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A bem da Nação

(IR)RACIONALIDADE TRUMPISTA

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O francês Nicolas Chauvin serviu ardorosamente nas campanhas napoleónicas e, depois da derrota final dos seu ídolo, em Waterloo, regressou a França graduado em sargento e inaugurou o culto do chauvinismo, ou seja, "França primeiro", "França é o melhor do mundo", fenómeno psicossocial semelhante ao sebastianismo português pós Alcácer Quibir. Todos conhecemos movimentos do mesmo cariz que ocorreram na Alemanha, Itália e Rússia, após derrotas catastróficas. Os chauvinismos são pois movimentos populistas compensatórios dos grandes traumas políticos que um qualquer país sofreu. Servem para manter ou reforçar o amor próprio patriótico, ingrediente essencial da nação: O que aconteceria a uma nação que deixasse de se amar a si própria? Lamentável é que para um povo se amar a si próprio seja necessário que "desame" os outros e desacredite a suas próprias elites. Todos estes populismos tem uma característica comum: o propósito de desmontar a elite estabelecida.


O surpreendente no trumpismo -
America great again; America first - é que se impôs sem derrota prévia. Os EUA não terão já a superioridade que detinham no final da II Guerra Mundial, não serão omnipotentes nem invulneráveis, mas continuam hegemónicos. Talvez isto tenha acontecido porque na América o populismo existe em latência desde a Fundação da União. Poderemos até admitir que a Revolução Americana foi um processo de apropriação por parte de uma elite de um impulso caótico genuinamente popular. Ao longo da História americana, os dois partidos souberam sequestrar as sucessivas explosões de sentimentos populares; desta feita porém foi uma pessoa isolada que captou o sentimento e sequestrou um Partido.


O populismo-trumpista actual resultaria da adição de uma frustração de cariz marcadamente socioeconómico. O Povo deu-se conta que as elites o ignorava e começou a organizar-se. Mas Trump não é povo, Está muito longe de ser outro Nicolas Chauvin ou outro Bandarra. Será talvez outro elitista a tentar domesticar um forte impulso popular que poderia gerar o caos.

 

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Luís Soares de Oliveira

FRONTEIRAS E NAÇÕES

 

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Lá compareci na Faculdade de Letras da UL - estupendo edifício escolar salazarino (o tal período em que "nada de bom aconteceu ") que eu não conhecia - em obediência ao convite para participar na sessão comemorativa do 150 anos do TRATADO DOS LIMITES ENTRE PORTUGAL E ESPANHA DE 1864. Ouvi vários oradores que relataram as suas descobertas históricas em matéria fronteiriça, entre eles, o Prof. Doutor Hermenegildo Fernandes, Director do Centro de História da dita Faculdade, o qual, embora falando sobre um período histórico anterior ao Tratado, disse algo que me pareceu altamente esclarecedor. Segundo ele, um dos critérios a que obedeceu o traçado da fronteira estabelecido no Tratado de Badajoz de 16 de Fevereiro de 1267, celebrado pelos Reis de Portugal e de Leão (Espanha ainda não tinha sido inventada), e que definiu quase toda a fronteira como ele se encontra hoje, foi o respeito pelos marcos dos castelos dos senhores feudais suseranos de um e outro Rei e os termos das dioceses criadas pela Igreja, ou seja, o respeito pela autoridade estabelecida. Aqui temos o uti possidetis característico da ordem pontifícia, a Pax Christiana, na sua pura forma. (Em termos correntes, o princípio estabelecia que "já que conseguiste estabelecer aí o teu domínio, fica teu e a ti cabe manter aí a ordem").

 

E isto ajuda a compreender mais um dilema histórico do tipo ovo/galinha. No caso, trata-se de saber se foi a nação que fez a fronteira ou foi a fronteira que fez a nação.

 

Temos vários exemplos históricos. A nação judaica sobreviveu apesar da perda do território e suas fronteiras (a religião unia-os); os Vikings escandinavos já eram nação muito antes de fixarem fronteiras (o frio e o sangue unia-os), mas na Península ibérica (mais ainda do que no resto da Europa) antes da fronteira de Badajoz, a população compunha-se de uma salada de etnias e religiões. O que aqui fez a nação, o que nos deu homogeneidade e nos fez diferente dos espanhóis foi a fronteira, ou seja, o rei, seus suseranos e bispos e a religião destes. Antecipamos de quatro séculos o princípio Cujus regio, ejus religio, que viria a ser adoptado em Westefália, (início da paz laica) e isso permitiu-nos sossego interno enquanto os outros entre si se digladiavam.

 

Somos pois o produto de um processo top-down, (imposto de cima para baixo). E nos processos top-down, quando o topo fraqueja fica tudo estragado.

 

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Luís Soares de Oliveira

HUMOR DIPLOMÁTICO

 

 

Quem se fia na electrónica corre o risco de contar com meios que por vezes falham acabando por se desiludir com os progressos do que all we take for granted.

 

 

Foi o caso do Luís Soares de Oliveira, Embaixador, que me enviou várias vezes a mesma mensagem porque o sistema o avisava de que a mensagem não tinha seguido. E quando lhe fiz saber que já tinha recebido a dita mensagem, logo disse que a insistência lhe fazia lembrar uma conhecida cena da nossa História Diplomática.

 

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O Rei D. Carlos recusara o pedido de agrément a Porras y Porras (apelido de uma distinta família espanhola) que o Rei Alfonso XIII de Espanha queria acreditar como Embaixador em Lisboa e o Conde de Arnoso, secretário de D. Carlos, perguntando se a recusa era por causa do nome, o rei respondeu: - Não é o nome, é a insistência.

 

 

Já conhecendo a passagem que sempre considerei admirável, respondi ao Luís Soares de Oliveira que: Essa do D. Carlos é famosa e vale bem uma divulgação para que outros conheçam o espírito de humor do Rei. Ele poderia ter muitos defeitos – em que o principal era ser monárquico – mas tinha muitas qualidades que merecem realce.

 

 

Logo na volta do correio e sem repetições, responde o meu ilustre interlocutor: «Quanto ao D. Carlos ser monárquico, tenho dúvidas. Uma vez que assistia no Teatro D. Maria à estreia de uma peça de D. João da Câmara, propôs condecorá-lo ao que o dramaturgo respondeu: - Não posso aceitar pois sou republicano. Ao que D. Carlos respondeu: - Aí está uma posição em que o meu cargo me impede de o apoiar

 

 

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  Henrique Salles da Fonseca

JOGO DE CADEIRAS

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Da esquerda para a direita: Mendes Cabeçadas, Oliveira Salazar, Mendes dos Remédios, Manuel Rodrigues e Vicente de Freitas

 

Já ninguém se lembra ou sabe disso, mas há 90 anos teve início um jogo de cadeiras que iria decidir o futuro da Nação para o próximo meio século. Em 28 de Maio o marechal Gomes da Costa, (que tinha comandado o Corpo Expedicionário do Exército português, em França, durante a I Guerra Mundial) envergou a sua farda e "com o incondicional apoio da oficialidade do Exército e cinco milreis no bolso", iniciou em Braga uma marcha sobre Lisboa - que efectuou de comboio - e, aqui chegado, depôs o Governo em exercício, encerrou o Parlamento e aprisionou Bernardino Machado, Presidente da moribunda República.

 

No caminho, em Santarém, o marechal pactuara com o comandante (mais tarde almirante) Mendes Cabeçadas, figura que inspirava confiança aos círculos afectos à Maçonaria, a quem convidou para formar governo. Entretanto enviou mensageiros a Coimbra para convidar 3 professores ligados ao Centro da Democracia Cristã a participar no novo Governo: Mendes dos Remédios (Educação), Manuel Rodrigues (Justiça) e Oliveira Salazar (Finanças).

 

A foto junta (que encontrei no arquivo pessoal de meu pai, oficial de Marinha que serviu sob as ordens de Mendes Cabeçadas) documenta a conversa no Palácio da Ajuda, em 4 de Junho, entre os professores e o comandante Cabeçadas (de costas, em conversa com Salazar). Note-se que as botas eram de rigor.

 

Foi aqui e então que começou o jogo do empurra: Salazar não chegou a acordo com Cabeçadas e voltou para Coimbra, onde Mendes dos Remédios o iria repescar em 10 de Junho. Foi pois o último a entrar. Cabeçadas foi o primeiro a saltar fora, convidado a sair por Gomes da Costa "a pedido dos jovens tenentes do Exército".

 

Isto aconteceu em 17 de Junho. Só então Salazar tornou publica a sua adesão. A segunda vítima foi o próprio marechal deposto pelos mesmos tenentes em 9 de Julho seguinte. Este foi exilado para os Açores. No seguimento, o General Carmona, então Ministro dos Estrangeiros, assumiu a Presidência que conservaria até à sua morte (1951).

 

O novo Presidente fez constar que não prescindia da presença de Oliveira Salazar no governo. Salazar foi deposto por doença em 27 de Setembro de 1968.

 

Verificou-se pois que o último a entrar – o que não mostrou pressa - foi o que durou mais tempo.

 

28 de Maio de 2016

 

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Luís Soares de Oliveira

SOCIEDADES ORGANIZADAS

 

 

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Há dias, estava um lindo dia de Sol, encontrei o sueco dono do Ming, pug chinês amigo do meu labrador e, para puxar conversa, disse-lhe: "Hoje, com este lindo Sol, não tem saudades da Suécia?". Ele respondeu. "Não, não foi por causa do clima que saí da Suécia. Saí de lá porque aquilo é uma sociedade altamente organizada e o meu amigo nem imagina o que é a chatice de viver numa sociedade organizada. Está tudo programado e se não acertas o passo cai-te o céu em cima. Toda a espontaneidade é ali pecado castigado sem piedade. Esta é a verdadeira razão que me fez trocar de residência".
E nós, a suspirar por sociedades organizadas...

Luís Soares de Oliveira.jpg Luís Soares de Oliveira

DA ARTE DO MANDO

 

Prefácio ao Livro de Memórias de um capitão que fez heróis

 

Ricardo Durao.jpg Ricardo Ferreira Durão, tenente-general do Exército Português reformado, já era um narrador com ampla e fiel audiência quando o conheci no Colégio Militar, há setenta e cinco anos. Aos Domingos, após o toque de recolher, reuníamo-nos a um canto da camarata para o ouvir contar o filme que tinha visto durante a saída semanal. Por vezes, a ida ao cinema não passara de intenção, mas isso nunca o impediu de nos contar o filme. Uma coisa era certa: fundamentada ou não, a narrativa do Ricardo era sempre mais empolgante do que o próprio filme. Só muito mais tarde percebi que ele não fazia isso para formar séquito; fazia-o para nos animar. Instintivamente sabia que os privados de saída por mau comportamento ou os que tinham saído mas não dispunham de posses para ir ao cinema precisavam de um anti depressivo para aguentarem mais uma semana da exigente e monótona rotina do CM, daquele tempo. Ele intuíra que professores e oficiais faziam a rotina mas quem fazia o Colégio era a "malta": quando a adversidade é dura – senão mesmo violenta –, a resposta está no grupo, na solidariedade. Esta intuição teria importantes consequências na sua futura carreira militar e até incidências na História pátria.

 

Neste seu livro de memórias (o segundo que publica), Ricardo tornou-se avaro no reconto; deu precedência à historiografia e encostou-se à cronologia. O seu estilo pessoal transparece contudo nas poucas descrições que faz. O autor parece aqui mais empenhado em fundamentar e documentar a fama que o segue. Fornece-nos amplas provas documentais, registos oficiais e oficiosos, testemunhos alheios escritos e opiniões gravadas emitidas por gente de reconhecida autoridade. Dir-se-ia que desta feita Ricardo Durão sentiu a necessidade de provar que viu o filme e, mais do que isso, fez parte do mesmo. E fez.

 

Não espere pois o leitor entretenimento. E, se bem que aqui sejam referidos factos de inegável relevância para compreensão do período histórico português que medeia entre a guerra colonial e o restabelecimento do parlamentarismo, não espere também análise dos mesmos. Ricardo afirma-se (diria melhor confirma-se) um carismático e carismático não analisa; vive as coisas e não aceita discussões; entende que a distinção entre bem e mal não resulta de qualquer contrato social mas, sim, de um processo natural que partindo de si, orienta a família e é partilhado pela sociedade e pelo Estado. Ricardo Durão disse-me um dia – já lá vão largos anos – que jamais precisou de ler regulamentos; seguiu sempre a sua intuição e nunca foi desautorizado. Lembro-me que, na altura, eu senti um rebate: a observação do meu companheiro de colégio tocara-me muito mais do que eu poderia esperar. Tinha atingido o cerne da mentalidade dos "meninos da Luz", ou seja, a divindade do estático estabelecido, a aceitação do que existe, do que é e como é. Era assim naquele tempo. No CM, ninguém nos fez ler e, menos ainda, meditar Darwin. Disseram-nos que o triunfo era do mais forte, quando, afinal, se tratava de mudança permanente e da capacidade de adaptação à mesma. E, por via desta distorção, por nós devidamente assimilada, quando Paris acordou o mundo no Maio de 1968, eu senti-me perdido, totalmente baralhado. Fiquei sem Norte, passei a caminhar pelo desconhecido, quedei-me falho de sentido e tacto ou, como diria o poeta, sem saber "para que serve qualquer facto". Chegara eu, então e enfim, à tragédia do Eppur si muove. Daí para diante, tive de recorrer à análise casuística. A História continuou a servir-me de muleta mas nunca mais recuperei a paz de espírito.

 

Ele nunca perdeu a dele. Para Ricardo Durão nada significativo mudou no mundo, desde que é mundo. Sabe que, de quando em vez, alguém vira o disco; a música contudo é sempre a mesma. Nada o abalou. Do ponto de vista militar, esta impermeabilidade mental é funcional e ela ajuda também a explicar o assinalável êxito obtido pelo capitão Ricardo Durão nas suas missões de combate em África. Comunicava facilmente com os soldados porque, como eles, tinha por certo o saber do vulgo e, mais conscientemente do que eles, aceitava que a História – e nunca a Razão – é mãe de toda a sabedoria; só a experiência nos permite conhecer as verdades essenciais.

 

***

 

Relações do tipo mando/obediência, hierarquia/grupo, repressão/sedução têm – tanto no domínio social como no militar – longo historial. No caso militar, tais relações assumem cunho dramático uma vez que a obediência significa, em última análise, preparação para a morte prematura. A propedêutica militar reconhece que quem combate é o soldado mas quem faz o bom soldado é o oficial. Ao oficial cabe disciplinar a vontade natural incontrolada de cada um e conduzi-la à aceitação de um princípio universal propício à acção colectiva. Esta questão sempre me perturbou. Como é possível induzir um ser pensante, dono de vontade própria e dotado de instinto de sobrevivência a comportar-se de forma tão avessa à sua natureza. Ciência não é pois não há concordância definitiva quanto ao procedimento a seguir pelo oficial para fazer com que o soldado aceite tal condição. O mando é e continua a ser uma arte. O artista recorre a vários instrumentos: à moral, à repressão (violenta se necessário), à camaradagem, à cumplicidade, por vezes até ao carinho para se fazer amado, etc., a seu critério. A escolha depende da inclinação pessoal de cada um.

 

Para suprimir o julgamento individual, a ética é útil. Quando o fervor moral inspira o homem este tende a considerar a livre iniciativa como imoral. Mas a ética tem endereço: o que é valor aqui, não é ali. Consciente disso, Júlio César entendia que mais do que moralizar seria preciso surpreender constantemente os soldados para conseguir que eles deixassem de confiar no seu julgamento próprio. Só lhes comunicava os objectivos mesmo em cima do momento da execução e fazia gosto em alterar os mesmos, caso os soldados deles se tivessem apercebido antecipadamente. Assim, acostumava-os a obedecer, sem se intrometerem nos desígnios do seu capitão. Independentemente desta desorientação proposital, recorria à cumplicidade. Nas suas exortações, tratava os soldados por companheiros e só castigava a cobardia e a desobediência. Outros vícios eram tolerados ou esquecidos. Partilhava mais facilmente o imoral do que o moral. Outros grandes generais seguir-lhe-iam o exemplo: o saque e o estupro serviram frequentemente de estímulo.

 

Os medievos introduziram o conceito de honra, artifício destinado a reforçar a moral como instrumento motivador de obediência. O conceito porém não se conseguiu impor ao tempo e ao modo. O que é a honra para cada um? Depreende-se da cultura primitiva que honra, reputação e poder andavam juntos. Honra era uma demonstração de poder. Para os medievais, consistia em morrer combatendo o infiel. “Vá-se o homem, fique a fama”. Para Lancelote, cavaleiro da Távola Redonda, honra era matar quem quer que dissesse que ele era amante de Guinevere, mulher do Rei Artur. A verdade, no caso, não interessava. No absolutismo, honra era a capacidade de infligir sofrimento. Cristóvão Colombo mandou desfilar nua pela ilha de São Domingos uma senhora espanhola que o insultou. D. José I de Portugal lavou a sua honra infligindo um sacrifício desumano aos Távoras. Algo idêntico fez Francisco Franco quando capitão do Tércio (Legião Estrangeira espanhola). Assistia ao rancho e apercebeu-se que um soldado imitava a sua voz de falsete. Puxou da pistola que trazia à cinta e imediatamente matou o soldado. Limpou a sua honra e simultaneamente enunciou um programa de acção política que viria a concretizar. Napoleão chamava aos campos de batalha campos da honra e criou a Legião de Honra, porque "estes cordões fazem heróis". Era a época romântica. Cedo porém os homens abandonaram o desprendimento material e cansaram-se de lutar pela glória de um epitáfio. O heróico cedeu a vez ao administrativo. Para os vitorianos britânicos, honra era o trabalho duro e honesto, o jogo limpo, a defesa dos fracos e incapacitados e o império. Estavam preparados para lutar pelo país, mas preferiam dividir os potenciais adversários e evitar a agressão física. Ser honrado para o árabe é ser leal à tribo, à seita religiosa e sobretudo ao Islão, como entendido pela sua gente. Para o português, honra foi sempre dizer a última palavra, ainda que disparatada. No seu todo, a honra produziu o divórcio entre patrícios e a plebe donde brota o soldado. Como tal, esgotou-se.

 

Ganhou então curso a escola disciplinadora repressiva. Note-se que já os Romanos tinham por máxima que o soldado deve temer o seu comandante mais do que o inimigo. O grande Turenne, marechal de França de Luís XIV, entendia que seria preciso viver com o soldado. Mas já o seu rival Condé foi de opinião que o soldado deve ser humilhado ao ponto de se tornar incapaz de contestar a superioridade do seu comandante. Humilhado, ele procurará sair de si e fa-lo-á mediante enquadramento rigoroso e global num quadro hierárquico. Já a escola prussiana do tempo de Frederico, o Grande, inventou a ordem unida como forma de privar o soldado de pensamento próprio. Aos recrutas recém-chegados eram dadas constantemente ordens curtas e rápidas, com berros guturais e duros que soavam como chicotes. E neste procedimento nada de imoral havia. Pelo contrário; para os formuladores do pensamento alemão, a ética é a obediência. O cidadão – qualquer que seja a sua posição na hierarquia – não tem direitos; tem deveres. Mais tarde, os nazis adicionaram a vigilância. Os soldados eram constantemente vigiados, de preferência pelos seus próprios camaradas. Se já não podiam pensar agora também não podiam confiar. Restava-lhes apenas cumprir. O general Batov, do Exército Vermelho, preferia a crueldade para chegar ao mesmo propósito: -”Se houver um pântano com água até ao peito, é preciso treinar no pântano; se houver uma sarjeta, então deitem-nos na sarjeta”. O próprio Lenine receitava a violência. "É preciso malhar em cima das cabeças; malhar impiedosamente, embora, por ideal, nos tenhamos oposto a qualquer violência. Mas há que reconhecer que a violência é indispensável. Só com violência se altera o curso da história".

 

O século XX materializou uma novidade: a ideologia como substituto da Moral e da Religião. A ideologia surgiu quando a Religião começou a perder força como princípio organizador da sociedade. Anunciava-se o triunfo da Razão numa idade de crescente secularismo. Sendo a ideologia por natureza tão redutora como a Religião, estaria sempre em contradição com pluralismo. Entendia Sartre que "debaixo de um regime ideológico totalitário, as ideias transcendentes da moral desaparecem. O diálogo interior [o pensamento] extingue-se. O militante renuncia a todas as suas qualidades pessoais. Colocado num quadro que não se preocupa com essas cousas, o pensamento, a moral e a própria vontade evaporam-se". A realidade porém ultrapassou a expectativa: a ideologia divide mais do que unifica. O espírito crítico uma vez despertado não se apaga. Como tal, a ideologia não serve a qualquer propósito militar; pelo contrário. A Guerra Civil de Espanha forneceu claro exemplo desta realidade. Avisados, os dirigentes soviéticos quando tiveram que mobilizar o povo para enfrentar o desafio da Alemanha hitleriana, descartaram imediatamente a ideologia e apelaram para o patriotismo, como nos narra Vassily Grossman na sua descrição da Grande Guerra Patriótica que exigiu o sacrifício de dezenas de milhões de jovens. O saber vulgar não abrange reflexões sociais mas previne que só mediante cooperação de todos será possível a cada um defender o seu chão e a sua família. Esta sabedoria do povo – mais ainda do que a geografia e o clima – permitiu aos russos vencerem uma exército invasor muito mais e mais bem equipado do que o seu.    

 

O estilo do capitão Ricardo Durão distinguiu-se de qualquer destes modelos mas foi buscar algo a quase todos. A moral carismática ajudou-o. Aquele que está convencido da justeza e transcendência da missão que lhe foi confiada transmite facilmente este sentimento aos seus subordinados. Estes, por seu turno, certos e seguros dessa justeza, serão capazes de produzir actos heróicos sem se aperceberem disso. Durão entendia que ser companheiro vale mais do que ser disciplinador. O mando deve servir para tornar grandes os mandados e não para os humilhar, para os lançar no desespero, no rancor, na inveja; deve fazê-los mais livres, libertando-os de raivas. Preocupava-se com os soldados, animava-os e, se necessário, divertia-os. A preocupação também significava conferir: Tens cartuchos? manejas bem a tua arma ? Sabes o que fazer em caso de cilada? Tens protecção contra o sol e repelente de mosquitos? Etc. Os praças vinham ter com ele e traziam-lhe tanto as boas como as más notícias que recebiam de suas casas. Sempre que apropriado, louvava os seus homens, falava e escrevia sobre eles. Contudo, punia os negligentes. Nunca ignorou o mais pequeno sinal de desleixo, nem que fosse um botão em falta no uniforme ou alguém que tossia numa missão de reconhecimento ou ainda um distraído que praguejasse em pleno mato. E assim aconteceu que os soldados da Companhia 122 adoravam o seu capitão. Mas mais, Durão, graças aos hábitos criados no desporto de alta competição, aproveitava os intervalos entre acções para aperfeiçoar a preparação colectiva. Atingida a competência em combate e passou á excelência. Sabia como proteger os seus homens debaixo do fogo inimigo, deu provas disso e a confiança no chefe não cessou de crescer. Sobretudo, soube privilegiar o grupo, experiência adquirida no CM. Como disse Sigmund Freud, "o grupo fornece a certeza, elimina a dúvida quanto ao erro. É intolerante para como os outros mas obediente à sua autoridade interna. Sob a influência de sugestão, o grupo pode produzir abnegação e devoção a um ideal. No indivíduo isolado, os interesses particulares são a única força; no grupo, os interesses raras vezes são proeminentes. Enquanto a capacidade intelectual do grupo está abaixo da do indivíduo, o grupo pode produzir padrões de ética comportamental muito superiores aos do indivíduo. A mente do grupo identifica-se mais facilmente com a mente primitiva e manifesta-se nos tabus que cercam as palavras. Quanto mais identificado mais coeso". Não sei se Ricardo tinha lido este trecho do fundador da psicanálise, mas, uma vez mais, não precisou de ler. Ele sabia por intuição que era assim mesmo.

 

A competência táctica, o grupo, a confiança e o pensamento carismático foram pois os instrumentos de que Ricardo Durão se serviu para formar um escol de soldados que praticaram feitos heróicos e levaram a cabo missões difíceis ao serviço da República Portuguesa. Para quem tenha dúvidas nesta matéria, recomendo que passe imediatamente à página 55 e leia, a partir daí, a saga da Companhia 122 em Angola.

 

***

 

Repetiu-se no Ultramar português o fenómeno que historiadores militares já haviam registado noutras latitudes e noutros conflitos armados. "Na guerra, dá-se uma cisão: na Frente é tudo pureza e abnegação, os homens preparam-se para morrer; na Retaguarda mantém-se o vício, os homens esforçam-se para viver. O breve trecho, Frente e Retaguarda desentendem-se e caminham para a incompatibilidade. Na Frente só há dois modos: a euforia quando se acredita que o inimigo será vencido e a mais profunda depressão quando se constata que o inimigo não poderá ser vencido. Quando a Frente está eufórica obedece à Retaguarda. No momento porém em que a depressão se instala, a Frente vira-se contra os seus amos: - os que sofrem vingam-se dos que lhes impuseram o sofrimento".

 

E assim foi.

 

Estoril, 11 de Outubro de 2015,

Luís Soares de Oliveira.jpg Luís Soares de Oliveira

"RAGTIME" de E.L. Doctorow

E. L. Doctorow.jpg E.L. Doctorow sentia a necessidade imperiosa de  escrever mas não sabia sobre o quê. Diante de si quedava-se uma parede vazia. Começou a escrever sobre a parede vazia. Depois ligou a parede à casa construída em 1900 e depois à rua onde se situava e posteriormente à vila de New Rochelle,  que a abrangia e, por fim, à época em que a casa foi construída.

 

Lembrou-se de uma greve da indústria têxtil que ali acontecera por esses tempos e que se tornou  violenta a ponto de fazer jorrar muito sangue. Isto tudo se passava enquanto Scott Jopllin produzia a maravilha musical, um estilo sincopado a que chamaram ragtime do que resultou que um pianista negro seguidor de Jopllin  e que enriqueceu como concertista no Harlem, N.Y,  comprasse um dos primeiros Ford T produzidos por Henry Ford que seria vandalizado num gesto de raiva dos bombeiros de New Rochelle que, ao tempo, ainda acorriam aos  incêndios com carros puxados por cavalos.

 

Assim foi que Doctorow, especialista em escrever biografias de pessoas que nunca existiram, imaginou uma família daquele tempo que teria habitado a casa onde ele agora residia e sofrera  tais dramas. Posto isto, a sua prosa começou a fluir como água na bica da fonte. Afinal havia muito para contar e  Doctorow acabou por produzir um clássico da literatura americana: o Ragtime.

 

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No livro  inova  na medida em que combina ficção com história e traz  as figuras que dominaram a época e tornaram irreversível o século americano. Põe em cena os "baron robbers" do tempo, o grande financeiro J. P. Morgan, que ao liberalismo de Adam Smith opôs o monopolismo - "a melhor maneira de lidar com a concorrência é comprá-la"; os Carnegies, os Fricks e os Rockefellers que seguiram os seus conselhos e criaram os gigantescos  trusts do tempo. Também nos fala de Henry Ford, personagem que Morgan, fervoroso adepto da Prisca Theologia, considerava providencial, promotor de viragem irreversível na marcha do progresso humano por ter conseguido "mostrar que os homens são permutáveis, tanto quanto as peças de qualquer máquina". E pelo meio, Doctorow mete Emma Goldman, a filósofa anarquista e Harry Houdini, o mágico que ninguém conseguiu prender ou imobilizar e ainda o obscuro  criador dos bonecos animados.

 

E assim, lança-nos num mundo fascinante, no caldeirão onde se criou o capitalismo dito "liberal" que haveria de trazer tanto progresso a par com tanto sofrimento à humanidade, no decurso do século XX... 

 

Setembro de 2015

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Luís Soares de Oliveira

QUESTÃO ALEMÃ

 

Teresa de Sousa no seu Comentário - como sempre  brilhante - no PUBLICO de hoje, pergunta "Como conter o poder alemão?" Procurando ajudar a encontrar solução relembro algumas das propostas  históricas  para resolução deste problema, flagelo europeu há mais de XX séculos

  • Júlio César.png Júlio César - Cerco militar combinado com frequentes expedições punitivas. Duração da validade do modelo: 6 séculos. Em 445, as tribos germânicas dos Vândalos, originários da Magna Germania atravessaram o Danúbio  e saquearam Roma. Mais tarde atravessaram o Reno e em 498 acabaram com o Império Romano Ocidental.

  • Cardinal_Richelieu.jpg Richelieu  - Paz de Westefália (1648). Divisão interna da Alemanha em principados, reinos, grã-ducados e  eleitorados. O regime vigorou durante 2 séculos. No ínterim, conheceu algumas variantes. Sob Luís XV - Choiseul a França uniu-se à Prússia contra a Áustria e depois à Áustria contra Prússia (1740/1748). Napoleão optou outra vez pela guerra à Áustria assim abriu caminho ao triunfo do prussianismo. A Guerra franco-prussiana de 1870 viria a pôr fim definitivo ao regime de Richelieu.

    • Delcassé.png Delcassé - Triplice Aliança. Tratado com a Rússia (1893) reforçada pela Entente Cordiale com Inglaterra (1904). Provocou a I Guerra Mundial (1914-18).

      • Chamberlain.png Chamberlain - Appeasement (1937). Levou á invasão e repartição germano-russa da Polónia, em 1939.

      • Islão-Churchill.png Churchill - Aliança com os EUA. (Carta do Atlântico, 1941). Ajudou a vencer militarmente a Alemanha (1945
      • Stalin 1943.jpg Estaline - Esmagamento pela força (1941-45). Acabou com o nazismo e com o prussianismo.

      • Truman.png Truman - divisão territorial e ocupação militar. (Potsdam, 1945). Em 1953, os aliados atlânticos perdoaram as dívidas de guerra alemãs e, em 1955, a Alemanha Ocidental foi integrada na NATO. Embora nunca tenha sido celebrado qualquer  tratado de Paz, o regime instituído em Potsdam foi considerado extinto em 3 de Outubro de 1990.

Como se vê, modelos não faltam.

***

Para entender melhor esta questão na sua forma presente precisamos ter consciência de que, para os alemães de hoje, assumir o comando da Europa não é ambição e é visto como obrigação. Não se trata do non ducor ou do duco. Tratar-se-ia sim da obrigação de conduzir o rebanho que cabe ao membro do grupo mais  preparado. 

 

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Luís Soares de Oliveira

SIMPLESMENTE GENTE

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Do longo e excelente artigo de Luís Soares de Oliveira «CAMINHO DA INFELICITAÇÃO – VI – Viagem a fases pretéritas do nosso (de)crescimento económico em companhia do Prof. José da Silva Lopes - , que, como o título indica, para além da bela homenagem às qualidades de Silva Lotes, morto em Abril de 2015, expõe o seu pensamento acerca do percurso da política económica portuguesa, de Salazar aos tempos que vivemos, passando por Álvaro Cunhal, Mário Soares e tantos mais que nos fizeram chegar ao ponto em que estamos, sem esperança de modificação visível – transcrevo o seguinte passo tão grave da nossa posição de seres que nasceram com este estigma de atraso nunca ultrapassado, e para sempre incontornável, não direi para “crescer” apenas, mas até só para “ser”:

Acresce que as nossas condições estruturais para crescer são assustadoras. Com destaque para o problema da educação. Apenas 20% da população activa tem o 12.º ano de escolaridade. O normal na Europa é 80%. Temos um abandono escolar até ao 12.º ano superior a 40%. Mesmo que se faça alguma coisa, que não se está a fazer, daqui a 30 anos estaremos com uma qualificação da mão-de-obra inferior à média europeia de agora. Assim não podemos pensar em ter o mesmo crescimento económico que o resto da Europa. É completamente impossível. E o que mais me revolta quando falo de educação é que as pessoas em Portugal sabem isto e não há capacidade para fazer seja o que for. Anda-se a fingir que se faz reformas educativas. Temos também o problema da Justiça. Talvez custe 2% ou 3% do PIB em custos de ineficiência".

 

Foi a consciência que sempre tivemos desde que nos conhecemos – a deste atraso, por tantos descrito ao longo dos tempos, e que nem as boas vontades desses tantos que se esforçaram e esforçam para nos elucidar, conseguem fazer reverter o carisma vilipendioso da inferioridade que se nos colou às consciências e que nos persegue, quer em espectáculos de estridência verbal inconcebível, como um de dança na TVI, de uma apresentadora tolamente indiscreta, quer nesta imposição de um AO pelos “vendilhões do templo”, quer na fealdade de um povo desdentado e primitivo ainda, quer….

 

E o que mais me revolta quando falo de educação é que as pessoas em Portugal sabem isto e não há capacidade para fazer seja o que for.

 

Anda-se a fingir que se faz

 

O maravilhoso domínio de apresentação de Michel Drucker no seu espectáculo de France 2, “Le Grand Show”, com orquestra e gente que canta bem e traz as canções do passado, prestando homenagem aos velhos cantores, nas músicas e letras cheias de emoção e arte e mensagem e encanto, gente que sabe falar com simpatia e desenvoltura educada… Não há comparação.

 

Simplesmente gente.

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

CAMINHO DA INFELICITAÇÃO – VI

 

Viagem a fases pretéritas do nosso

(de)crescimento económico

em companhia do

Prof. José da Silva Lopes

 

LESO-José Silva Lopes.jpg

 

No século XXI (Silva Lopes já reformado), a conjuntura político-económica piorou consideravelmente. A «elite» europeísta descobriu o maná do betão e conseguiu fazer de Portugal o único país do mundo que tem mais quilómetros de auto-estrada do que de via-férrea. Tudo feito à base do endividamento. A divida externa atingiu o nível estratosférico de 220% do PIB e a soberana portuguesa foi classificada lixo pelas agências de rating.

 

Terminadas as obras, o índice de desemprego continuou a subir. Caímos de novo sob a pata do FMI (agora troika) que agora nos tratou com crueldade. Conseguiram os novos controladores externos pôr a careca à mostra a alguns dos prevaricadores internos, mas não conseguiram (ainda) estancar o crescimento da divida externa, dar solução ao desemprego, nem melhorar o nível salarial e respeitar as pensões de reforma.

 

Interrogado na sua última entrevista (Dezembro, 2004) Silva Lopes disse: "A situação tem-se degradado nos últimos dez anos. E aqui já entra o meu pessimismo. O nosso crescimento económico tornou-se progressivamente mais fraco. E desde 2001 está abaixo da média europeia. Estamos a divergir da Europa. Pode dizer-se que é uma flutuação cíclica, que vamos sair da crise. Mas acho que é mais do que isso. À escala europeia as perspectivas também não são brilhantes. O mundo tem um fenómeno novo: a China e a Índia. Os europeus avançados podem refugiar-se em indústrias de ponta ou em produtos e marcas reconhecidas mundialmente. Os chineses ainda vão demorar algum tempo a chegar lá. Mas já chegaram a onde nós estamos: vestuário, calçado, plásticos. Acresce que as nossas condições estruturais para crescer são assustadoras. Com destaque para o problema da educação. Apenas 20% da população activa tem o 12.º ano de escolaridade. O normal na Europa é 80%. Temos um abandono escolar até ao 12.º ano superior a 40%. Mesmo que se faça alguma coisa, que não se está a fazer, daqui a 30 anos estaremos com uma qualificação da mão-de-obra inferior à média europeia de agora. Assim não podemos pensar em ter o mesmo crescimento económico que o resto da Europa. É completamente impossível. E o que mais me revolta quando falo de educação é que as pessoas em Portugal sabem isto e não há capacidade para fazer seja o que for. Anda-se a fingir que se faz reformas educativas. Temos também o problema da Justiça. Talvez custe 2% ou 3% do PIB em custos de ineficiência".

 

***

 

Já agora, se me é permitido adicionar curto comentário, diria que as deficiências que a nossa economia revelou ao longo deste meio século – e ditaram o seu declínio acelerado a partir dos anos 70 – são irmãs: têm todas a mesma mãe e esta é a falta de confiança, pressuposto básico da economia de mercado na qual temos que nos inserir. Enquanto não conseguirmos criar confiança entre nós e as nossas instituições, a começar pelas políticas, não privilegiarem a fidúcia e a autenticidade, continuaremos condenados a trilhar o caminho da infelicitação.

 

FIM

 

Estoril, 10 de Maio de 2015

 

Luís Soares de Oliveira.jpg

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