Qualquer crítica – e qualquer defesa – que se baseie sobretudo em chamar nomes aos defensores e aos críticos, não é crítica nem defesa: é mero desabafo, auto- regozijo pela certeza que transborda da alma de cada um. Não vale nada.
Por isso não me atrevo a ser contra a adopção do Acordo Ortográfico de 1990 sem
apresentar as razões em que me baseio.
Os argumentos que se seguem são de ordem operatória, fonológica, morfológica, de linguística histórica, sociológica, diplomática, económica e de preservação histórica.
Há mais, porém fico por aqui.
Argumento diplomático
O Acordo Ortográfico 1990 tinha‐se proposto unificar a escrita de todos os países de língua oficial portuguesa. Este objectivo não foi conseguido.
Portugal impôs unilateralmente uma grafia que não tem o acordo de todos.
O AO90 foi feito, essencialmente, para aumentar as vendas de livros portugueses no Brasil. Para isso pretendia unificar a escrita. Não unificou. Temos, por exemplo, acentos agudos onde os brasileiros têm acentos circunflexos (fenómeno /fenômeno), o que corresponde a diferenças de pronúncia; e eliminamos o “c” e o “p” que são pronunciados em palavras brasileiras e não o são nas correspondentes portuguesas. Por exemplo, no Brasil: respectivo, perspectiva, recepção; em Portugal, segundo o AO: respetivo, perspetiva, receção – embora os “e” destas palavras não se pronunciem como os de “repetido”, “recessão”.
O Brasil adiou para 2016 a assinatura.
A história dos acordos tentados durante todo o século XX demonstrou à saciedade que os brasileiros sempre escreveram como bem entendiam e melhor lhes parecia.
Angola e Moçambique não assinaram o AO 90 (o que me parece um grande exemplo de bom senso, sobretudo se tivermos em conta o argumento que se segue).
A opinião destes países de língua oficial portuguesa devia ser ponderada e tida em conta pelas autoridades portuguesas.
Qualquer crítica – e qualquer defesa – que se baseie sobretudo em chamar nomes aos defensores e aos críticos, não é crítica nem defesa: é mero desabafo, auto- regozijo pela certeza que transborda da alma de cada um. Não vale nada.
Por isso não me atrevo a ser contra a adopção do Acordo Ortográfico de 1990 sem
apresentar as razões em que me baseio.
Os argumentos que se seguem são de ordem operatória, fonológica, morfológica, de linguística histórica, sociológica, diplomática, económica e de preservação histórica.
Há mais, porém fico por aqui.
Argumento de ordem fonológica
(reduzindo ao mínimo a linguagem técnica)
Uma das características da língua portuguesa falada em Portugal é a chamada “elevação das vogais átonas”, ou seja: para nós, as vogais “a”, “e” e “o” não têm a mesma pronúncia se estão em posição tónica ou em posição átona. Compare-se o primeiro “a” de “casa” com o de “casinha”: na primeira palavra o “a” é aberto e na segunda o “a” é fechado.
Compare-se o “e” de “mesa” com o de “meseta”: em “mesa” pronunciamos “ê”; em “meseta” o primeiro “e” é mudo. Mesmo que desapareça da fala e digamos «mzeta»,
continuamos a perceber que se trata de “meseta”.
Dizemos “tolo” com “ô” mas em “tolice”, o “o” é fechado.
Esta regra é bastante geral.
Uma das excepções é a palavra “padeiro” que tem o “a”, átono, aberto.
As palavras em que tal acontece costumavam, até certa altura, levar um acento grave para indicar que essa vogal era aberta. Hoje ele só subsiste como indicador da junção do artigo “a” com a preposição “a” e com os demonstrativos aquele, aquela, aquilo (“Dei um bolo à Maria”, “Àquele nunca falo”). Em 1971 no Brasil e em 1973 foi eliminado dos advérbios de modo, e assim “sòmente” e “fàcilmente” passaram a escrever-se “somente”, “facilmente”.
Considerou-se inútil porque “os falantes da língua sabiam como se pronunciavam as palavras”.
Foi talvez essa a primeira “facada” que os legisladores da língua deram na transparência que a escrita devia ter para quem o português não era a língua materna – como era o caso da maior parte dos nativos das colónias de então.
Subsistia porém o recurso a letras etimológicas. Nessa altura, um dos papéis desempenhados por essas letras era o de indicar que as vogais que as precediam eram abertas. É o caso de “nocturno”,“espectador”, “tractor”. Sem esse auxílio, a regra inicial (de fechamento da vogal que não tem acento tónico) tende a generalizar‐se.
É por isso que o AO 1990 induz a que se leia “nuturno” ou, quando muito, “nôtúrno”, “espetador” como um derivado de “espeto” e “trator” com “â” fechado, coisa que não existe.
A experiência já foi feita: tendo sido apresentada para leitura a (nova) palavra “notívago”, as pessoas leram “nutívago”, sem qualquer hesitação.
Por conseguinte, a nova grafia induz a modificação pronúncia das palavras até as tornar irreconhecíveis e, por conseguinte, inúteis.
É uma maneira de empobrecer o vocabulário português.