MAGAÍÇA
NOTAS PRÉVIAS:
1. Magaíça – trabalhador moçambicano nas minas da África do Sul. A aculturação foi feita de tal modo que os homens do sul de Moçambique só são aceites para casamento depois de terem estado dois anos nas minas sul-africanas.
2. Mamparra – rapaz
3. Nhanisse – de certeza, é verdade, tenho a certeza.
MAGAÍÇA
A manhã azul e ouro dos folhetos de propaganda
Engoliu o mamparra,
Entontecido todo pela algazarra
Incompreensível dos brancos da estação
E pelo resfolegar trepidante dos comboios
Tragou seus olhos redondos de pasmo,
Seu coração apertado na angústia do desconhecido,
Sua trouxa de farrapos
Carregando a ânsia enorme, tecida
De sonhos insatisfeitos do mamparra.
E um dia,
O comboio voltou, arfando, arfando...
Oh nhanisse, voltou.
E com ele, magaíça,
De sobretudo, cachecol e meia listrada
E um ser deslocado
Embrulhado em ridículo.
Às costas – ah onde te ficou a trouxa de sonhos, magaíça?
Trazes as malas cheias do falso brilho
Do resto da falsa civilização do compound do Rand.
E na mão,
Magaíça atordoado acendeu o candeeiro,
À cata das ilusões perdidas,
Da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
Lá nas minas do Jone...
A mocidade e a saúde,
As ilusões perdidas
Que brilharão como astros no decote de qualquer lady
Nas noites deslumbrantes de qualquer City.
Noémia de Sousa (Catembe, 20/9/26-Lisboa, 4/12/02)
* * *
(…) Estes últimos dias de rapaz foram passados com os outros iniciados e achei a camaradagem agradável. O abrigo era perto da casa de Banabakhe Blayi, o rapaz mais rico e mais popular da escola de circuncisão. Era um rapaz cativante, campeão do jogo do pau e um galã cujas muitas namoradas nos mantiveram a todos fornecidos de petiscos. Embora não soubesse ler nem escrever, era um dos mais inteligentes entre nós. Regalou-nos com histórias das suas viagens a Joanesburgo, um lugar aonde nenhum de nós jamais tinha ido. Entusiasmou-nos tanto com histórias das minas que quase me convenceu que ser mineiro era mais interessante do que ser monarca. Os mineiros tinham uma mística; ser mineiro significava ser forte e ousado, o ideal da masculinidade. Muito mais tarde dei-me conta que eram as histórias exageradas de rapazes como Banabakhe que faziam com que tantos jovens fugissem para trabalharem nas minas de Joanesburgo, onde muitas vezes perdiam a saúde e a vida. Nesses tempos, trabalhar nas minas era quase tanto um rito de passagem como a escola de circuncisão, um mito que ajudava mais os proprietários das minas do que o meu povo. (…)
in «LONGO CAMINHO PARA A LIBERDADE – Autobiografia» (pág. 35)