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A bem da Nação

E DEPOIS DA GERINGONÇA?

 

GERINGONÇA

 

Vários cronistas, sobretudo de esquerda, escreveram e disseram que Pedro Passos Coelho não deveria ter-se recandidatado à liderança do PSD após a “derrota” de 4 de Outubro - e apontam o exemplo de Paulo Portas, que se afastou do CDS.

 

Esta opinião enferma de dois problemas.

 

Em primeiro lugar, não é desinteressada.

 

Quando pessoas de esquerda dizem que Passos Coelho deveria sair, é obviamente porque acham que isso fragilizaria o seu partido.

 

O interesse dessas pessoas não é com certeza que o PSD se fortaleça…

 

E assim, os apelos à saída de Passos acabaram por beneficiá-lo – pois ninguém no seu juízo perfeito segue os conselhos dos adversários.

 

Em segundo lugar, Passos Coelho não ‘perdeu’ as eleições legislativas: ganhou-as.

 

Foi mesmo um dos raros líderes em todo o mundo que venceram eleições depois de terem prosseguido duras políticas de austeridade.

 

Argumenta-se que a maioria dos eleitores votou ‘contra’ a coligação PSD-CDS.

 

Ora, isso não é verdade.

 

Nas eleições legislativas não se vota ‘contra’ isto ou aquilo - vota-se ‘a favor’ disto ou daquilo.

 

Nos referendos é que se vota ‘sim’ ou ‘não’.

 

Nas legislativas, o princípio é outro: vota-se em partidos políticos e em programas – e, de caminho, no líder partidário que se deseja para primeiro-ministro.

 

Ora, em nenhum desses planos a direita perdeu: a força política vencedora foi a PàF, o partido que conquistou mais deputados foi o PSD e o líder com mais votos foi Passos Coelho.

 

Dizer uma coisa diferente é abusivo e pouco sério.

 

A afirmação de que das eleições saiu uma maioria de esquerda também não é verdadeira.

 

O que se diria, por exemplo, se o PS se tivesse aliado ao PSD e fizesse um bloco central?

 

Dir-se-ia, com toda a legitimidade, que o centro ganhou as eleições…

 

E até teria uma percentagem bem maior do que a actual ‘maioria de esquerda’.

 

A artimanha de dizer que a esquerda ganhou foi inventada para permitir a António Costa ser primeiro-ministro e permitir ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista ganharem influência governativa.

 

Num bloco central, António Costa não seria primeiro-ministro (seria Passos Coelho) e o PCP e o BE seriam perfeitamente irrelevantes.

 

Argumentam, finalmente, os comentadores ligados à esquerda que esta coligação vai durar quatro anos, até porque convém aos três partidos que a sustentam.

 

Isso é parcialmente verdade.

 

Enquanto as questões forem políticas, a coligação irá tapando os buracos e fugindo para a frente, como tem vindo a fazer.

 

Só que o principal problema desta maioria não é a política - é o Orçamento.

 

Quando passarmos do terreno das palavras para o terreno dos números, a habilidade política já não valerá de nada.

 

Quando se começar a perceber que o Orçamento não é cumprível – e Bruxelas já o percebeu –, quando os parceiros europeus apertarem ainda mais o cerco, quando os parafusos da geringonça começarem todos a ranger, não haverá artifícios que valham.

 

Repito: o Governo não cairá por razões políticas mas por razões económicas e financeiras.

 

E, quando a geringonça se desconjuntar, o poder acabará no colo de Passos Coelho.

 

É por isso que a esquerda o quer afastar.

 

A esquerda sabe que, pela imagem de responsabilidade que construiu, Passos Coelho é o líder mais bem posicionado para suceder a este desvario esquerdista.

 

A sua simples presença paira como um fantasma sobre o Governo.

 

Olha-se para ele e parece que ainda está ali o primeiro-ministro.

 

E depois, se ganhou as eleições com quase 39% após quatro anos de austeridade, que percentagem terá se este Governo cair prematuramente?

 

Dificilmente deixará de ter maioria absoluta.

 

Até porque, nessa altura, estará provado que a ‘alternativa’ à política que vinha a ser seguida por ele era uma miragem.

 

Julgo que o grande problema de Passos Coelho não será, pois, voltar a S. Bento - mas sim o que fazer para remediar os estragos feitos por esta maioria desconexa.

 

António Costa tem vindo a destruir tudo o que o Governo de Passos Coelho fez.

 

Até mete dó.

 

Como os talibãs, a maioria de esquerda, depois de tomar o poder, começou a derrubar implacavelmente o que estava feito, não deixando pedra sobre pedra.

 

Ora, quando voltar a ser primeiro-ministro, Passos Coelho terá o mesmo comportamento?

 

Espero que não.

 

Espero que tenha uma atitude mais civilizada.

 

Portugal não pode estar sempre, desgraçadamente, a voltar ao princípio.

 

Portugal tem de definir um rumo e segui-lo com firmeza.

  • A palavra ‘geringonça’, usada por Vasco Pulido Valente (e popularizada por Paulo Portas) para designar esta solução de Governo, já era usada no século XIX, embora o sentido não fosse bem o mesmo. Escrevia Ramalho Ortigão, n’As Farpas, em Janeiro de 1874: “Esta retórica trôpega, relaxada e senil dos deputados, não podendo criar uma língua forte e digna, deu o ser a um estilo especial de malandragem política, fez a gíria constitucional, a geringonça parlamentar, o calão burguês”.

 

14/03/2016

 

José Antonio Saraiva.jpg

 José António Saraiva

Observador

FRASE DO DIA

Numa entrevista publicada no fim-de-semana, Sócrates mostrou por que lhe tenho chamado 'o Vale e Azevedo da política'. Com uma diferença: Vale e Azevedo é mais educado.

 

 José António Saraiva (‘Sol’, 28 de Outubro, 2013)

E OS TOLOS APLAUDEM

 

Passos Coelho e Vítor Gaspar pediram mais tempo para baixar o défice, para pagar os juros da dívida e para cortar a despesa do Estado.

E deixaram cair a palavra maldita – ‘austeridade’ – e passaram a usar a palavra milagrosa – ‘crescimento’.

 

Eu percebo-os: estavam sozinhos.

 

Tinham contra eles todos os partidos da oposição, os sindicatos, os ‘senadores’ (de Mário Soares a Freitas do Amaral), os autarcas, alguns bispos, o CDS (que funciona com frequência como oposição dentro do Governo), os manifestantes que os perseguem por todo o lado chamando-lhes «gatunos», a maioria da comunicação social e os comentadores (inclusive muitos afectos ao PSD).

 

Este fenómeno dos comentadores é curioso.

 

Em Portugal, instalou-se a moda dos ‘políticos-comentadores televisivos’, isto é, dos políticos que, depois de deixarem a política ou estando momentaneamente fora dela, se dedicam ao comentário.

 

Os exemplos não têm fim: Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho, António Costa, Bagão Félix, António Capucho, Manuela Ferreira Leite, Francisco Louçã, Nuno Melo, Paulo Rangel, Sérgio Sousa Pinto, Ana Drago, eu sei lá!

 

E estes ‘políticos-comentadores’ têm uma limitação: nunca deixam de ser políticos.

 

De pensar como políticos.

 

E, nessa medida, também gostam de ser populares.

 

Assim, mesmo os comentadores sociais-democratas começaram, a partir de certa altura, a dizer que bastava de ‘austeridade’ e se impunha começar a falar de ‘crescimento’.

 

Eles sentiam que, se continuassem a dizer «Não podemos abandonar já a austeridade, temos de levar até ao fim a consolidação orçamental, é cedo para falar de crescimento», começavam a perder audiência e popularidade (tal como os políticos perdem votos).

Mas terão razão?

 

Julgo que não: é cedo demais para o Governo mudar de discurso.

 

E, além disso, é enganador e é perigoso.

 

É enganador, porque o crescimento não depende do Governo; não basta estalar os dedos para a economia começar a crescer.

 

É perigoso, porque as pessoas podem pensar que os tempos de austeridade já lá vão e que podemos voltar alegremente ao passado.

 

Ora, não podemos voltar ao passado.

 

O discurso do ‘crescimento’ foi o que Sócrates andou a fazer durante seis anos, com os resultados que se conhecem.

 

Além disso, vamos crescer com que dinheiro?

 

Só pode haver crescimento com investimento.

 

Ora, o que conseguiu atrair algum investimento estrangeiro nos últimos anos (como o prova o sucesso das privatizações, que renderam mais do que o previsto) foi precisamente o cumprimento do programa de austeridade.

 

Porque os investidores pensaram: «Eles estão a ganhar juízo! Vão finalmente pôr as finanças em ordem».

 

Foi isso que deu credibilidade ao país lá fora e atraiu capitais.

 

Um discurso oco, assente em sonhos de crescimento que não temos dinheiro para sustentar, não teria atraído ninguém.

 

Mas há outra razão para não ir por esse caminho.

 

É que Portugal e a Europa não mais voltarão a ser o que eram.

 

Porquê?

 

Porque a crise não é conjuntural, é estrutural; não é passageira, é permanente.

 

Houve muitas fábricas que emigraram da Europa (e dos EUA) para outras paragens, houve muitos serviços que emigraram para outras paragens, houve investimentos que emigraram para outras paragens – para o Oriente, para a América do Sul, para África – e, como consequência disto, o Ocidente passou a produzir menos, os rendimentos das famílias caíram e o número de postos de trabalho diminuiu drasticamente.

 

O progresso tecnológico também contribuiu para isso.

 

Na portagem de Estremoz, por exemplo, trabalhavam até há poucos anos três ou quatro pessoas. Hoje, as cobranças estão automatizadas e já não há portageiros. Essas pessoas foram para onde? E isto não se passou só em Estremoz: passou-se no país todo, em muitas centenas de portagens. E não se passou só na Brisa: passou-se em centenas de empresas. Na Autoeuropa, a maior parte do trabalho de montagem e pintura é hoje realizada por robôs.

 

Portanto, a Europa e Portugal jamais voltarão a ser o que eram.

 

E é esse discurso que os políticos e os comentadores responsáveis deveriam fazer.

 

Mas não fazem, porque perderiam votos e audiências.

 

Têm de fazer um discurso cor-de-rosa.

 

E isto conduz-nos a outra ideia, muito mais inquietante: será a democracia compatível com uma austeridade prolongada?

 

Será a democracia compatível com o definhamento das nações e a queda dos rendimentos das pessoas?

 

Se calhar não é.

 

O alargamento da democracia na Europa coincidiu com um período de crescimento económico sustentado, de desenvolvimento, de abastança, de implantação da sociedade de consumo.

 

Mas, se a economia começar regularmente a definhar, tudo poderá ser diferente.

 

Basta olhar para Itália: o político mais responsável, o menos demagogo, o mais credível, o que mais falou verdade durante a campanha eleitoral – Mario Monti – foi cilindrado nas urnas.

 

Simultaneamente, dois comediantes foram os grandes triunfadores: um de direita, Berlusconi, o outro de esquerda, Grillo.

 

Isto diz tudo sobre a ‘responsabilidade’ dos eleitorados em tempo de crise.

 

As eleições – que são a pedra de toque das democracias – foram transformadas numa triste palhaçada.

 

E assim a Europa irá escorregando para o abismo.

 

Por culpa das circunstâncias madrastas, mas também por culpa dos políticos, dos comentadores e dos jornalistas – que não têm coragem para explicar que o mundo mudou, que o passado de abastança não vai voltar, que temos de nos habituar a viver com menos dinheiro.

 

Com medo de perderem votos, audiências ou leitores, políticos e comentadores semeiam ilusões.

 

Fazem promessas que não podem cumprir ou tecem comentários com propostas inexequíveis.

 

E de dia para dia a revolta crescerá, como uma onda irracional decidida a engolir as instituições e a democracia.

 

E os tolos aplaudem.

 

11 de Março, 2013

 

 José António Saraiva

 

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