IMPAGÁVEL AMIGO SINTO
Tinha o Sinto os seus onze anos quando, num dia de Sol, foi passear de mão dada com uma rapariguinha da mesma idade de quem muito gostava, para o porto de Palma de Maiorca. Iam ver o mar e os barcos, paixão que lhe vem de pequeno. Durante o passeio, a sua pequena amiga parou no pontão junto de um bonito veleiro e sugeriu que seria boa ideia meterem-se naquele barco e juntos partirem para dar a volta ao Mundo.
Com onze anos já o Sinto era bom velejador, consciente das suas limitações e da dificuldade que uma aventura dessas representava. Disse então à rapariga que ainda era muito novo para isso e que nem teria forças para largar as amarras dum veleiro daqueles. Fez, no entanto, a promessa de que enquanto fossem pequenos, dariam sempre em sonhos a volta ao Mundo um com o outro, mas assim que fossem grandes fariam a viagem de verdade. Estava prometido.
Cresceram, a rapariga transformou-se numa mulher formidável em todos os aspectos, com quem casou e de quem teve seis filhos.
No entanto, na altura própria, o Jacinto já não podia contar com a rapariga dos seus sonhos de menino. Tinha morrido. Mas como a promessa estava feita, embora noutras circunstâncias, inscreveu-se na regata cumprindo assim parcialmente a sua promessa de criança.
O que é de facto espantoso é que o Sinto, completamente cego há vinte e cinco anos, não se deixa de qualquer forma vencer pelas adversidades da vida, continua a ser um bom velejador e a navegar no seu barco com a ajuda de um dos filhos à volta do Mundo.
Conversa ao jantar em Puerto Ayora, Arquipélago das Galápagos, durante a regata de circum-navegação da Expo 98.
In OITO MESES NO MAR, Luís Vaz de Almada – Ed. EXCALIBUR, 1ª edição 1998, pág. 71 e seg.