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A bem da Nação

Burricadas nº 20

Mas,...Quantas peúguinhas? (V)

Apeadeiro dos Olivais

v      Optimista, estou a jogar tudo na hipótese de existir uma janela de oportunidade para um hub intercontinental na região de Lisboa – como o Leitor, certamente, já percebeu. Uma janela de oportunidade que se abriu com a reorganização da aviação comercial em torno de agrupamentos de companhias aéreas (ACA) e se afirmou com a entrada da TAP no Star Alliance – mas que é flor de pouca dura.

v      Este meu optimismo radica nuns quantos pressupostos:

v      Que, em terra, a arquitectura da aviação comercial assentará cada vez mais numa rede primária de hubs intercontinentais que captam e distribuem tráfego por hubs regionais (malha intermédia) e por aeroportos nacionais (pontos de acesso) – os quais, por sua vez, se ligam a aeroportos locais e asseguram os interfaces com outros meios de transporte;

v      Que, no ar, o crescimento do tráfego entre os principais hubs, separados estes por milhares de milhas, vai induzir uma inversão das prioridades na ocupação do espaço aéreo – com os voos de longo curso a saírem beneficiados;

v      Que o Star Alliance pretende mesmo ter acesso privilegiado a um hub apontado para o Atlântico Sul e as Caraíbas (sendo evidente que a Portela não reúne as condições técnicas mínimas para dar resposta às solicitações de nenhum ACA nestas rotas).

v      Tanto quanto sei, a visão da Airbus não andará muito longe disto, preocupada como está com dois indicadores: (1) a quantidade de combustível por passageiro; (2) a gestão de um espaço (o espaço aéreo) que é, por natureza, limitado – e que se encontra à beira da saturação.

v      A Boeing, porém, parece ter outro entendimento – e aposta fortemente na comodidade dos voos ponto a ponto, mesmo no longo curso, servidos por aviões relativamente mais pequenos. Obviamente, se a visão da Boeing prevalecer, o meu optimismo não tem fundamento – e o NAL não poderá ser coisa diferente de um aeroporto regional.

v      Posto isto, duas questões permanecem por responder: O que acontecerá à TAP em cada um dos cenários (NAL/hub intercontinental; NAL/aeroporto regional)? E que destino para a Portela?

v      Não sendo de prever que o tráfego aéreo entre a Europa e a América do Sul, a América Central e a África Ocidental diminua, muito pelo contrário, a sorte da TAP depende, decisivamente, da infra-estrutura aeroportuária em que Star Alliance se apoie para competir nestas rotas de longo curso.

v      Se a TAP dispuser de condições de acesso privilegiadas a esse aeroporto (designadamente, se ele se localizar em território nacional e partir da iniciativa portuguesa), o modelo de gestão que tem seguido nestes últimos anos sairá reforçado – o que é dizer, a sua posição como router (transportadora aérea de referência em rotas de longo curso) do Star Alliance consolidar-se-á. Com a apreciável vantagem de os seus proveitos operacionais se tornarem cada vez menos dependentes da demografia local e dos azares da economia portuguesa.

v      Caso contrário, a TAP: (1) perderá capacidade competitiva nas rotas que têm sido o esteio da sua rentabilidade – muito porque lhe será mais difícil obter slots nos aeroportos de destino; (2) os seus resultados ficarão, na prática, determinados por factores estritamente locais (demografia, conjuntura económica, etc.) – o que não é bom prenúncio; (3) remetida para as rotas de médio curso, onde terá de disputar a companhias low cost margens cada vez mais reduzidas, ela não sobreviverá tal como hoje a conhecemos - se é que conseguirá sobreviver tout court.

v      Neste ponto, as opções, creio, não poderiam ser mais claras – apesar de terem escapado ao relatório do LNEC.

v      E a Portela? A Portela é um excelente aeroporto de cidade (ou seja, um aeroporto de proximidade). Desactivá-lo seria esbanjar um activo com muito ainda para render.

v      Ah! Mas como coordenar dois aeroportos que entre eles distam menos de 50 km.? São tantos os casos de canibalização em que ambos – e, com eles, os passageiros – saem a perder.

v      Só que na solução 1+Portela não é fatal que se coloquem duas infra-estruturas de desigual porte a competirem pelos mesmos voos comerciais. Seria, na verdade, uma insensatez manter dois aeroportos regionais a servirem a mesma bacia de atracção.

v      A Portela está talhada para quatro segmentos do mercado de transporte aéreo: (1) os voos domésticos, sobretudo os voos com origem nas Regiões Autónomas e que tenham Lisboa como destino final; (2) os voos privados (de negócios, mas também de lazer, quando o estuário do Tejo for finalmente uma quadrícula de marinas internacionais); (3) os voos low cost em que os passageiros aceitem pagar taxas aeroportuárias mais elevadas por razões de comodidade; (4) os voos charter que exijam, pela sua natureza, proximidade (e estou a pensar, agora, em Lisboa como porto de rotação de passageiros nos cruzeiros marítimos).

v      Com excepção do primeiro, todos os restantes partilham iguais características: (1) são voos ponto a ponto; (2) são voos em que os passageiros (e, em escala muito menor, a carga) estão dispostos a pagar mais pelo conforto da proximidade; (3) são voos que dispensam hubs; (4) são voos em que a existência de uma só pista não é problema; (5) enfim, são voos cuja frequência deverá manter o ruído em níveis aceitáveis.

v      Mas, dado este modelo de exploração, as infra-estruturas de apoio a passageiros, na Portela, não serão excessivas? São.

v      E então? Então, está ali, à mão de semear, a chave do problema que, desde os anos ’50, tem afligido os que buscam como conectar, de modo eficiente, a Grande Lisboa à rede nacional de transportes terrestres.

v      O espaço e as instalações existem para, sem grandes investimentos mais, se fazer da Portela a plataforma intermodal de passageiros que Lisboa nunca teve (central de autocarros; estação ferroviária – com a apreciável vantagem de deslocar as linhas de alta velocidade para a periferia urbana; estação do Metro; ligações rodoviárias, ou por Metro de superfície, à costa ocidental pela faixa norte, felizmente ainda pouco urbanizada; até o AB1 reconvertido é aproveitável para a segurança). Quem atente no mapa reparará que a Portela dista pouco da A1, da Linha do Norte e do rio.

v      E a Gare do Oriente? A Gare do Oriente é um apeadeiro desenhado por Calatrava. Só por brincadeira se pode defender que a Gare do Oriente, na configuração actual e com tudo o que presentemente a envolve, preenche os requisitos de uma estação terminal para comboios de alta velocidade.

v      Um último comentário a propósito da avaliação financeira que o relatório divulga. Com base em volumes de tráfego sem qualquer correspondência com a realidade; utilizando taxas de serviço aeroportuário não aferidas junto dos potenciais clientes (as companhias aéreas); sem explicitar e incorporar o risco que o NAL inevitavelmente tem – só poderia ser o que, na realidade, é: um exercício extemporâneo sem qualquer utilidade. (Fim)

Lisboa, Janeiro de 2008

 A. PALHINHA MACHADO

Burricadas nº 19

Mas,...Quantas peúguinhas? (IV)

v      Para ser justo, devo reconhecer que o LNEC, com este relatório, veio dar cabal (e definitiva) resposta àquilo que o Governo lhe perguntou: Onde?

v      O que surpreende é o facto de, nem o Governo, nem ninguém, até à data, ter feito a pergunta mais óbvia, aquela que marca o ponto de partida para o que importa decidir: O quê (em face da alternativa: aeroporto regional v. hub intercontinental)?

v      Fossem outras as circunstâncias, e a pergunta seria um mero exercício de retórica (ou por os céus não estarem ainda estruturados em torno de agrupamentos de companhias aéreas (ACA); ou por nenhuma localização possível, ao redor de Lisboa, preencher os requisitos de um hub intercontinental).

v      Mas não. No ar, as coisas estão, por fim, bem arrumadas (ainda que a composição deste ou daquele ACA possa vir a conhecer alterações). Por cá, a TAP é já membro de um ACA (Star Alliance). E na zona de Lisboa, pelos vistos, não faltam locais aptos a acolherem uma infra-estrutura aeroportuária com duas pistas, boas condições de operacionalidade, sem grandes restrições em matéria de ruído, nem congestionamento do espaço aéreo.

v      Assim sendo, se há que construir um novo aeroporto que supra as deficiências técnicas da Portela (quanto ao número de pistas e quanto a níveis de ruído), o mais elementar bom senso recomendaria que se investigasse, primeiro, que papel pode essa nova infra-estrutura desempenhar na economia da aviação comercial - que valia terá, de facto, no contexto internacional.

v      Ora é aqui que entra o ACA de que a TAP faz parte. Tudo indica que o Star Alliance precisa de um hub intercontinental algures no sudoeste europeu (Lisboa? Ou Casablanca, em parceria com Sky Team?), em condições privilegiadas, para se tornar verdadeiramente global e dar por concluída a sua estratégia de “internalização”.

v      Se o conseguir antes de 2013, a liderança mundial das redes de transporte aéreo comercial pertencer-lhe-á por muitos e bons anos. E só uma geração de aviões completamente nova, que imponha às rotas aéreas uma configuração totalmente diferente da que hoje conhecemos, ou uma enorme ineficiência, poderão destroná-lo.

v      É isto que, neste momento, está em jogo entre os ACA: tão-somente, a fatia maior do negócio do transporte aéreo comercial à escala do mundo (um número com muitos, muitos zeros). Numa competição onde, coisa raríssima, a região de Lisboa pode ter uma palavra a dizer.

v      O Governo, para não fugir à tradição, assume a pose do burocrata de vistas curtas: refugia-se na certeza do serviço público para amigos e conhecidos – contando com o dinheiro dos contribuintes; e só para não descer do pedestal onde poisou, nem se expor, por uma vez, às vicissitudes da concorrência, finge desconhecer um negócio que poderá dar novo alento à nossa anémica economia.

v      E tanto assim é que (escreve-se no relatório com o tráfego aéreo endógeno na mira) o arranque operacional do NAL terá de aguardar pela conclusão da teia de ligações terrestres à bacia de atracção de Lisboa, lá para os idos de 2019. Como se a dinâmica da aviação comercial pudesse esperar!

v      Exagero, por certo, quando afirmo que as virtudes da integração em redes internacionais de transporte passaram despercebidas a decisores e consultores. Pois não é que o relatório discorre (não sobre feeders e routers, como seria de esperar), mas sobre as vantagens da articulação entre o NAL e o porto de Sines?

v      Como se mercadorias que suportam perfeitamente vários dias no mar tivessem de voar até ao destino mal pusessem pé em terra firme (e, em sentido contrário, tivessem de apanhar o avião para não perderem o barco). Ou como se as pessoas, num impulso retro, voltassem aos bons tempos dos paquetes para cruzarem o Atlântico (exceptuo desta crítica, claro está, a rotação de tripulações e a logística de peças necessárias para a reparação urgente de navios - movimentos que, só eles, não justificam nenhum aeroporto de proximidade).

v      O que haveria a fazer, agora que já existem localizações demonstráveis, era pegar na malinha e ala! falar com o Star Alliance (e, seguidamente, com o Sky Team): Não vos preocupa o excesso de combustível por passageiro transportado? Não vos preocupa atravancar o espaço aéreo centro-europeu, já dele muito congestionado, com o vai e vem dos aviões de longo curso? Estão interessados num hub intercontinental algures próximo de Lisboa? Em que termos? Que volumes de tráfego planeiam fazer passar por lá?

v      Que não restem dúvidas: as projecções de tráfego aéreo gizadas por Star Alliance têm infinitamente mais credibilidade junto dos mercados financeiros mundiais do que os pobres números que a Parsons FCG alinhavou. E, por essas bandas, credibilidade rima na perfeição com financiamento mais fácil e a melhor preço.

v      Ou, de maneira mais chã: promover - mas não financiar, nem pôr em risco o dinheiro dos contribuintes. Eis a metodologia a seguir.

v      Em vez de explorarem as possibilidades de uma cooperação estreita (falar de parceria, nesta fase, seria talvez presumir demais) com o Star Alliance, os nossos estudiosos preferiram sonhar com uma cidade aeroportuária - esse delírio da “engenharia social”.

v      E, ao lê-los, fica a ideia de que o NAL nada mais é que um pretexto para que possam ter, enfim, entre mãos o climax da modernidade - uma cidade aeroportuária levantada das ervas.

v      Esquecem eles duas verdades elementares: (1) o tráfego aéreo endógeno de que falam utiliza, em larguíssima medida, voos de médio curso - e voos de médio curso não geram cidades aeroportuárias (se, para distâncias terrestres até 2,500 km, a estrada e o combóio são meios de transporte bem mais competitivos do que o avião - salvo para primores, flores e coisas assim - porquê escolher uma localização junto a um aeroporto, que nunca sai barata?); (2) as cidades aeroportuárias só surgem nas vizinhanças de hubs (alguns, poucos, hubs regionais; no geral, hubs intercontinentais) que registam tráfego muito intenso e que se encontram ligados a destinos economicamente desenvolvidos. Fala-se então de quê, no relatório?

v      Por isso, querer inverter os dados do problema e esperar que a cidade aeroportuária seja a alavanca do sucesso de uma infra-estrutura concebida de raiz como aeroporto regional é duplicar o investimento e triplicar as perdas possíveis: (1) investimentos sem proporção com o tipo de tráfego aéreo que vai utilizá-los; (2) investimentos de ordenamento urbano e imobiliários brutais, cuja sorte depende exclusivamente do sucesso do NAL (o chamado, e temido, cúmulo de risco); (3) mais um subúrbio a fermentar delinquência e frustrações, se as coisas derem para o torto.                      (cont.)

Lisboa, Janeiro de 2008

A. PALHINHA MACHADO

Burricadas nº 18

Mas,...Quantas peúguinhas? (III)

v      Afirmei, no texto anterior, que as estatísticas sobre o tráfego aéreo na Portela não permitem responder, por simples extrapolação, à pergunta que verdadeiramente interessa: Que tipo de aeroporto?

v      O que sabemos hoje, não é que a Portela está saturada - que não está. Muito menos que rebentará pelas costuras a breve prazo – pois não existem ainda estudos razoavelmente fundamentados que o demonstrem.

v      É, sim, que, com uma única pista operacional e com apertadas restrições em matéria de ruído, a Portela não tem condições técnicas para continuar a ser o aeroporto que serve a bacia de atracção de Lisboa e as ligações aéreas às Regiões Autónomas (daqui não se conclua que a Portela deve ser desactivada).

v      Graças ao relatório do LNEC ficámos a saber, porém, que no Campo de Tiro de Alcochete é que é. Ou seja, temos já o local – mas continuamos com uma ideia vaga do que lá iremos construir. Felizmente, a falta de dinheiro impediu, até agora, que se lançassem “à balda” os caboucos de um aeroaborto (para memória futura: a nossa pelintrice atávica tem também as suas vantagens).

v      O que há a construir é: (1) ou uma duplicata da Portela, mas com duas pistas que possam operar simultaneamente e sem limitações de maior quanto a ruído – um aeroporto regional moderno, pivot entre voos domésticos e voos internacionais (estes, na grande maioria, de médio curso); (2) ou um hub para as rotas aéreas intercontinentais que ligam a Europa à metade Sul das Caraíbas, à América do Sul e à África Ocidental - e que servirá também, como é lógico, quer o tráfego aéreo comercial gerado pela bacia de atracção de Lisboa, quer uma fatia variável das ligações aéreas às Regiões Autónomas.

v      De comum, apenas as duas pistas (mais longas, no caso do hub intercontinental) e os equipamentos que garantem a segurança das operações aéreas. Mas em tudo o mais (nomeadamente, quanto a infra-estruturas de apoio a passageiros e carga) diferem de maneira muito substancial.

v      Aquela primeira opção em pouco ou nada se distingue de um serviço público destinado a beneficiar as populações locais e, por isso, custeado por verbas do OGE. Esta última é um negócio que, se não vingar no mundo extremamente competitivo da aviação comercial, redundará num sorvedouro de dinheiro.

v      Talvez seja por isto que a burocracia governamental actua como se não houvesse alternativa, olha de soslaio para a opção hub e gagueja quando é confrontada com a pergunta fatal: “Vamos lá a saber. De que tipo de aeroporto estão a falar?”

v      Aliás, os cenários que aparecem descritos no relatório dir-se-ia terem sido concebidos de propósito para que uma tal pergunta nunca venha a ser colocada. Talvez por efeito dos estudos da Parsons FCG, cada um tem a sua pitada de voos intercontinentais - presume-se que nas rotas que a TAP hoje assegura. Como se a situação híbrida destes últimos anos nas rotas Portugal/Brasil fosse a regra e, não, a excepção. Como se o NAL tivesse de se ajustar, por imposição do destino, ao formato actual da TAP.

v      Além de que falar, em abstracto, de “ligações Norte/Sul”, “ligações Este/Oeste” e “globalização” pode dar sinais de grande erudição - mas, no fundo, são apenas frases vazias de conteúdo.

v      O estado actual do transporte aéreo comercial no mundo é simples de descrever:

v      Nos céus, o que havia a fazer está feito – agrupamentos de companhias aéreas (ACA) que competem por captar os tráfegos mais rentáveis, desde a origem até ao destino.

v      Em terra, infra-estruturas aeronáuticas heterogéneas e algo antiquadas que dificultam, quando não bloqueiam, essas estratégias ditas de “internalização” (a saber: de todo o lado para todo o lado, sempre em aviões de um mesmo ACA).

v      Por cá, uma companhia de bandeira (TAP) integrada no que é, talvez, o ACA (Star Alliance) melhor sucedido e de maior potencial - ao qual só faltam as rotas intercontinentais que a TAP tradicionalmente percorre para compor a primeira rede verdadeiramente “internalizada” (por fim, será possível ir de qualquer aeroporto regional para qualquer aeroporto regional voando exclusivamente em companhias Star Alliance).

v      Em terra, a notória falta de um hub eficiente e competitivo (sobretudo, em termos da rotação de aeronaves de longo curso) que conecte a rede Star Alliance no hemisfério Norte e que se estende para Este e Sudeste (costa oriental de África, Índia, Sul da China e Austrália) com as rotas aéreas que cruzam o Atlântico Central e Sul.

v      Quanto aos restantes ACA: (1) Um (One World), com dois hubs europeus (Londres/Heathrow e Madrid/Barajas) à compita em voos que se sobrepõem (América Central e Atlântico Sul); (2) O outro (Sky Team), com alguma expressão nas rotas da América do Sul, forte para a África sub-sahariana e para as Caraíbas, mas com um hub (Paris/CDG) que obriga a prolongar os voos intercontinentais, reduzindo (em cerca de 20%) a rotação dos aviões de longo curso.

v      Fala-se, aliás, na possibilidade de Sky Team promover a construção de um hub intercontinental em Casablanca completamente desligado do tráfego aéreo que aí se gerar (uma espécie de porta-aviões em terra firme, com segurança reforçada).

v      Dantes, as companhias aéreas voavam de onde havia aeroportos para onde havia aeroportos. Nos seus planos comerciais, as infra-estruturas aeroportuárias eram os dados que a realidade impunha.

v      Futuramente, os ACA, para concretizarem as suas estratégias de “internalização”, vão ter de promover a construção de infra-estruturas aeroportuárias nos locais que mais lhes convenham. E um hub, por mais embelezado, por mais ecológico, por mais barato até, ficará irremediavelmente deserto se não interessar a nenhum dos ACA que disputam o mercado mundial do transporte aéreo comercial.

v      Em resumo: (1) existe uma janela de oportunidade na arquitectura da rede mundial de aeroportos – Star Alliance não dispõe de um hub capaz para um feixe de rotas intercontinentais que estão a conhecer grande expansão; (2) Sky Team poderá ver com bons olhos um hub complementar a Paris/CDG nessas mesmas rotas; (3) o sítio ideal para esse hub é, precisamente, aquele que o relatório indica.

v      Especialistas como somos em falhar oportunidades, vamos dar continuidade à tradição e perder mais esta?

v      Qualquer país bem governado, se uma oportunidade destas lhe surgisse (e esta é praticamente oferecida), correria a agarrá-la com as duas mãos – até porque um hub intercontinental bem sucedido é um polo de desenvolvimento que pode não custar nem um cêntimo ao erário público.                                                                           (cont.)

Lisboa, Janeiro de 2008

A. PALHINHA MACHADO

burricadas nº 17

Mas,...quantas peúguinhas? (II)

v      Num primeiro impulso, pensei dar a estes escritos, que o Relatório do LNEC sobre o NAL motiva, o sarcástico título de “Fragilidades de um relatório perfeitinho”.

v      Se o fizesse, porém, estaria a ser injusto com dois capítulos (em sentido figurado) que não deixam dúvidas sobre pontos essenciais da decisão a tomar. Refiro-me, como é bem de ver, a: “FCD1/Segurança e Operacionalidade da Infra-estrutura Aeronáutica”; “FCD2/Condições Técnicas da Construção da Infra-estrutura Aeronáutica” (FCD – Factores Críticos da Decisão).

v      Sobre “FCD3/Impacte Ambiental” não me pronunciarei. Mas tenho a sensação de que quem discorreu sobre o assunto só ficaria em paz com a sua consciência se o NAL pudesse ser construído, algures, numa charneca absolutamente estéril e de subsolo ingrato.

v      Ora, um aeroporto, seja de que tipo for, é sempre uma obra demasiado grande para passar despercebida pela natureza. Construi-lo só para aproveitar um pedaço de terra deserto e inútil é uma rematada tolice. O que é sensato é: (1) não causar danos ecológicos desnecessários; (2) compensar cabalmente os danos ecológicos que não seja possível evitar. Sob este ponto de vista, o relatório não vai longe. E deveria.

v      O restante, adianto já, é, quanto a mim, uma extensa colecção de vacuidades delirantes, sem qualquer valor para o que está em causa decidir.

v      Começa logo porque a pergunta verdadeiramente fulcral nem sequer chega a ser colocada, muito menos respondida: De que tipo de aeroporto se está a falar?

v      De um aeroporto para servir o tráfego aéreo (passageiros e carga) originado na região (melhor se diria, na bacia de atracção) de Lisboa – que o relatório designa por “tráfego aéreo endógeno”? De um hub intercontinental que também servirá, como é óbvio, o tal tráfego aéreo endógeno?

v      É que se se está a pensar num aeroporto do primeiro tipo (um aeroporto, quanto muito, regional): (1) a infra-estrutura a construir será utilizada, predominantemente, por voos de médio curso (de e para a Europa e, talvez, o Maghreb); (2) o tráfego será fatalmente condicionado pela evolução económica e demográfica que a bacia de atracção de Lisboa registar.

v      Não é preciso consultar as estrelas para predizer que a bacia de atracção de Lisboa já não anda longe do ponto de saturação quanto a (e recorro às variáveis que o relatório acolhe) capacidade hoteleira, actividade empresarial e densidade demográfica. Vai ser bonito ver o tráfego aéreo endógeno (isto é, excluindo os “trânsitos”) quase duplicar em 10 anos (e mais que triplicar lá para os alvores de 2050)!

v      O que poderá causar tamanha explosão deve ser segredo de Estado. A duplicação da população residente, com a Grande Lisboa a aproximar-se perigosamente do status de megalopolis? A multiplicação dos locais de interesse e do número de hotéis? A mudança radical no comportamento dos turistas, que passam a visitar-nos por umas curtas horas, vão dormir a casa e voltam no dia seguinte para mais um passeio – tudo de avião? Um surto de iniciativa empresarial a rivalizar com indianos e chineses? Bangalore e Shangai a transferirem-se para a beira-Tejo?

v      Tanto mais que dois factores que poderiam aumentar sensivelmente os voos de médio curso (comerciais e privados) que demandam Lisboa nem sequer foram equacionados neste relatório. Tenho em mente: (1) o aproveitamento do estuário do Tejo para marinas de recreio de projecção internacional (umas 10-12,000 amarrações); (2) o aproveitamento do porto de Lisboa para a rotação de passageiros nos cruzeiros turísticos. (Não. Sines não tem aptidão para nenhuma destas actividades; e a APL tem-se empenhado, com denodo, em mandar à urtigas quem queira desenvolvê-las).

v      Agora, se a ideia é construir um hub intercontinental, as projecções avançadas por Parsons FGC para a NAER, e que o relatório adoptou sem pestanejar, são de todo em todo inúteis.

v      Nem será preciso dissecar o modelo econométrico usado por Parsons FGC (modelo que não conheço, mas cujas projecções me parecem absolutamente extravagantes). Basta constatar três realidades que aí estão à vista de todos:

v      Que o que justifica um hub intercontinental são, justamente, os “trânsitos” – ora a Portela nunca foi um hub e os “trânsitos”, por lá, apesar de terem conhecido um crescimento acelerado nos últimos dois, três anos, nem por isso deixaram de ter uma importância apenas marginal.

v      Que a indústria do transporte aéreo, hoje e por uns quantos anos mais, nada tem a ver com o que era há cinco anos atrás – estruturada como está, nos céus, em torno de grandes agrupamentos de companhias aéreas que procuram operar em circuito fechado.

v      Que a TAP (companhia que representa o grosso do tráfego aéreo na Portela e a quase totalidade dos voos intercontinentais que partem de Lisboa) só há pouco aderiu a um desses agrupamentos (Star Alliance).

v      Em resumo: (1) As séries de dados sobre o tráfego aéreo em Lisboa são ainda muito curtas e totalmente condicionadas pelas vicissitudes que a TAP vai conhecendo; (2) As projecções sobre volumes de tráfego aéreo que existem, se fossem convenientemente fundamentadas, poderiam talvez servir para dimensionar um aeroporto regional (o tal para o tráfego aéreo endógeno e os voos de médio curso) - mas, nunca, um hub intercontinental; (3) Aponta-se, com estardalhaço, para a localização - mas ainda não se sabe bem o que vai ser construído nesse local; (4) Enfim, as opções possíveis estão à partida viciadas.

v      Em conclusão: Discorre-se com base em suposições, tomando-as por sólida evidência.

(cont)

Lisboa, Janeiro 2008

A. PALHINHA MACHADO

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