PROJECTO-ESPERANÇA PARA PORTUGAL
Mais do que uma reforma – mais uma –, mais do que uma revolução – mais uma –, aquilo de que o País tem maior carência e maior necessidade, é de uma renascença.
Quem diz renascença, diz, não apenas um dado momento da História europeia, mas um certo tipo de civilização e de cultura baseado no apelo à identidade fundamental, na mobilização de todas as energias criadoras, na interlocução, para lá do passado imediato, daquilo que foi a inspiração primeira de uma determinada História.
Quem diz renascença, diz, no nosso caso, para além da existência fáctica daquilo que se fez, uma exigência de dever-ser como poderia ter sido feito; diz vontade de retomar um certo fio que outros dados e dados outros quebraram e interromperam; diz prioridade à revolta contra o abastardamento, o aviltamento ou até a ignomínia a que se chegou pelo não cumprimento da linha inicial ou da inicial vontade.
Foi nesta ordem de ideias que o romantismo apelou para a nossa Idade Média como para o tempo da inspiração das nossas «verdadeiras» instituições, do nosso modo de sentir mais genuíno. Não foi ainda por acaso que, na sequência da revolução republicana de 1910, os homens mais atentos à consciência histórica e nacional e vindos dos horizontes culturais mais diversos se uniram para formarem um movimento precisamente designado de «Renascença Portuguesa»[1].
Hoje. As circunstâncias são diferentes tanto do advento do Liberalismo como do advento da I República. O centro do Globo deslocou-se para fora da Europa. Acentuou-se a bipolarização do poderia mundial como nunca na História da Humanidade. Chegou-se a um ponto de unificação e interdependência dos seus antes disiecta corpora[2] como de memória humana jamais se atingira. Possibilitou-se um grau de diálogo e de comunicação entre culturas e civilizações as mais diversas, ao mesmo tempo que se firmou em cada uma delas a vontade de identidade, funções, uma e outra, que pedem muita experiência e muita consciência, muita liberdade e muito tacto, muito sentido do outro e muito sentido da dignidade própria.
É neste contexto mundial que a existência de povos mediadores, pequenos ou grandes – de preferência mais os pequenos do que os grandes – é altamente benéfica para o crescimento harmónico da Humanidade, para o seu ritmo menos atormentado e conflitual e para a criação de relações internacionais que não sejam só, nem principalmente, relações de poderio e de dominantes e dominados.
É neste contexto que o renascimento de Portugal adquire sentido novo. Não apenas para proveito próprio e de seus filhos, mas para uma humanidade mais larga a começar pelos povos de expressão portuguesa de formação antiga ou recente.
Enquanto estes não instituírem uma reflexão fundamental sobre aquilo que, apesar de tudo, os une – e é muito – andarão a servir interesses de terceiros que não coincidirão, fatalmente, com os interesses da comunidade cultural à qual pertencem, quer se queira quer não.
A renascença da Pátria portuguesa é condição importante, embora não necessária nem suficiente, para o surgimento da uma verdadeira comunidade lusíada no Atlântico, no Índico e na Diáspora.
Lisboa, Abril de 1977
Professor universitário
In Revista Brotéria, Fevereiro de 2013, págs. 185 e seg.
[1] Renascença Portuguesa foi um movimento cultural português surgido em 1912 no Porto que se manteve activo durante o primeiro quartel do século XX. O movimento tinha subjacente um ideal nacionalista ligado, no plano literário e filosófico, ao neo-garrettismo e a um sebastianismo quase messiânico. Enquanto agrupamento de acção sócio-cultural, a Renascenças Portuguesa desenvolveu uma notável actividade, com aspectos originais, obedecendo ao propósito de "dar conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana" (Jaime Cortesão). Teve como principal mentor, sobretudo até 1916, Teixeira de Pascoaes, com a sua teoria do saudosismo e, numa segunda fase, Leonardo Coimbra. Tinha como órgão a revista A Águia — Órgão da Renascença Portuguesa, publicado no Porto de 1910 a 1932, e o quinzenário Vida Portuguesa.
(para saber mais, ver por exemplo em http://pt.wikipedia.org/wiki/Renascen%C3%A7a_Portuguesa )
[2] «disiecta corpora» - corpos despedaçados