1 – A 17 olhámos para o “antes”. A 18 para o “durante”. A 19 vamos olhar para o “depois”. E o depois, com a agressão militar, não poderia ter sido outro.
Goa foi ocupada pelas forças da União Indiana. Com estas a atravessarem o rio Mandovi e a entrarem em Pangim, capital de Goa, com jactos indianos a sobrevoarem a cidade. E no hospital de Pangim, o comandante do aviso «Afonso de Albuquerque» gravemente ferido, depois de sustentar luta feroz, mas desigual, contra um cruzador e dois contratorpedeiros da marinha indiana na baía de Mormugão.
2 – Nas Nações Unidas, o delegado francês Armand Berard, referiu a sua “surpresa, pesar e profundo desgosto”, considerando que o acto em si era “caso típico de agressão militar”. O delegado americano Adlai Stevenson, repudiando afirmações do delegado indiano, dizia que o problema não era discutir as vantagens ou inconvenientes do colonialismo português: o problema, sim, era um Estado membro da ONU ter violado a Carta recorrendo ao uso da força. E acrescentou o delegado americano: “É possível que Goa e as suas dependências sejam colónias ou territórios não autónomos, mas o que eles não são é parcelas da União Indiana e em Direito Internacional, pertencem a Portugal”. E o Chanceler Adenauer, da República Federal Alemã (RFA), na sua mensagem de Natal dirigida ao povo alemão, diz que a força passou a governar e acrescentou: “Goa, província portuguesa que se valorizou pelas suas minas de ferro, foi conquistada à mão armada pela União Indiana que tem uma população de 400 milhões de habitantes”.
3 – Perante isto, foi apresentado um texto de moção Afro-Asiática, pelo Ceilão (Sri Lanka), Libéria e R.A.U. (República Árabe Unida – Egipto e Síria), em que pedia a Portugal para terminar a sua acção hostil contra a Índia e que os enclaves portugueses constituíam uma ameaça à paz e à segurança internacional. Está-se mesmo a ver que assim era. E como não era, recebeu 4 votos a favor contra 7 no Conselho de Segurança. E, assim sendo, estava em cima da mesa uma moção apresentada pelo bloco ocidental, que recebe 7 votos a favor e 4 contra. Face a esta votação favorável a Portugal, o delegado soviético carimbou-a com o veto. A URSS utilizava, com este, 99 vezes o veto, o que não permitia mais qualquer discussão. Logo, o Conselho de Segurança da ONU não podia discutir mais o assunto. É de acrescentar que a moção ocidental foi apresentada pelos Estados Unidos, Turquia, Inglaterra e França. A Turquia com os seus altos e baixos na ordem política nacional e internacional, merece depois disto, e ainda hoje, toda a compreensão e ajuda que possamos dar.
4 – E no seguimento da tomada de posição que anulava a moção ocidental, a Inglaterra, pela voz do MNE, Lord Home, e na Câmara dos Lordes, afirmava que tinha comunicado a Portugal que seria impossível empenhar-se em hostilidades contra a Índia. Mas, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o apoio inglês a Portugal foi nítido. E círculos de Nova Deli consideravam-no mesmo como «o mais critico acontecimento nas relações indo-britânicas desde 1947». Aliás, o PM Macmillan e o PM Nehru já andavam de candeia às avessas sobre o Mercado Comum Europeu, a acção das tropas indianas no Congo – Kinshasa e a projectada redução pela Inglaterra da imigração na Comunidade. E agora, Goa era mais uma acha para a fogueira nas relações bilaterais.
5 – E as notícias continuavam a chegar. Com um porta-voz indiano a referir que a última bolsa de resistência em Goa, o porto de Mormugão, tinha terminado e que o Governador-Geral português, general Vassalo e Silva, tinha sido aprisionado. Mas não era para admirar tudo ter acabado tão depressa. Porque entre tropas invasoras, outras preparadas para reforçar a invasão e reservistas para actuar em caso de necessidade, estaria um contingente estimado em 45 mil militares e 26 mil reservistas. E para se oporem a tão grande número de efectivos, o máximo que podíamos ter armado eram cerca de 4 mil homens. Assim, o Comandante Cunha de Aragão gravemente ferido e o Alferes Santiago de Carvalho e o Segundo-Tenente Oliveira e Carmo mortos em combate, deram mais que provas de grande resistência e heroísmo perante o adversário. E, é de referir, que o comandante-chefe das forças invasoras general Chowdhury visitou no campo de prisioneiros portugueses o general Vassalo e Silva, tendo-lhe manifestado admiração pela determinação das forças portuguesas em querer combater, visto que, até pelo armamento, não havia possibilidades de resistir por muito tempo. Testemunhou o acto o capitão Carlos Azeredo, como intérprete entre os dois, visto que Vassalo e Silva não dominava o inglês. Carlos Azeredo que, como general, foi depois Chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares.
Alferes Alberto Santiago de Carvalho
Segundo-Tenente Oliveira e Carmo
6 – Mas não podemos esquecer que para reforçar a guarnição de Timor onde tinha havido incidentes, retiraram-se tropas do Estado da Índia Portuguesa e quando a guerra em Angola rebentou, foi nova sangria de militares e material que dali saíram da mesma maneira. E quando havia exercícios militares das nossas tropas em Goa, verificava-se que as munições não saíam das armas como devia ser. E não tínhamos um único avião militar. As forças indianas tinham artilharia pesada contra a qual não havia possibilidades de enfrentar. No final dos finais, o general Vassalo e Silva, mais uns tantos oficiais, foram gravemente punidos e só com o 25 de Abril lhe foi feita (e a outros) alguma justiça. E na altura, face à atitude das autoridades militares e políticas, vários oficiais pediram para passar à situação de reserva, o que não lhes foi concedido.
7 – E nada mais nos restava que não fosse informar entidades e organizações políticas para tudo o que se tinha passado. Mais uma vez, Marcello Mathias era recebido pelo general De Gaulle. A OTAN (NATO) era informada pelo embaixador português na OTAN, Dr. Vasco Pereira da Cunha, sobre os acontecimentos em terras industânicas. O Chefe do Estado cancelava todas as audiências em Belém até ao final do ano e na entrevista concedida por Salazar ao jornal LE FIGARO, o jornalista Serge Groussard questionava: “Os portugueses mantêm uma alma de cruzados. Mas são cruzados sem armas”. Resposta pronta de AOS: “É sempre mais fácil encontrar armas do que cruzados. Por isso não abdico da esperança”.
8 – A imprensa internacional como o New York Herald Tribune diz que “a invasão de Goa faz dobrar os sinos pela ordem mundial e também pela organização internacional”. O New YorkTimes considera chocantes as declarações do embaixador indiano junto da ONU. O New YorkPost refere “uma auréola manchada em Nehru e no seu Ministro da Defesa Krishna Menon porque preferem lançar as armas contra Goa a enfrentar as forças chinesas nos Himalaias que já lhe ocuparam território infinitamente maior que o Estado da Índia Portuguesa”. A imprensa britânica, a começar pelo Daily Telegraph, comenta “que o Pandita Nehru deixou de ser o grande homem que foi até ontem”. O Daily Herald refere “que Nehru desperdiçou todo o prestígio a favor de um pedacinho de território”. Os diários madrilenos condenam a agressão. O Journal de Genève e a Gazette de Lausanne dizem “que Nehru ficou com a imagem enxovalhada”.
9 – Em Nova Iorque, o ministro da Defesa da Índia, Krishna Menon, questionado quando a Índia recuperaria os territórios que perdera em favor da China vermelha, referiu que o tentaria fazer sem recorrer à força. Pois… Porque seria?
10 – E não. Não se pense que o autor destes textos pensaria que o Ultramar Português não seria questionado algum dia e seria sempre português. Não. Os novos Brasis aconteceriam. Mas seria sempre melhor sem o sofrimento provocado a tantos. De um lado e de outro. Mas, por vezes, a aceleração dos tempos está ligada a muitos imponderáveis. E passados anos, “as mágoas” são ultrapassadas.
11 – E a agradecer ao Henrique Salles da Fonseca, camarada de armas há muitos e muitos anos na parcela do Índico, mais uma vez, o espaço que me dá. E a agradecer também que tenha publicado este pobre contributo, apenas como lembrança do que foi a História, a Geografia e a Política de Portugal.
Em 19.12.2016.
José Augusto da Fonseca
Apoio Documental Principal: IMPRENSA Nacional e Internacional – 1961
1 – São tantas este ano as datas redondas a lembrar em 2016. E nas redondas, umas, mostram-nos mais uma vez, que o hoje não é mais perigoso que o ontem. Outras, com altos e baixos, indicam que vamos percorrendo um caminho que nem sempre é fácil, mas, mesmo assim, vamos caminhando.
2 – Evoquemos o hoje e o agora. Porque olhando o Médio Oriente, vemos tragédias que não se podem repetir. Mas estas são sempre tragédias e apenas repetições noutros lugares de outras que se deram nesta nossa velha, obesa e gasta Europa. Este ano cumprimos os 80 anos do início da Guerra Civil de Espanha, os 70 da Guerra Civil da Grécia e os 60 da Insurreição na Hungria. E se ficamos siderados com a Síria e o Iraque, como ficaríamos perante todas as atrocidades verificadas na Espanha, na Grécia e na Hungria... E se não fosse o erro estratégico há 75 anos das chefias japonesas no ataque a Pearl Harbour e consequente entrada dos USA no segundo conflito mundial, como seria o desenrolar das operações militares aliadas na Frente Russa e na Frente Inglesa, com dois líderes que, apesar dos muitos defeitos, souberam resistir ao desânimo, à descrença e à derrota? Estaline o “georgiano soviético”, e Churchill o “bulldog inglês”.
3 – Por cá, nas manhãs de Abril, os 40 anos da Constituição da República, os 40 da primeira Eleição Presidencial e os 40 do Poder Local. E no entardecer definitivo do Estado Novo, lembrar os 90 anos do 28 de Maio, os 55 do início da Guerra do Ultramar (ou Colonial, ou de África, ou de Libertação), os 50 da Ponte Salazar (perdão, 25 de Abril) e, para que os mais novos não o esqueçam (e anda tudo tão esquecido), o princípio do fim do Império que nos restava. Porque o Brasil já tinha ido, por obra e graça de futuro rei português.
4 – E neste ano, lembrar que o Estado da Índia Portuguesa, conheceria um destino que sempre lhe estava destinado, mas não da forma como aconteceu. Certo. Tinha de ser assim? Quase apetece responder como o general Carlos Fabião, profundo conhecedor da Guiné-Bissau, a uma questão que lhe foi colocada: se me dissessem que a Guerra da Guiné estava perdida, eu diria que sim; mas se me dissessem que a Guerra da Guiné não estava perdida, também digo que não estava. Confusos? Julgo que não. Se a Índia tinha o problema de Goa, nós acrescentamos, que a China tinha o problema de Macau e, na altura, a Indonésia tinha o de Timor. E para Portugal e União Indiana poderia ser outra coisa (de outra forma, quero dizer).
5 – E não se percebe, ainda hoje, que a Índia, com um problema muito mais grave na Fronteira Indo-Chinesa onde tinha perdido cerca de 40 mil Km2 de território para as mãos do Exército Popular da China, podendo aí demonstrar todo o valor do Exército Indiano, vem demonstrar, afinal, que não está para tolerar um poder colonial, com um minúsculo corpo militar no EIP, sem Força Aérea, com forças navais residuais, praticamente só para fiscalização das águas territoriais. E com um total de 3 mil soldados, com armamento totalmente ultrapassado, no tempo e no modo.
E diga-se o que se disser, não se fez mais porque mais não se poderia fazer. E batemo-nos no tempo possível. Para além dele, o impossível não era justo. E o que não é justo, não pode ser cumprido.
6 – E tudo isto foi pena. De um lado e do outro dois Homens Carismáticos, duas lideranças, ambas fortes, que deveriam ter evitado este conflito. Uma das lideranças em autarcia, outra liderança em democracia. E ambas sabiam o que estava em jogo. Nehru sabia, porque sabia, que o Dr. Salazar não poderia ceder na Índia Portuguesa. Cedendo ali, a enxurrada levaria logo a seguir a casa africana pois cedência naquele lado implicaria cedência na Costa do Atlântico e do Índico.
7 – Nehru poderia ter seguido o modelo paciente chinês para com Portugal. Negociar, negociar sempre. Mesmo para além do limite. E sabendo, porque o sabia, que o Mundo estava a mudar (como hoje) e com ele mudaria um dia a situação da tutela portuguesa em Goa, Damão e Diu. E de homem político respeitado, que o era, tornou-se, de um momento para o outro, de “pacifista” para um vulgar “beligerante” tendo ficado mais enfraquecido, porque a sua beligerância foi fraca com os fortes e forte com os fracos cuja retaguarda estava a milhares de quilómetros de distância. Argumentou-se, depois, quase como desculpa, que foi empurrado pelo seu MD Krishna Menon, um radical no Governo indiano. Se o foi, então fraca era a sua liderança política e abalado ficou o seu prestígio como Homem de Estado.
8 – E passados 55 anos, vem à memória a nota oficiosa da Presidência do Conselho de Ministros: “Depois de nas últimas semanas ter realizado poderosa concentração de forças, a União Indiana iniciou hoje a agressão contra o Estado Português da Índia, segundo acaba de confirmar o governador-geral. Nos termos das instruções que haviam sido dadas, as forças armadas entraram em acção na defesa do território. O Governo confia em que todos saberão cumprir o seu dever”.
Estávamos então em 18 de Dezembro de 1961. Entre 30 mil a 40 mil homens do Exército Indiano, apoiados pela Força Aérea e Marinha, atacavam territórios que tinham apenas forças para pouco mais do que para olhar pela paz social dos mesmos.
9 – Com uma tão grande desproporção de forças, nada mais nos restava que um ou dois dias de resistência. Pouco mais poderia ser feito. Salazar, anos antes, não tinha aceitado a sugestão do seu amigo Marcello Mathias. Faça-se um referendo. O resultado, desde que tudo feito como devia ser, iria mostrar ao Mundo o que os goeses queriam, dizia um. O outro, o timoneiro, nem mais uma palavra. Este, em 1959, insistia em discurso, que a situação que o País enfrentava era difícil, mas tínhamos de ter sempre presente uma palavra: AGUENTAR. Ou melhor. Na sede da União Nacional, em 23 de Maio de 1959, dizia: “Aguentar! Aguentar! E nada mais é preciso para que amaine a tempestade e se nos faça justiça”. Só que o Aguentar nesta data, iria ter um problema. Como dizia Franco Nogueira: tinham chegado a Washington os intelectuais de Harvard com o Presidente Kennedy, e com ele, novos ventos sopravam na e da Casa Branca.
NRP Aviso «Afonso de Albuquerque»
10 – Mas o assunto não estava definitivamente arrumado. A Índia administrava como parte integrante a Índia Portuguesa, mas como ocupante. Portugal em momento algum prescindia dos seus Territórios da costa indiana, juntamente com os enclaves. O assunto só ficou arrumado, não em data redonda, mas em data quadrada (de quadro jurídico; nada de confusões) com a lei 9/74, que reconheceu a plena soberania da União Indiana, sobre os territórios de Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar-Aveli. E este reconhecimento é antecedido pela lei 7/74, que abre em definitivo o fechar da página Imperial e Colonial. Com esta lei, Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência. É o nosso regresso em definitivo ao território europeu e insular atlântico.
11- E podíamos aqui encerrar o acontecido e noticiado. Mas, talvez valha a pena um terceiro texto. E o Henrique com a sua paciência para ainda me ir lendo e dando guarida. E eu com a esperança de alguém mais ir ler o que escrevo. Vamos a isso.
Em 18.12.2016
José Augusto da Fonseca
Apoio Documental Principal: IMPRENSA Nacional e Internacional – 1961
1 – O ano de 1961 testava, e de que forma, a liderança do Estado Novo. Não tinha começado nada bem o ano. Um antigo tenente de Maio, que fora Governador do Distrito da Huíla em Angola e homem de confiança do Estado Novo, estava agora em rota de colisão com quem o chefiava. E tomava de assalto o paquete Santa Maria crismando-o logo de seguida em Santa Liberdade. Fomos originais, valha-nos isso, no assalto a bancos, a aviões e até no segundo baptismo de barcos e, anos depois, de pontes. E também nos podemos orgulhar de ter criado a primeira crise internacional com que o recém Presidente Kennedy teve de lidar. É obra.
Como se não bastasse, o 4 de Fevereiro com os incidentes em Luanda e assaltos às esquadras de Polícia e à Cadeia de S. Paulo, protagonizados por afectos ao MPLA. E a 15 de Março, e com muito maior gravidade, o ataque da UPA/FNLA às povoações e às fazendas do Norte de Angola que provocaram centenas de vítimas entre colonos portugueses e de gente portuguesa de etnias que não dos bakongos, sendo que os bailundos pagaram elevada factura.
E como se não chegasse para todos tanta tormenta, veio o golpe de dentro do próprio Governo e regime. A liderança da Defesa Nacional e do Exército entendia a 13 de Abril que tinha chegado ao seu termo o consulado de António de Oliveira Salazar.
2 – (A)pesar. Apesar de tudo. (A)pesar, também, a idade já contava. A do líder. Que já estava nos 70 e… . Este, mais uma vez, resistiu, contando para isso com fiéis que, por mais de uma vez, também já o tinham avisado de que algumas mudanças deveriam ser feitas. E não foram. O viver, como habitualmente, continuava a fazer o seu caminho. Mas 1961 era um grande tropeção, para quem levava muitos e muitos anos de governança. Boa e má segundo alguns. Ou menos boa e menos má segundo outros. Mas se o quiserem, era governança. Olhando para os últimos governos da Monarquia e primeiros da República. Isto segundo alguns e outros, ou outros e alguns. Enfim…
3 – Mas, entre os fiéis, existem aqueles que estão sempre presentes. Todos nas horas boas. Mas, nas menos boas, só ficam os que encaram que outros valores mais altos se levantam. E levantaram. Angola vivia há um mês, em especial no Norte, uma autêntica tragédia. Com as chefias militares governamentais e Estado-Maior divididos entre “um caso de polícia” ou o “para Angola rapidamente e em força”. O demitido de há dois anos da Defesa Nacional, Santos Costa, em carta para AOS, a pedir o envio rápido e em força para Angola e Moçambique de 10 mil homens para cada província. O comandante da Força Aérea de Angola a pedir medidas rápidas porque o amanhã poderia já ser tarde. E os fiéis entre os fiéis decidiram. Entre o certo e o incerto não é altura para mudar de chefia ou das duas chefias máximas. E não se mudou. E da velha Oposição Democrática, o alerta também se fez sentir: divergimos, mas nesta altura apoiamos a decisão de “para Angola rapidamente e em força”.
E neste caso, a exemplar declaração de Ramada Curto à Emissora Nacional, em 17 de Abril de 1961: “Estou ao lado, ombro a ombro, dos que querem lutar pela África nossa, que o mesmo é dizer por Portugal. Seja quem fosse que estivesse, por acaso do destino, a mandar, eu não pensava em substitui-lo agora, na hora incerta em que Portugal é tudo e o resto não é nada”.
4 – E a calmaria voltava. A fuga precipitada não se dera. Luanda e Lisboa resistiam. Mas outra tempestade começava a ganhar forma. Não a tempestade que acompanha as monções. Mas outra na mesma geografia. A que acompanha, quase sempre, as decisões irracionais dos homens que não entendem que decisões de gabinetes, sempre recatadas, provocam a um e outro lado muito sofrimento. Porque decidem: guerra. E neste caso, entre um país que na altura somava 400 milhões de habitantes e outro com apenas 8 milhões. A Índia e Portugal. Mas Portugal tão perto e tão longe. Tão perto em Goa, Damão e Diu. Tão longe, a sudoeste da Europa, num canto da Ibéria. Como cantavam as estrofes que aprendemos em pequenos:
“A sudoeste da Europa,
Bem juntinho ao oceano,
Fica o nosso Portugal,
Querido torrão lusitano”.
5 – E em Dezembro de 1961, o JN superiormente dirigido por Pacheco de Miranda, anunciava que 30 mil soldados indianos estão de prevenção nas fronteiras de Goa aguardando ordens. O Chefe do Estado-Maior do Exército Indiano General P. N. THAPAR e o chefe do Estado-Maior da Força Aérea Indiana, Marechal da Aviação A. N. Engineer, inspecionavam a situação ao longo dos 280 quilómetros do enclave português. E a acompanhá-los, o Comandante Militar da zona sul da Índia, o tenente-general J. N. Chaudhuri. Este, já tinha sido o chefe militar que organizou a tomada relâmpago do Estado de Hyderabad, em 1949, pondo fim à sua breve independência. E, assim sendo, mulheres e crianças começaram a ser evacuadas. Para Lisboa e para Carachi no Paquistão. E no Diário Popular, onde pontificava o Embaixador Martinho Nobre de Melo, o tom era o mesmo. Algo se estava a preparar para riscar do Império Português as terras onde tínhamos aportado há uns 500 anos.
6 – O ministro inglês Duncan Sandys e o governo britânico apelavam para que a União Indiana não usasse da força em relação a Goa. O embaixador dos USA em Nova Deli, Galbraith, conferenciava com o MNE indiano Desai. A Inglaterra entalada entre o seu mais velho aliado e um dos membros mais importantes da Comunidade Britânica. Os USA em posição difícil, porque Portugal é membro fundador da OTAN (NATO), mas a Índia mantinha-se como a maior democracia asiática. E milhares de goeses, em procissão, sobre os 10 quilómetros ao longo da margem do rio Mandovi, até à velha Goa, a fim de prestar homenagem a S. Francisco Xavier, pedindo-lhe protecção.
Mas, mesmo assim, o paquete Império desembarcava em Lourenço Marques reforços de tropas para a guarnição da Província de Moçambique. Era Angola. Era Moçambique. E até a Guiné. Aqui, com os chefes muçulmanos a reafirmarem a sua lealdade a Portugal. Preocupações atrás de preocupações. E solidariedades atrás de solidariedades. Valha-nos isso. Por agora…
7 – E para que contasse ao que vinham, um grupo afecto ao invasor, destruiria antes da invasão a estátua do militar goês Manuel António de Sousa que combateu ao lado dos portugueses em Moçambique no século XIX e que ali morreu em combate e que estava situada à entrada da cidade de Mapuçá. Ele, que em 1836, tinha sido nomeado capitão-mor de Manica e Quiteve. E no Conselho de Segurança da ONU, se a União Indiana invadisse o território, a França, a Inglaterra e os EUA (USA), condenariam a invasão. Mas o veto soviético já se perfilava. E como se não bastasse o Exército e Força Aérea indianas, o contra-almirante Soman, comandante da frota indiana, visitava a cidade de Belgão onde estava instalado o quartel-general das forças indianas que se concentravam junto à fronteira de Goa. E nos círculos diplomáticos geralmente bem informados, dizia-se que o Presidente Kennedy enviara nota em termos cordiais ao PM Nehru, exortando-o a que evitasse empregar a força contra Goa.
8 – Mas algo iria acontecer. Em Belgão, os CEM’s do Exército e da Força Aérea conferenciavam sobre a “situação de Goa”. A TrustPress Índia informava que “a hora zero aproxima-se”. E altos funcionários indianos, ao serem abordados por jornalistas, limitavam-se a dizer: “esperem e vejam”.
E Adriano Moreira recordava a solidariedade de Espanha e a dignidade das nossas relações com a China cuja vizinha cidade de Santo Nome de Deus hasteia a bandeira do único povo europeu que nunca esteve em guerra com aquele país.
De tudo isto, o que decidirão o PM Nehru,e o Ministro da Defesa indiano Menon?
A resposta está no texto de amanhã se tiverem paciência para o lerem.
Em 17.12.2016.
José Augusto da Fonseca
Apoio Documental Principal: Imprensa nacional e internacional – 1961
1 – Ser Secretário-Geral da ONU não é para qualquer um. Por mais pergaminhos que se tenha. Aqui, neste Fórum Internacional, que reúne todas as sensibilidades diplomáticas e onde a GEOPOLÍTICA é a mandante pura e dura, só ocupa o cargo quem tiver, pelo menos, o acordo dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e, diga-se, a simpatia, pelo menos a simpatia, dos outros dez membros não permanentes. O veto de um permanente deita logo tudo a perder.
2 – É evidente, que o nosso Engenheiro Guterres, tendo sido Alto-Comissário da ONU para os Refugiados, e por isso diligente conhecedor dos corredores diplomáticos e não diplomáticos dos poderes mundiais, pisando as alcatifas dos poderosos deste Mundo, ou pisando os terrenos do sofrimento dos sem poder também deste Mundo, deveria saber, ou suspeitar, que de tantas andanças, foi criando aqui e acolá muitos apoios, mas também muitos anticorpos.
3 - Chegados aqui, parece-me que uma tal Chanceler Alemã tinha garantido à diplomacia lusa que nada tinha contra o tal Engenheiro, só que, passados meses, uma Senhora Merkel, com tantas arrelias que vai tendo, esqueceu-se do que disse ou não disse e saca da cartola uma coelha, perdão, uma búlgara, por sinal vice-presidente da Comissão Europeia e, amparada por um tal senhor Juncker e por um tal senhor Ban Ki Moon, que vai, ou não, estragar a nova carreira do tal Engenheiro, que vendo há uns anos o seu País a resvalar para o pântano, resolveu que era melhor dar novo rumo à sua vida política. E se bem o pensou, melhor o fez.
4 – Ora aqui é que está o busílis. Porque a ONU, neste momento, e se o nosso Engenheiro mantém as mesmas ideias, também é, ou melhor, sempre foi um pântano, e neste momento ainda mais perigoso, onde já não nos afundámos mais, porque o nuclear é um problema não resolvido. Mas, declaração de interesses: prefiro mesmo assim uma ONU, do que nada haver.
5 – Quanto a dar o dito pelo não dito da Senhora Merkel, ou a arte de tirar o tapete a este ou áquele, veio à minha recordação um certo sótão emprestado, onde um tal Sampaio ou um tal Constâncio, ou ambos, conspiravam contra um tal doutor Soares. Assim rezam as crónicas dos tempos.
6 – Mas, e para finalizar. Seria bom que a nossa diplomacia e outros também manobradores, lessem, ou melhor, estudassem Franco Nogueira, e cá para nós, também Jaime Gama (peixe de águas profundas), que não lhes ficaria nada mal, ou meditassem em duas simples frases de homens batidos do ponto de vista militar ou político. Tomem nota do que dizia Kaúlza de Arriaga quando falava, vejam lá, nas chamadas “MUDANÇAS IMPREVISÍVEIS”, e Silva Cunha quando se referia aos “IMPONDERÁVEIS DA POLÍTICA”. Pois. Tenho dito. Mas para que não restem dúvidas: Boa sorte Senhor Engenheiro Guterres. Sempre era um português num comando mundial.
1 - E logo pela manhã ARQUIMEDES E O TANGO. E como eu gostaria de escrever assim de quando em vez (ou de vez em quando), escrevinhar algo com interesse para o A BEM DA NAÇÃO. Não tenho tempo? Claro que tenho. Mas não o suficiente para fazer como gosto de fazer. Com investigação e labor. Sou assim. Nada a fazer. E ter neste momento mais de trezentas páginas para defender em breve, faz-me preocupado. Adiante.
2 - Mas chamou-me a atenção "para já, segue-se ORHAN PAMUK". Excelente escolha. Mas não ficaria de bem comigo se não te falasse de dois livros que li muito recentemente, e que me surpreenderam, mesmo muito, de duas figuras da RTP e TVI (agora na CMTV). E nunca tinha lido nada das mesmas, porque pensei (erradamente), que não teria nada a ganhar com os livros destes autores. Por partes.
3 - O IMPÉRIO DOS HOMENS BONS de TIAGO REBELO (edição ASA). Muito, mas mesmo muito interessante. Passa-se em Moçambique nos idos de 1847. Da capa: Um amor proibido entre um padre e uma escrava. Uma história verídica de sobrevivência. Da contracapa : Em 1847, na pequena vila de Inhambane, um punhado de famílias esquecidas pela coroa portuguesa luta heroicamente para impor uma nova civilização em território africano (...). Pensei que largaria logo o livro, mas engano meu, li-o de rajada. E foram 531 páginas.
4 - AS FLORES DE LÓTUS de JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS (edição GRADIVA). Da contracapa: O século XX nasce, e com ele germinam as sementes do autoritarismo. Da Europa à Ásia, as ondas de choque irão abalar a humanidade e atingir em cheio quatro famílias (...). Do JAPÃO, da CHINA, da RÚSSIA e de PORTUGAL. Neste último caso recomendo os encontros de um tal capitão Artur Teixeira com um lente da Universidade de COIMBRA, que chega às FINANÇAS, e que não precisa de três anos para endireitar as contas. Basta-lhe um. É obra. E foram 683 páginas. E só lamento que tenha continuação com O PAVILHÃO PÚRPURA que agora aguardo com ansiedade.
5 - E se ao teu segue-se, seguirem-se estes, acredita que não perderás mesmo nada. Desculparás, entretanto, se acaso de sentires defraudado com estas leituras, e é evidente o meu atrevimento também terá que ser relevado. Ousadias, é o que é. da minha parte.
Konrad Adenauer entrou na alta política aos 70 anos
Meu Caro HENRIQUE,
Belo texto, este, SEXALESCENTES. E, como sempre, BELÍSSIMA Ilustração. E como faço já parte desta TRIBO, socorro-me de outra para a reforçar. A tribo dos MASAI ou MASSAI. Dizem eles: "Os Jovens são mais Velozes, mas os Velhos já conhecem a Estrada". Sempre e sempre a minha paixão por ÁFRICA.
E, é claro, os e as "sexalescentes" conhecem bem a estrada, os e as "juvelescentes" ainda têm muito que aprender.
Mas, a seguir ao texto, vem uma frase tua: "Sim, tenho mais que fazer do que carpir". Aqui, Caro Henrique, permite-me que lhe ponha a carga que, com certeza, não lhe querias dar, mas que eu dou. É carga POLÍTICA pura e dura. E gosto da carga que lhe dou, sem pedir a tua autorização. Porque saturado de choradinhos. E ver onde se errou. Ou seja, em vez de nos limparmos ao lenço, vamos é fazer uma fábrica dos ditos, para outros, na devida altura.
E já agora permite-me citar PAUL AUSTER (Escritor) quando fez 65 anos. Aí vai: "Mas agora sou um homem mais velho, os meus dias estão contados, e não sei quantos é que me restam. Certamente menos do que aqueles que já vivi. Estou literalmente no inverno da minha vida. Se dividirmos a vida em quatro estações, eu cheguei à quarta estação. A porta da juventude fechou-se e abriu-se a porta da terceira idade. Talvez seja o período mais interessante de todos, quem sabe? Ainda não estive lá, apenas dei alguns passos. Fisicamente não vai ter graça nenhuma, mas mentalmente pode vir a ser uma grande aventura. Estou cheio de ideias, não quero parar, quero continuar até ser física e mentalmente capaz de o fazer. Até lá, continuarei a caminhar".
E, é aqui, que penso que a nossa TRIBO deve estar. E sempre, mas sempre, bem acompanhado por uma belíssima "sexalescente". Para o que me havia de dar. E deste texto, faz o que entenderes.
1 – Se BOUQUINER (1) era andar em águas límpidas e transparentes, o BOUQUINER (2) é já um “quase” mergulho em águas mais turvas e quanto a transparência, só aquela que cada um pode encontrar. Quando pensei escrever mais umas “linhas” no seguimento de outras, a rádio (telefonia) traz-me a boa notícia. Há acordo para a Grécia. Razão tinha o Presidente Cavaco Silva, quando dizia, que na 25ª hora tudo se havia de compor. Ainda bem. Isto para quem (como eu) acredita que é melhor a UE (com todos os defeitos) a regressarmos a um passado de egoísmos que nos levou a duas guerras civis no século XX e poderia levar-nos a uma terceira, embora noutros moldes. Mas, pelo sim, pelo não, embora entusiasta de Povos dentro do Povo Europeu, sempre de mão “avisada” com o UK e EUA. Somos mais potência atlântica, do que potência continental. O castelhano assim o ditou. E continuarei sempre a dizer, que Portugal é um porta-aviões atracado à Europa. E o Grande Irmão (EUA) tem de saber, sempre, que pode contar connosco, mesmo que o preço a pagar (por eles e por nós) seja elevado.
2 – E, sinceramente, espero que a Alemanha perceba, de uma vez por todas que, quem quer liderar, ou pode liderar tem sempre um preço a pagar. E às vezes bem elevado. É só olhar para os gastos que os EUA gastam no sector da defesa, e na ajuda internacional que vão proporcionando a um elevado grupo de países. Dir-me-ão: são os interesses que estão subjacentes. Concordo. Mas os interesses, por vezes, têm uma factura bem elevada. E a Alemanha sabe que a sua dinâmica económica também se deve ao gastar muito pouco no sector da defesa, o que lhe proporcionou desviar grandes quantias para a reunificação e para uma economia mais pujante. Agora se os alemães (certos alemães) ao quererem liderar fazem afirmações concretas, em vez de as fazerem discretas, aí, quer queiram quer não queiram, entornam o caldo, e depois dele entornado, para limpar a sujidade é bem mais difícil, porque os velhos “demónios” foram de novo ressuscitados. A invasão alemã e os desmandos alemães na Grécia e no “velho” CONTINENTE foram factos, e contra factos (ou fatos?) não há argumentos. E se muitos se esquecem, outros bem se recordam.
3 – E a França percebeu de imediato o que estava em jogo. A Alemanha (mesmo o SPD, da Grande Coligação) teve, e tem, grandes dificuldades para o entender. E a Alemanha tem de pensar só isto: é grande no contexto Europeu, mas pequena no contexto Mundial. Mesmo comparando-a até com Portugal. A França, não é só a França, é também a Comunidade Francófona. A Inglaterra, não é só a Inglaterra, é também a Commonwealth. E Portugal? Até Portugal não é só Portugal, é também (apesar dos detractores) a CPLP e os PALOP. A França, a Inglaterra e Portugal, para não falar da Holanda e da Bélgica, são mais do que o seu Espaço Europeu. Vivemos para além da Europa. Vivemos para lá do nosso horizonte. A Alemanha, não. A Alemanha, se quer ser a Alemanha, tem de ser também a Europa, e se for Europa, então tem voz para além do Continente Europeu. E tem de pagar o preço dessa ousadia. Caso contrário pode numa primeira fase pensar que é vencedora como em 14 e 39, mas depois teve Versalhes e a “foice e o martelo” no edifício do Reichstag. E a Alemanha não merece esse padecimento, provocado por alguns “alemães”, que nada descortinam para além da sua portada. E, se assim for, paciência. Mas que é pena, disso não tenho dúvidas.
4 – Porque também em 1972, outro País, teve os generais que contavam na altura, e comandantes dos seus Exércitos para além da sua Fronteira Europeia, para meditarem sobre quem devia suceder ao almirante Américo Tomás nas presidenciais de 72, e como não se entenderam, o velho Almirante aceitou continuar. E como foi triste ver que o egoísmo e calculismo de alguns, se sobrepôs ao interesse de todos. E o resultado foi o que depois se viu. Um dos generais, o que praticamente caucionou Abril 74, nem sequer o lugar aqueceu e em democracia só lhe restou a fuga para o estrangeiro. Outro, esteve detido e recusou fugir. O outro lá foi Presidente até 76, mas presidiu a um País que no espaço de um ano perdeu 95% do território que tinha, o que era previsível, mas sem honra nem proveito. E, lembro estes factos, para equacionar que os egoísmos levam a que se perca muito mais do que se ganha. E quando se lia a correspondência (por dever de ofício) que acompanhava os desabafos de quem mandava na altura, começava a ver que algo de errado estava para acontecer. E aconteceu. Não, não me venham dizer que tudo correu como devia correr. O que ainda nos valeu foi o Grupo dos 9 e a sua acção em Novembro de 75 (faz este ano 40 anos), e quer se queira, quer não se queira, com possível governo no norte e com grave confronto, num país dividido em Rio Maior. Mas lá nos safámos. Penso que o “espírito” de Helsínquia prevaleceu no senhor Brejnev que mandou regressar à calma os seus discípulos portugueses. Afinal, Angola e Moçambique já estavam ganhos. Por agora bastava. E quem não acautela o presente olhando para o passado, sofre as consequências. E quem diz 72 diz 2015. Tínhamos, penso eu, o pássaro na mão, difícil de ser atacado pela esquerda, ou pela direita, e deixámo-lo fugir para junto do senhor Juncker. E agora vamos levar, penso eu também, com quem não se queria. Mas os egoísmos e calculismos de uns tantos vão tramar outra vez os muitos que somos. Mas é a vida.
5 – Dir-me-ão: então onde estão as águas turvas? Pois. Também me esqueci de escrever, de imediato, que a GRÉCIA, me iria obrigar a um BOUQUINER (3). Complicações, de quem, lendo, ou ouvindo, aqui e o acolá, tem de enfrentar. Mas outro BOUQUINER chegará breve. Prometo aos poucos que me lêem, e têm paciência para me aturarem e … publicarem. Só mesmo por bondade. Que agradeço.
1 – Qualquer escolha implica sempre uma renúncia. Que pode ser, ou não, temporária. No caso é. Esclarecendo. Que título daria agora a uma possível pequena série de crónicas, ou minicrónicas que, com tempo, quero “escrevinhar”? Publicar é outra coisa. Já não depende da minha vontade, mas depende da boa vontade e da paciência com que um amigo me atura. Mas pronto, escolhi “BOUQUINER”. Mas na manga tinha mais duas. Uma era “TRESVALIAR” e outra “O MEU MUNDO”. Por partes. Venha a explicação e a fundamentação.
2 - “O MEU MUNDO” foi sugerido pelo DDB (dono do blogue) e AMIGO Henrique, quando lhe dei “notícia” sobre determinadas questões do nosso passado ultramarino. Mas guardo para trabalho, que gostaria de fazer sobre A QUESTÃO COLONIAL, sobre a qual me debruço cada vez mais. “TRESVALIAR” é do Dr. José Pacheco Pereira, que no dicionário tem determinados significados, mas em que JPP atribui e bem outra significação, como seja “navegar sobre as coisas ou palavras” (Público,13.06.2015). Pronto. Estraguei já tudo. Falei em JPP e tenho a certeza que já criei por aí alguma “urticária”. Mas lá irei por partes. E era esta que escolheria, se não viesse à memória, e ao papel, o Professor Doutor José-Augusto França com “BOUQUINER”. Bouquiner, como ele refere, porque “há uma palavra francesa, muito bonita: bouquiner, ler uma coisa aqui e ali” (Expresso, Revista, 01.02.2014). E “prontos”. Foi por isso que, desta vez, aquilo que escrevo vai assim titulado. Mas que guardo os outros dois títulos, ninguém tenha dúvidas.
3 – E escrevo, hoje, porque se acumulam textos que considero de uma FRESCURA e de um sentido de CIDADANIA ACTIVA que já vão rareando. “E tudo são recordações” de BB, “Lusitânia Armilar” de HSF, “Quod Sensus” de BB, “Um Papa sem filtro” de ACDJ e de novo” Saco Cheio” de BB, e fazendo sobre os mesmos o tal BOUQUINER. É evidente que poderia mencionar outros, mas estes tocaram-me mais, e de forma geral vou debruçar-me do muito que ali está, mas sem comentar os mesmos. Até porque num caso ou noutro já o fiz.
4 – Lusitânia Armilar. O nosso passado global. Que por vezes parece que andamos envergonhados de o referir. E que merece atenção, em especial para os mais novos. Porque ao contrário do que se diz, quem nos vai continuar, gosta mesmo de saber o que fomos e o que somos. É evidente que nem tudo foi feito com lisura, mas hoje também não se faz, que o diga o Iraque e o actual estado em que está. Isto, porque o Dr. Nuno Rogeiro escreve “em 2009 passou, quase envergonhado, o meio milénio da batalha de Diu em que uma pequena, mas moderna e bem treinada armada portuguesa derrotou uma muito maior força otomana, árabe, indiana, veneziana e croata” (Sábado,18.06.2015). Certo. Mas julgo, que talvez, tal feito, não foi comemorado mais efusivamente, porque um dos nossos grandes historiadores António Borges Coelho refere que “isso faz-se com uma coragem fantástica, com domínio da navegação e dos meios marítimos, mas simultaneamente com uma violência brutal. O tal povo pacífico de brandos costumes é irreal. A batalha de Diu foi terrível, não só a batalha em si, mas o que nós fizemos em Diu” (António Borges Coelho, Expresso – ATUAL – 08.03.2014). Pois. E por isso não comemoramos.
5 – E tudo são recordações. Que às vezes nos entristecem. Até por colegas com os quais convivemos e de repente parece que nem os conhecemos. Embora, por vezes, existam razões que desconhecemos. Como alguns “capitães” que a “24” mandavam atirar ao “turra” e a “25” fora com o “colono”. Assim mesmo friamente. E, infelizmente, nalguns desses “capitães” estavam oficiais de alta patente, que de um dia para o outro quiseram certificado de democratas. Ou será que alguns ARQUIVOS foram parar a mãos erradas? Mas veja-se, que hoje, é a mesma coisa. Muitos que disseram “nem mais um soldado para África” e que ajudaram ao estado em que o País se encontra, estão hoje bem instalados no “centrão” e a dar-nos grandes lições de moral e de patriotismo. E nós quedamo-nos na nossa zona de conforto.
6 – Saco Cheio. José Pacheco Pereira. Não o conheço. Mas considero-o um dos grandes intelectuais portugueses. E um dos nossos mais brilhantes investigadores universitários. Concorde-se ou não com ele. Mas também dizer, que muitas das “bicadas” que ele dá em alguns políticos da sua área, têm um passado. Porque “o doutor Pacheco Pereira tem sido, ao longo dos últimos anos, um elemento que não vê, nunca em qualquer circunstância, qualquer benefício na acção que o PSD possa desenvolver e, portanto, é um adversário, assume-se como um adversário do PSD”. Quem escreveu isto? Foi o Dr. Pedro Passos Coelho (Expresso, Revista Única, 28.05.2011). E assim sendo, arranjou mesmo um adversário. Mas não o PSD. E o Dr. Pedro Passos Coelho sabe que tem gente que não gostou de algumas das suas atitudes. Lembro o tenente-coronel João J. Brandão Ferreira, brilhante investigador de questões militares, autor de “Em nome da Pátria”, que escreve: Na altura, o jotinha-mor das “forças laranja” dava pelo nome de Pedro Passos Coelho, o qual não descansou enquanto não acabou com o SMO (Serviço Militar Obrigatório) – um erro estúpido, escusado e caro” (Público, 23.01.2014). Pois. E caro. Como se está a ver agora. Claro que depois com a idade vamo-nos modificando. Mas lá que houve estragos, também é verdade.
7 – Quod Sensus e Um Papa sem Filtro. O que dizer? Em primeiro que há católicos que, por vezes, parecem pouco de acordo com os ensinamentos que dizem defender. E mesmo assim, merecem a nossa estima. Mas confundir a História de um País segundo a bitola dos últimos 40 anos, parece-me curto. Para quem tem mais de 800 anos. Quanto a Francisco I está a olhar e de que maneira para o seu povo que se espalha pelo Mundo. Mas também aqui, há quem não goste. Comentários. Peço-os emprestados. A Vittorio Messori, teólogo próximo do Opus Dei, em que “é melhor um putanheiro que faz boas leis, que um bom católico que promulga normas contrárias à Igreja” (VISÃO, 27.01.2011). Assino por baixo. E já agora ao
Cardeal Ercole Consalvi, secretário de Estado de PIO VII, quando Napoleão ameaçou destruir a Igreja ao dizer: “Não o conseguirá, majestade. Nós próprios nunca a conseguimos destruir” (Público,02.06.2012).E sobre isto, nada mais. Está tudo dito.
8 – E sobre o estado do Mundo. Aqui recorro a
Jacques Attali, economista, conselheiro do Presidente François Mitterrand, e fundador do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), quando defende que “A Terceira Guerra Mundial já começou”. Attali em 2014, em Milão, no World Business Forum, começa por referir que “as surpresas de hoje são apenas consequências da falta de acção há duas ou três décadas”. Sobre as Migrações refere que “nem todos serão migrantes do sul para norte. Um terço irá no sentido contrário. A humanidade está on the road” e quanto a uma possível perda de influência da actual potência hegemónica então “os EUA não serão substituídos pela China e um Mundo sem líder será um Mundo perigoso”. Sobre as finanças mundiais o economista pronuncia-se sobre a “força crescente dos Mercados Financeiros entidades sem governo e com frágeis fronteiras entre o que é legal e criminal”. E termina: Com o crescimento do terrorismo e dos fundamentalismos por todo o Mundo, pode-se dizer que a terceira guerra mundial já começou (Expresso,08.11.2014). E só aqui estou em desacordo com Jacques Attali. A Terceira Guerra Mundial foi ganha pelo Ocidente, com a Queda do Muro de Berlim. Ocidente que ultimamente só tem feito ASNEIRAS. Mas estou de acordo com o Subcomandante Marcos do Exército Zapatista do Estado de Chiapas no México, quando assume que está em marcha a Quarta Guerra Mundial, de que não se sabe qual será o desfecho, mas em que começam a aparecer sinais muito preocupantes. E que nos deixam preocupados com as actuais lideranças ocidentais.
9 – E deixo para um possível BOUQUINER (2) algumas “interrogações” mais caseiras e ligadas ao nosso passado, desde Mr. Ken Flower chefe da secreta de Ian Smith, passando por possíveis negociações tardias de Marcello Caetano com os nossos adversários de então, o leste europeu que equipava os Movimentos de Libertação, mas que não tinha problemas em dar-nos também uma “ajudinha” desde que tudo fosse feito com a maior discrição. E lembrei-me agora. Marcello Caetano lá fazia as suas “Conversas em Família” na televisão. Certo. O Presidente Roosevelt iniciava a partir de 12.03.1933 as suas famosas “Conversas à Lareira” na rádio. Coincidências. Mas vamos aguardar o que se arranja para próxima vez. O que não é fácil. Isto A Bem da Nação. Julgo que hoje apenas nadei em águas límpidas, e apenas à superfície. Prometo (?) que para a próxima andarei por águas “turvas” e “mergulhando” fundo. E mais uma vez a cumprimentar o Henrique por comemoração aniversariante.
1 - É evidente que li o texto "Doutor Salazar". O "A Bem da Nação" está sempre no meu "radar", e como tal, não escapa à devida leitura.
2 - Poderia fazer comentário, no lugar a isso destinado, e só não o faço, porque entendi fazê-lo de outra maneira que considero um pouco extensa. Isto, porque muitos, muitos mesmo, têm em democracia, receio de fazer justiça, a esta ou aquela FIGURA, só porque pertenceu, ou esteve na génese do Estado Novo, ou estão em "águas" onde não estamos. Mas, felizmente, a excepção, ou excepções, fazem a regra.
3 - E, assim, socorri-me de EUGÉNIO LISBOA ensaísta e crítico literário quando comentou sobre FIGURA actual, no caso Rui Rio, dizendo o melhor que podia dele, perante a estranheza de alguns. E disse: "Não somos animais da mesma capoeira política, mas não retiro uma vírgula ao que acabo de dizer" (VISÃO, 23.04.2015). Que bom ler estas palavras, pois uma coisa são as nossas convicções, outra coisa é fazer justiça, mas justiça a sério, a quem sem qualquer retorno serviu o melhor que pode ou sabe o seu País.
4 - Mas, vou um pouco mais longe. E desta vez socorro-me do ex-MNE, Dr. Jaime Gama, em texto do Dr. Nuno Rogeiro. Diz ele sobre Jaime Gama: "a sua honestidade intelectual levou-o sistematicamente a falar pouco.Sobretudo a falar pouco sobre coisas pouco relevantes. E com detalhes sobre as outras, incluindo o pensamento político de Franco Nogueira" (SÁBADO, 16.05.2015) . Sim, deve-se ao Dr. Jaime Gama a reabilitação no Palácio das Necessidades, do antigo MNE de Salazar, em período decisivo da vida de Portugal. E volto ao mesmo: Justiça. Mesmo que não estejamos de acordo com as políticas seguidas.
5 - E por último, o texto soberbo do Professor Doutor Pedro Aires Oliveira, brilhante Historiador da nova geração, titulado "Quase Delfins" no Público de 7.5.2015. O texto é sobre o Doutor Manuel de Lucena, opositor ao Estado Novo, mas onde se "mexe" em Armindo Monteiro, Pedro Teotónio Pereira, Franco Nogueira, Gonçalo Correia de Oliveira e Adriano Moreira. E mais uma vez. Pode-se não navegar nas mesmas águas. Mas nada custa escrever com verdade.
6 - Isto tudo para chegar ao teu texto. Finalmente. Porque consegues, com verdade, dizer o que se fez bem e o que se fez menos bem. Ou outras atitudes que poderiam ter sido tomadas, como retirada de cena, em data oportuna. Sem receio de ser catalogado. E é isso que se pretende de todos. Mas que infelizmente só uns poucos fazem, ou praticam. Como é o teu caso.
1 – E Abril de 61 marcou a primeira e última tentativa muito séria de encerrar o longo consulado de António de Oliveira Salazar. E aquela em que não seria fácil sair de tão complicada situação. Porque não era comandada por elementos exteriores à liderança do Estado Novo. Era chefiada por elementos afectos ao mesmo, e mais grave ainda dirigida pela direcção política e militar das FA’s, que integravam um governo de AOS e devidamente escudados no CEMGFA. AOS reage, e tal como nos tempos conturbados da Guerra Civil de Espanha (como tudo está perigosamente esquecido) e II Guerra Mundial, chama a si e acumula com a Presidência do Conselho de Ministros a Defesa Nacional. Justifica: “para Angola rapidamente e em força”. E rapidamente e em força nomeia CEMGFA o general Gomes de Araújo, para ministro do Ultramar o Doutor Adriano Moreira, e logo depois, para Governador-Geral de Angola o general Venâncio Deslandes que à data era Embaixador em Madrid, e para Moçambique o almirante Sarmento Rodrigues que já tinha sido Ministro do Ultramar. Tudo pesos pesados. E agora Salazar não teme enfrentar, se necessário, todos eles, se acaso o seu mando possa ser posto em causa. Não haverá novos episódios de desafio grave à sua autoridade. E, em 62, vai demonstrar isso mesmo. No “desaguisado” entre Adriano Moreira e Venâncio Deslandes. Em que um perde o Ministério do Ultramar e o outro o Governo-Geral de Angola. É ele que manda mesmo. Com mais alguém segundo George Ball.
2 – Mas o ano de 61 não vai ser fácil para o Chefe do Governo. As crises vão-se acumulando. E que resultam, da maneira enérgica, como actuou em Angola. Porque o território angolano ao contrário do que muitos vaticinavam, vai conhecer em prazo muito curto, o restabelecimento em todo o território da autoridade política e militar. Os guerrilheiros da UPA e do MPLA estavam agora na defensiva, e se queriam sobreviver à acção das Forças Militares Portuguesas teriam de regressar à segurança das suas bases na República do Congo-Kinshasa e República do Congo (Brazzaville), ou refugiarem-se nas densas matas angolanas. O Exército Português tomava agora a iniciativa e repunha de forma controlada a autoridade posta em causa. Mas, os adversários de Portugal não nos dariam tréguas. Se não podemos vencer em Angola vamos causar “mossa” noutro lado. Na ONU e no terreno.
E, a 1 de Agosto de 1961, o pequeno território apenas constituído pela Fortaleza de S. João Baptista de Ajudá na República do Daomé (Benim) é ocupado pelas forças daquele País. Território pequeníssimo, habitado por um administrador e mais alguns portugueses, que não punha nada nem ninguém em causa. Mas que os adversários de Portugal sabiam que tinha tanto valor como qualquer grande território que tivesse a Bandeira Nacional. E sabiam a “dor” que provocavam no “timoneiro”. Dadrá e Nagar-Aveli tinham agora lugar no Atlântico Africano Português. E era o sinal de que a pressão sobre Portugal iria aumentar. E aumentou.
3 – Com a perda do Estado da Índia Portuguesa, em Dezembro de 1961. Aqui, considero, que foi o maior desgosto que António de Oliveira Salazar sofreu em toda a sua vida, tanto a nível pessoal, como ao serviço do Estado Português. Salazar nunca acreditou que Pandita Nehru que tinha uma “aura” de pacifista fosse capaz de mandar invadir os territórios de Goa, Damão e Diu. E que manchasse a sua carreira política. Que manchou a nível internacional. Com os seus adversários da China e do Paquistão a esfregarem as mãos de contentes. Nehru não podia nunca mais ir “chorar” para a ONU a sua desdita em relação a estes dois grandes países asiáticos. E disso se apercebeu logo. Mas temos de lhe fazer justiça.
Nehru tinha cedido à enorme pressão do seu ministro da Defesa Krishna Menom que advogou desde sempre a invasão sem mais do Estado da Índia Portuguesa, até para anular as dificuldades que o Partido do Congresso estava naquele momento a ter a nível interno. E Krishna Menom argumentava que se os Ingleses e Franceses tinham feito “as malas” tinha chegado a hora dos portugueses saírem também. E Menom em Londres já nos tinha avisado no final década de 40, na pessoa do nosso Embaixador, que os portugueses tinham de sair. A bem se o quiséssemos fazer. A mal se necessário. E Pandita Nehru perderia para sempre o seu enorme prestígio político. A máscara de “pacifista” tinha caído e aberto caminho a quem o desafiava no lado paquistanês e chinês.
4 – E como não queríamos sair, o Exército Indiano actuou. Aqui Salazar vendo o inevitável transmitiu ao Governador-Geral da Índia Portuguesa uma directiva de actuação. Constava: “organizar a defesa pela forma que melhor possa realçar o valor dos portugueses, segundo velha tradição na Índia. É horrível pensar que isso pode significar o sacrifício total, mas recomendo e espero esse sacrifício como única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos a maior serviço ao futuro da Nação”. Salazar pede resistência total e sem limites o que implicava o sacrifício da própria vida. Aqui, perdoe-se-me. Não se pode pedir um tal sacrifício quando a desproporção de forças é enorme. O Exército Indiano juntou na Frente Goa, Damão e Diu, o que melhor tinha em homens e material, num contingente de 45 mil homens, para mais e não para menos. E com retaguarda próxima bem escudada em muitos milhares de soldados caso necessário. O Exército Português com pouco mais de dois mil combatentes espalhados pelas três frentes, mal armados e equipados, que pouco mais eram que símbolo de soberania. E com a sua retaguarda a milhares de quilómetros de distância. Aqui o Exército Português fosse qual fosse a sua atitude perante o adversário (inimigo) sairia sempre honrado. E o general Vassalo e Silva perante o que se lhe deparou, com coragem, tomou a única atitude possível. Cessar-fogo. A nossa grande aventura por terras tão longínquas tinha terminado. E não da melhor maneira. Mas foi a que pôde ser.
E o general Vassalo e Silva, e alguns dos seus subordinados, não mereciam o tratamento posterior. Razão tinha tido o Embaixador Marcello Mathias quando disse um dia, a Salazar, que a sair era preferível como na Praça de Mazagão.
5 – Mas também não aceito que, ainda hoje, a directiva de AOS seja tão criticada. Porque muitos anos antes outro homem de grande dimensão perante uma tão grande desproporção de forças dava precisamente a mesma directriz. Chamava-se Winston Churchill. Quando o Comando Militar Inglês de Hong-Kong pede instrucções perante o avanço japonês no II Conflito Mundial, Churchill não hesita e determina: “não pode haver qualquer ideia ou pensamento de rendição. Há que travar luta por todos os recantos da ilha”. Aqui Churchill é muito claro em que não admite que as forças inglesas se rendam. E para o Comandante Militar de Singapura a ordem vai ser ainda mais explícita: “Não pode haver qualquer pensamento de salvar tropas ou poupar população. A batalha tem de ser travada a todo o custo até ao seu fim amargo. Os comandantes e oficiais superiores devem morrer com as suas tropas. Está em causa a honra do Império Britânico e do Exército Britânico”. É muito doloroso o que estes dois Homens pediam às suas tropas. Mas não os podemos julgar por isto. Dois Homens que sentiam que o Tempo dos seus Impérios estava a chegar ao fim. E não queriam que esse Tempo fosse já. Pensavam que, talvez, por artes do destino, ainda fosse possível evitar o inevitável. Mas não era. Porque dois novos gigantes políticos e militares nasciam após a II Guerra Mundial: EUA e URSS. E eram eles que queriam o comando de um novo mundo que nasceria após 45. A Europa, a velha Europa, deixou-se apanhar. E foi palco de duas “guerras civis” que a deixaram exausta. Ontem como hoje. Hoje como ontem. E que ninguém se iluda. E no Estado da Índia nada valeu. Nem a NATO. Nem a velha de séculos Aliança Luso-Britânica. Custa…mas também temos de aceitar. E um dia fui surpreendido. Novo MNE na Índia.
Um tal Doutor Eduardo Faleiro. Nome bem português. Valha-nos isso.
6 – Mas nem só os nossos adversários não nos davam descanso. Em 62 os americanos voltam à carga. Mas, desta vez, mais de mansinho. JFK manda a Lisboa o Subsecretário de Estado George Ball para falar com Salazar. George Ball acumula três características extraordinárias que o recomendam para falar com o Chefe do Governo: é um homem de invulgar cultura, é um europeísta convicto e é um negociador nato. Três qualidades num homem só, perante outro homem de grande cultura, negociador experimentado e de profundas convicções políticas, reconhecidas tanto por amigos como por adversários. Sim. Também por adversários. Muitos dos que o ignoram publicamente, estudam e de que forma, o seu mando e a sua obra, até para com ele aprenderem uma certa “arte”. E que bem empregam nos dias de hoje. Mas mal. Porque aprendem mal.
Mas voltemos a George Ball. Encontro com Oliveira Salazar. E aqui a Cultura e a Política ao mais alto nível encontram-se. E convivem. E Ball quando o encontro termina, só lhe resta telefonar para Washington e transmite que afinal Portugal não era governado por um homem só mas sim por um triunvirato: Salazar, Vasco da Gama e Infante D. Henrique. Um significado: os valores que este líder encarna não são possíveis de serem modificados. Agora só o decorrer do tempo e muita paciência podem alterar o comportamento do aliado português.
7 – E só em 1965, precisamente em Setembro, os EUA voltam a insistir com Portugal. O Secretário de Estado americano e o Embaixador em Lisboa, o Almirante George Anderson, apresentam um plano ao MNE português Doutor Franco Nogueira. Segundo Norrie MacQueen (em A Descolonização da África Portuguesa) o plano não foi logo rejeitado por Salazar, e discussões prosseguiram entre Washington e Lisboa. Mas em Março de 1966 o lado português rejeitou-o, porque entendia que o chamado “Plano Anderson” apesar de muito bem elaborado, abria portas, que depois não podiam ser fechadas, mesmo com o auxílio dos americanos.
8 – E a vida continuava como habitualmente. Mas uma cadeira estava à espreita. Mal articulada. Em 1968. E o homem que nela se sentou para descanso, caiu, e nunca mais voltaria a ser o mesmo. E Salazar teve de ser substituído. E nem os maiores especialistas portugueses e americanos puderam fazer qualquer coisa por ele. E outro lhe sucederia. De grande dimensão. Mas também com idade e graves problemas de saúde familiares que o apoquentavam.
Era Marcello Caetano. A quem Américo Tomás confia a Presidência do Ministério. Com carta-branca para tudo. Apenas com uma advertência. Que se não fosse aceite, a nomeação não ia para a frente. O Ultramar não era passível de discussão ou cedências. Advertência acatada. Nomeação feita. As FA’s ficam sossegadas.
9- Mas, como em tudo na vida, há sempre um calcanhar de Aquiles. E tínhamos um. A Guiné. Governada e comandada por um militar de excepção. António de Spínola. O tenente-coronel de 61 era agora general e comandante-chefe em 68. E que, com o decorrer do tempo, mergulhado em decisões e contrariedades, que só homens excepcionais têm capacidade para enfrentar, como sejam a Operação Mar Verde (invasão da Guiné-Conakri) que não correu tão bem como era previsto, e o abate de aviões da FAP por mísseis SAM 7 (terra-ar) que indiciavam que o conflito na Guiné estava a mudar de escala, e que não possibilitavam apoio aéreo às operações no terreno. E resolve aceitar o diálogo com o Presidente Senghor do Senegal que, por várias vezes, mostrava vontade de ajudar Portugal para solucionar a questão da Guiné.
Senghor era homem de cultura superior e antigo deputado à Assembleia Nacional de França. E Spínola aceita ir secretamente conversar com Senghor, de forma a quebrar o impasse guineense. E uma confiança ilimitada nasce entre estes dois homens. E isto tem de ser transmitido a Lisboa. E ao Presidente do Conselho Marcello Caetano.
10 – Marcello ouve atentamente Spínola. Que deseja autorização para continuar as negociações com Senghor. Que lhe é negada. Perante isto Spínola contrapõe: a não haver negociações, pode estar em causa um colapso militar português na Guiné. Até porque as operações terrestres deixam de ter cobertura aérea de forma eficaz. E assim nada feito. Marcello mantém o que diz. Não a mais negociações. Mas acrescenta: prefiro uma derrota militar na Guiné, do que pôr em causa os territórios de Angola e Moçambique com essas negociações. Spínola não quer acreditar naquilo que ouviu. Uma coisa é uma derrota militar como na Índia em que dois Exércitos estão frente a frente. Outra coisa é acontecer às Armas Portuguesas o que aconteceu aos franceses em Dien Bien Phu, derrotados e aprisionados por guerrilheiros vietnamitas. E encarar como possível isso mesmo ao Exército Português às mãos dos guerrilheiros do PAIGC era de todo impossível de aceitar.
11 – Spínola parte para a Guiné. Deixa de acreditar em Marcello Caetano. E conta o que se passou aos seus militares de confiança. Com Marcello Caetano já nada era possível. A contagem decrescente começava para o Regime. A oficialidade portuguesa na Guiné começa a conspirar. Spínola não quer continuar e deseja ser substituído. E para Governador da Guiné e Comandante-Chefe vai outro militar de excepcional craveira: o general Bettencourt Rodrigues. E Spínola, com muitas ajudas, escreve Portugal e oFuturo. E é nomeado Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, cargo que nunca existiu. Contra a vontade do Presidente da República. Que diz a Marcello Caetano que se fosse necessária a sua assinatura para a nomeação não a teria. E em 1974 sai o livro do general António de Spínola. Marcello Caetano lê o livro de uma assentada. E sabe que um qualquer Golpe de Estado está em marcha.
12- E como escrevi no primeiro texto. Não foi um Abril; foram dois. Agora a 25 de Abril de 1974. Com Marcello Caetano e Américo Tomás postos em causa, e a partirem para o exílio. Mas aqui, e logo aqui, e nesse dia, com outro derrotado. Era o general António Sebastião Ribeiro de Spínola. Que se tivesse comandado logo tudo de início, e dando a cara, talvez o que pensava para Portugal pudesse ser equacionado. Mas ao deixar tudo por conta e risco do Movimento das Forças Armadas, e assumindo o comando político e militar só após negociações com o mesmo, logo ali tinha o destino marcado. Porque Spínola se estivesse atento, teria que contar com os “imponderáveis da política” no dizer do Professor Doutor Silva Cunha, e como não contou com eles, por ignorância, ou excesso de confiança, deixou logo evoluir um Golpe de Estado para uma Revolução. E se o livro tinha poucas hipóteses de colocar em marcha o que continha, então agora é que não tinha mesmo viabilidade. Digo eu. E sabemos como tudo terminou. Uma Descolonização como foi possível, no meio das clivagens políticas e militares das Forças Armadas. Com Spínola a sair em 30 de Setembro de 1974, porque a sua autoridade estava minada e condicionada. E que teve de sair à pressa do País em Março de 75. E com todo o tipo de desmandos só travados em Novembro de 75. Faz este ano também 40 anos. Com o Regimento de Comandos a assumir o papel dos Paraquedistas em 1961. Mas isso já é outra história da História e da Geopolítica. Já agora, e só para alguns…estudem com a “velha” Oposição Democrática. Com Ramada Curto, Hélder Ribeiro, Hernâni Cidade, Armando Cortesão, Nuno Simões, Lopes de Oliveira, Alberto Madureira e Cunha Leal. Em política interna, desacordo total com Salazar. Na defesa ultramarina, em especial no primeiro embate de 61, não hesitaram. O Ultramar tinha de ser defendido, e depois logo se via. Primeiro o essencial, depois o acessório. Como deveria ser nos dias de hoje. E acreditem. Com estes textos que hoje finalizo, apenas acrescentei um grão ou dois de areia às “praias” que outros construíram.
Base Documental e Investigação: Coronel Viana de Lemos; Embaixador Franco Nogueira; Embaixador José Calvet de Magalhães; Professor Doutor Adriano Moreira; Almirante Américo Thomaz; Mestre José Freire Antunes; Professor Doutor Marcello Caetano; Marechal António de Spínola; General Silvino Silvério Marques; General Kaúlza de Arriaga; Norrie MacQueen; AHM; (outros).