
vMas, dado este modelo de exploração, as infra-estruturas de apoio a passageiros, na Portela, não serão excessivas? São.
vE então? Então, está ali, à mão de semear, a chave do problema que, desde os anos ’50, tem afligido os que buscam como conectar, de modo eficiente, a Grande Lisboa à rede nacional de transportes terrestres.
vO espaço e as instalações existem para, sem grandes investimentos mais, se fazer da Portela a plataforma intermodal de passageiros que Lisboa nunca teve (central de autocarros; estação ferroviária – com a apreciável vantagem de deslocar as linhas de alta velocidade para a periferia urbana; estação do Metro; ligações rodoviárias, ou por Metro de superfície, à costa ocidental pela faixa norte, felizmente ainda pouco urbanizada; até o AB1 reconvertido é aproveitável para a segurança). Quem atente no mapa reparará que a Portela dista pouco da A1, da Linha do Norte e do rio.
vE a Gare do Oriente? A Gare do Oriente é um apeadeiro desenhado por Calatrava. Só por brincadeira se pode defender que a Gare do Oriente, na configuração actual e com tudo o que presentemente a envolve, preenche os requisitos de uma estação terminal para comboios de alta velocidade.
vUm último comentário a propósito da avaliação financeira que o relatório divulga. Com base em volumes de tráfego sem qualquer correspondência com a realidade; utilizando taxas de serviço aeroportuário não aferidas junto dos potenciais clientes (as companhias aéreas); sem explicitar e incorporar o risco que o NAL inevitavelmente tem – só poderia ser o que, na realidade, é: um exercício extemporâneo sem qualquer utilidade. (Fim)
vPara ser justo, devo reconhecer que o LNEC, com este relatório, veio dar cabal (e definitiva) resposta àquilo que o Governo lhe perguntou: Onde?
vO que surpreende é o facto de, nem o Governo, nem ninguém, até à data, ter feito a pergunta mais óbvia, aquela que marca o ponto de partida para o que importa decidir: O quê (em face da alternativa: aeroporto regional v. hub intercontinental)?
vFossem outras as circunstâncias, e a pergunta seria um mero exercício de retórica (ou por os céus não estarem ainda estruturados em torno de agrupamentos de companhias aéreas (ACA); ou por nenhuma localização possível, ao redor de Lisboa, preencher os requisitos de um hub intercontinental).
vMas não. No ar, as coisas estão, por fim, bem arrumadas (ainda que a composição deste ou daquele ACA possa vir a conhecer alterações). Por cá, a TAP é já membro de um ACA (Star Alliance). E na zona de Lisboa, pelos vistos, não faltam locais aptos a acolherem uma infra-estrutura aeroportuária com duas pistas, boas condições de operacionalidade, sem grandes restrições em matéria de ruído, nem congestionamento do espaço aéreo.
vAssim sendo, se há que construir um novo aeroporto que supra as deficiências técnicas da Portela (quanto ao número de pistas e quanto a níveis de ruído), o mais elementar bom senso recomendaria que se investigasse, primeiro, que papel pode essa nova infra-estrutura desempenhar na economia da aviação comercial - que valia terá, de facto, no contexto internacional.
vOra é aqui que entra o ACA de que a TAP faz parte. Tudo indica que o Star Alliance precisa de um hub intercontinental algures no sudoeste europeu (Lisboa? Ou Casablanca, em parceria com Sky Team?), em condições privilegiadas, para se tornar verdadeiramente global e dar por concluída a sua estratégia de “internalização”.
vSe o conseguir antes de 2013, a liderança mundial das redes de transporte aéreo comercial pertencer-lhe-á por muitos e bons anos. E só uma geração de aviões completamente nova, que imponha às rotas aéreas uma configuração totalmente diferente da que hoje conhecemos, ou uma enorme ineficiência, poderão destroná-lo.
vÉ isto que, neste momento, está em jogo entre os ACA: tão-somente, a fatia maior do negócio do transporte aéreo comercial à escala do mundo (um número com muitos, muitos zeros). Numa competição onde, coisa raríssima, a região de Lisboa pode ter uma palavra a dizer.
vO Governo, para não fugir à tradição, assume a pose do burocrata de vistas curtas: refugia-se na certeza do serviço público para amigos e conhecidos – contando com o dinheiro dos contribuintes; e só para não descer do pedestal onde poisou, nem se expor, por uma vez, às vicissitudes da concorrência, finge desconhecer um negócio que poderá dar novo alento à nossa anémica economia.
vE tanto assim é que (escreve-se no relatório com o tráfego aéreo endógeno na mira) o arranque operacional do NAL terá de aguardar pela conclusão da teia de ligações terrestres à bacia de atracção de Lisboa, lá para os idos de 2019. Como se a dinâmica da aviação comercial pudesse esperar!
vExagero, por certo, quando afirmo que as virtudes da integração em redes internacionais de transporte passaram despercebidas a decisores e consultores. Pois não é que o relatório discorre (não sobre feeders e routers, como seria de esperar), mas sobre as vantagens da articulação entre o NAL e o porto de Sines?
vComo se mercadorias que suportam perfeitamente vários dias no mar tivessem de voar até ao destino mal pusessem pé em terra firme (e, em sentido contrário, tivessem de apanhar o avião para não perderem o barco). Ou como se as pessoas, num impulso retro, voltassem aos bons tempos dos paquetes para cruzarem o Atlântico (exceptuo desta crítica, claro está, a rotação de tripulações e a logística de peças necessárias para a reparação urgente de navios - movimentos que, só eles, não justificam nenhum aeroporto de proximidade).
vO que haveria a fazer, agora que já existem localizações demonstráveis, era pegar na malinha e ala! falar com o Star Alliance (e, seguidamente, com o Sky Team): Não vos preocupa o excesso de combustível por passageiro transportado? Não vos preocupa atravancar o espaço aéreo centro-europeu, já dele muito congestionado, com o vai e vem dos aviões de longo curso? Estão interessados num hub intercontinental algures próximo de Lisboa? Em que termos? Que volumes de tráfego planeiam fazer passar por lá?
vQue não restem dúvidas: as projecções de tráfego aéreo gizadas por Star Alliance têm infinitamente mais credibilidade junto dos mercados financeiros mundiais do que os pobres números que a Parsons FCG alinhavou. E, por essas bandas, credibilidade rima na perfeição com financiamento mais fácil e a melhor preço.
vOu, de maneira mais chã: promover - mas não financiar, nem pôr em risco o dinheiro dos contribuintes. Eis a metodologia a seguir.
vEm vez de explorarem as possibilidades de uma cooperação estreita (falar de parceria, nesta fase, seria talvez presumir demais) com o Star Alliance, os nossos estudiosos preferiram sonhar com uma cidade aeroportuária - esse delírio da “engenharia social”.
vE, ao lê-los, fica a ideia de que o NAL nada mais é que um pretexto para que possam ter, enfim, entre mãos o climax da modernidade - uma cidade aeroportuária levantada das ervas.
vEsquecem eles duas verdades elementares: (1) o tráfego aéreo endógeno de que falam utiliza, em larguíssima medida, voos de médio curso - e voos de médio curso não geram cidadesaeroportuárias (se, para distâncias terrestres até 2,500 km, a estrada e o combóio são meios de transporte bem mais competitivos do que o avião - salvo para primores, flores e coisas assim - porquê escolher uma localização junto a um aeroporto, que nunca sai barata?); (2) as cidades aeroportuárias só surgem nas vizinhanças de hubs (alguns, poucos, hubs regionais; no geral, hubs intercontinentais) que registam tráfego muito intenso e que se encontram ligados a destinos economicamente desenvolvidos. Fala-se então de quê, no relatório?
vPor isso, querer inverter os dados do problema e esperar que a cidade aeroportuária seja a alavanca do sucesso de uma infra-estrutura concebida de raiz como aeroporto regional é duplicar o investimento e triplicar as perdas possíveis: (1) investimentos sem proporção com o tipo de tráfego aéreo que vai utilizá-los; (2) investimentos de ordenamento urbano e imobiliários brutais, cuja sorte depende exclusivamente do sucesso do NAL (o chamado, e temido, cúmulo de risco); (3) mais um subúrbio a fermentar delinquência e frustrações, se as coisas derem para o torto.(cont.)
vAfirmei, no texto anterior, que as estatísticas sobre o tráfego aéreo na Portela não permitem responder, por simples extrapolação, à pergunta que verdadeiramente interessa: Que tipo de aeroporto?
vO que sabemos hoje, não é que a Portela está saturada - que não está. Muito menos que rebentará pelas costuras a breve prazo – pois não existem ainda estudos razoavelmente fundamentados que o demonstrem.
vÉ, sim, que, com uma única pista operacional e com apertadas restrições em matéria de ruído, a Portela não tem condições técnicas para continuar a ser o aeroporto que serve a bacia de atracção de Lisboa e as ligações aéreas às Regiões Autónomas (daqui não se conclua que a Portela deve ser desactivada).
vGraças ao relatório do LNEC ficámos a saber, porém, que no Campo de Tiro de Alcochete é que é. Ou seja, temos já o local – mas continuamos com uma ideia vaga do que lá iremos construir. Felizmente, a falta de dinheiro impediu, até agora, que se lançassem “à balda” os caboucos de um aeroaborto (para memória futura: a nossa pelintrice atávica tem também as suas vantagens).
vO que há a construir é: (1) ou uma duplicata da Portela, mas com duas pistas que possam operar simultaneamente e sem limitações de maior quanto a ruído – um aeroporto regional moderno, pivot entre voos domésticos e voos internacionais (estes, na grande maioria, de médio curso); (2) ou um hub para as rotas aéreas intercontinentais que ligam a Europa à metade Sul das Caraíbas, à América do Sul e à África Ocidental - e que servirá também, como é lógico, quer o tráfego aéreo comercial gerado pela bacia de atracção de Lisboa, quer uma fatia variável das ligações aéreas às Regiões Autónomas.
vDe comum, apenas as duas pistas (mais longas, no caso do hub intercontinental) e os equipamentos que garantem a segurança das operações aéreas. Mas em tudo o mais (nomeadamente, quanto a infra-estruturas de apoio a passageiros e carga) diferem de maneira muito substancial.
vAquela primeira opção em pouco ou nada se distingue de um serviço público destinado a beneficiar as populações locais e, por isso, custeado por verbas do OGE. Esta última é um negócio que, se não vingar no mundo extremamente competitivo da aviação comercial, redundará num sorvedouro de dinheiro.
vTalvez seja por isto que a burocracia governamental actua como se não houvesse alternativa, olha de soslaio para a opção hub e gagueja quando é confrontada com a pergunta fatal: “Vamos lá a saber. De que tipo de aeroporto estão a falar?”
vAliás, os cenários que aparecem descritos no relatório dir-se-ia terem sido concebidos de propósito para que uma tal pergunta nunca venha a ser colocada. Talvez por efeito dos estudos da Parsons FCG, cada um tem a sua pitada de voos intercontinentais - presume-se que nas rotas que a TAP hoje assegura. Como se a situação híbrida destes últimos anos nas rotas Portugal/Brasil fosse a regra e, não, a excepção. Como se o NAL tivesse de se ajustar, por imposição do destino, ao formato actual da TAP.
vAlém de que falar, em abstracto, de “ligações Norte/Sul”, “ligações Este/Oeste” e “globalização” pode dar sinais de grande erudição - mas, no fundo, são apenas frases vazias de conteúdo.
vO estado actual do transporte aéreo comercial no mundo é simples de descrever:
vNos céus, o que havia a fazer está feito – agrupamentos de companhias aéreas (ACA) que competem por captar os tráfegos mais rentáveis, desde a origem até ao destino.
vEm terra, infra-estruturas aeronáuticas heterogéneas e algo antiquadas que dificultam, quando não bloqueiam, essas estratégias ditas de “internalização” (a saber: de todo o lado para todo o lado, sempre em aviões de um mesmo ACA).
vPor cá, uma companhia de bandeira (TAP) integrada no que é, talvez, o ACA (Star Alliance) melhor sucedido e de maior potencial - ao qual só faltam as rotas intercontinentais que a TAP tradicionalmente percorre para compor a primeira rede verdadeiramente “internalizada” (por fim, será possível ir de qualquer aeroporto regional para qualquer aeroporto regional voando exclusivamente em companhias Star Alliance).
vEm terra, a notória falta de um hub eficiente e competitivo (sobretudo, em termos da rotação de aeronaves de longo curso) que conecte a rede Star Alliance no hemisfério Norte e que se estende para Este e Sudeste (costa oriental de África, Índia, Sul da China e Austrália) com as rotas aéreas que cruzam o Atlântico Central e Sul.
vQuanto aos restantes ACA: (1) Um (One World), com dois hubs europeus (Londres/Heathrow e Madrid/Barajas) à compita em voos que se sobrepõem (América Central e Atlântico Sul); (2) O outro (Sky Team), com alguma expressão nas rotas da América do Sul, forte para a África sub-sahariana e para as Caraíbas, mas com um hub (Paris/CDG) que obriga a prolongar os voos intercontinentais, reduzindo (em cerca de 20%) a rotação dos aviões de longo curso.
vFala-se, aliás, na possibilidade de Sky Team promover a construção de um hubintercontinental em Casablanca completamente desligado do tráfego aéreo que aí se gerar (uma espécie de porta-aviões em terra firme, com segurança reforçada).
vDantes, as companhias aéreas voavam de onde havia aeroportos para onde havia aeroportos. Nos seus planos comerciais, as infra-estruturas aeroportuárias eram os dados que a realidade impunha.
vFuturamente, os ACA, para concretizarem as suas estratégias de “internalização”, vão ter de promover a construção de infra-estruturas aeroportuárias nos locais que mais lhes convenham. E um hub, por mais embelezado, por mais ecológico, por mais barato até, ficará irremediavelmente deserto se não interessar a nenhum dos ACA que disputam o mercado mundial do transporte aéreo comercial.
vEm resumo: (1) existe uma janela de oportunidade na arquitectura da rede mundial de aeroportos – Star Alliance não dispõe de um hub capaz para um feixe de rotas intercontinentais que estão a conhecer grande expansão; (2) Sky Team poderá ver com bons olhos um hub complementar a Paris/CDG nessas mesmas rotas; (3) o sítio ideal para esse hub é, precisamente, aquele que o relatório indica.
vEspecialistas como somos em falhar oportunidades, vamos dar continuidade à tradição e perder mais esta?
vQualquer país bem governado, se uma oportunidade destas lhe surgisse (e esta é praticamente oferecida), correria a agarrá-la com as duas mãos – até porque um hub intercontinental bem sucedido é um polo de desenvolvimento que pode não custar nem um cêntimo ao erário público.(cont.)
vNum primeiro impulso, pensei dar a estes escritos, que o Relatório do LNEC sobre o NAL motiva, o sarcástico título de “Fragilidades de um relatório perfeitinho”.
vSe o fizesse, porém, estaria a ser injusto com dois capítulos (em sentido figurado) que não deixam dúvidas sobre pontos essenciais da decisão a tomar. Refiro-me, como é bem de ver, a: “FCD1/Segurança e Operacionalidade da Infra-estrutura Aeronáutica”; “FCD2/Condições Técnicas da Construção da Infra-estrutura Aeronáutica” (FCD – Factores Críticos da Decisão).
vSobre “FCD3/Impacte Ambiental” não me pronunciarei. Mas tenho a sensação de que quem discorreu sobre o assunto só ficaria em paz com a sua consciência se o NAL pudesse ser construído, algures, numa charneca absolutamente estéril e de subsolo ingrato.
vOra, um aeroporto, seja de que tipo for, é sempre uma obra demasiado grande para passar despercebida pela natureza. Construi-lo só para aproveitar um pedaço de terra deserto e inútil é uma rematada tolice. O que é sensato é: (1) não causar danos ecológicos desnecessários; (2) compensar cabalmente os danos ecológicos que não seja possível evitar. Sob este ponto de vista, o relatório não vai longe. E deveria.
vO restante, adianto já, é, quanto a mim, uma extensa colecção de vacuidades delirantes, sem qualquer valor para o que está em causa decidir.
vComeça logo porque a pergunta verdadeiramente fulcral nem sequer chega a ser colocada, muito menos respondida: De que tipo de aeroporto se está a falar?
vDe um aeroporto para servir o tráfego aéreo (passageiros e carga) originado na região (melhor se diria, na bacia de atracção) de Lisboa – que o relatório designa por “tráfego aéreo endógeno”? De um hubintercontinental que também servirá, como é óbvio, o tal tráfego aéreo endógeno?
vÉ que se se está a pensar num aeroporto do primeiro tipo (um aeroporto, quanto muito, regional): (1) a infra-estrutura a construir será utilizada, predominantemente, por voos de médio curso (de e para a Europa e, talvez, o Maghreb); (2) o tráfego será fatalmente condicionado pela evolução económica e demográfica que a bacia de atracção de Lisboa registar.
vNão é preciso consultar as estrelas para predizer que a bacia de atracção de Lisboa já não anda longe do ponto de saturação quanto a (e recorro às variáveis que o relatório acolhe) capacidade hoteleira, actividade empresarial e densidade demográfica. Vai ser bonito ver o tráfego aéreo endógeno (isto é, excluindo os “trânsitos”) quase duplicar em 10 anos (e mais que triplicar lá para os alvores de 2050)!
vO que poderá causar tamanha explosão deve ser segredo de Estado. A duplicação da população residente, com a Grande Lisboa a aproximar-se perigosamente do status de megalopolis? A multiplicação dos locais de interesse e do número de hotéis? A mudança radical no comportamento dos turistas, que passam a visitar-nos por umas curtas horas, vão dormir a casa e voltam no dia seguinte para mais um passeio – tudo de avião? Um surto de iniciativa empresarial a rivalizar com indianos e chineses? Bangalore e Shangai a transferirem-se para a beira-Tejo?
vTanto mais que dois factores que poderiam aumentar sensivelmente os voos de médio curso (comerciais e privados) que demandam Lisboa nem sequer foram equacionados neste relatório. Tenho em mente: (1) o aproveitamento do estuário do Tejo para marinas de recreio de projecção internacional (umas 10-12,000 amarrações); (2) o aproveitamento do porto de Lisboa para a rotação de passageiros nos cruzeiros turísticos. (Não. Sines não tem aptidão para nenhuma destas actividades; e a APL tem-se empenhado, com denodo, em mandar à urtigas quem queira desenvolvê-las).
vAgora, se a ideia é construir um hub intercontinental, as projecções avançadas por Parsons FGC para a NAER, e que o relatório adoptou sem pestanejar, são de todo em todo inúteis.
vNem será preciso dissecar o modelo econométrico usado por Parsons FGC (modelo que não conheço, mas cujas projecções me parecem absolutamente extravagantes). Basta constatar três realidades que aí estão à vista de todos:
vQue o que justifica um hub intercontinental são, justamente, os “trânsitos” – ora a Portela nunca foi um hub e os “trânsitos”, por lá, apesar de terem conhecido um crescimento acelerado nos últimos dois, três anos, nem por isso deixaram de ter uma importância apenas marginal.
vQue a indústria do transporte aéreo, hoje e por uns quantos anos mais, nada tem a ver com o que era há cinco anos atrás – estruturada como está, nos céus, em torno de grandes agrupamentos de companhias aéreas que procuram operar em circuito fechado.
vQue a TAP (companhia que representa o grosso do tráfego aéreo na Portela e a quase totalidade dos voos intercontinentais que partem de Lisboa) só há pouco aderiu a um desses agrupamentos (Star Alliance).
vEm resumo: (1) As séries de dados sobre o tráfego aéreo em Lisboa são ainda muito curtas e totalmente condicionadas pelas vicissitudes que a TAP vai conhecendo; (2) As projecções sobre volumes de tráfego aéreo que existem, se fossem convenientemente fundamentadas, poderiam talvez servir para dimensionar um aeroporto regional (o tal para o tráfego aéreo endógeno e os voos de médio curso) - mas, nunca, um hub intercontinental; (3) Aponta-se, com estardalhaço, para a localização - mas ainda não se sabe bem o que vai ser construído nesse local; (4) Enfim, as opções possíveis estão à partida viciadas.
vEm conclusão: Discorre-se com base em suposições, tomando-as por sólida evidência.