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A bem da Nação

TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE ARTIGO PUBLICADO NO "JORNAL DE ANGOLA" EM 27.06.14

 

Neste dia em que se celebram os 800 anos da Língua Portuguesa o Jornal de Angola associa-se à iniciativa de jornais de diversos países que publicam um texto sobre o futuro da nossa língua comum.

Os órgãos de comunicação social são instrumentos fundamentais de defesa da Língua Portuguesa e o Jornal de Angola tem feito um grande esforço para cumprir essa missão exaltante que é preservar um património cultural e vital que convive connosco pelo menos desde 1486, ano em que a armada de Diogo Cão subiu o rio Zaire até Matadi e iniciou relações oficiais com o Reino do Congo.

 

Quando os nossos antepassados tomaram contacto com a Língua Portuguesa ela era uma jovem de 272 anos. E foram os contactos com os diversos povos de África, Ásia, América e Oceânia que a que a mantiveram jovem, até aos dias de hoje. Angola dá um contributo especial a essa juventude perene, à sua renovação permanente, que a torna cada vez mais viva e especial.

 

Os primeiros vestígios do chamado “português tabeliónico” foram confirmados no galaico-português, veículo da mais bela e pura poesia trovadoresca, as Cantigas de Amigo. Desde então, a Língua Portuguesa ganhou personalidade própria e foi ferramenta fundamental de Bernardim, mestre Gil Vicente ou Camões, quando compôs aqueles que são dos mais belos poemas da Literatura Universal, na doce medida velha, para usarmos a feliz expressão do poeta, na definição da poesia que mergulhava as suas raízes nas cantigas de trovadores e jograis.

 

A maravilhosa aventura da Língua Portuguesa cruzou mares, subiu montanhas e soou nas “sete partidas”. O estádio supremo de uma cultura é o edifício da língua que lhe serve de veículo. O Português entrou há seis séculos em nossa casa e tornou-se membro da família. Ao chegar a África e logo a seguir à América (Brasil) e ao Oriente, encontrou o elixir da eterna juventude. É hoje falada por milhões de seres humanos em todo o mundo e adquiriu o perfume especial de cada povo que a fala e a adoptou como língua oficial.

 

Em Angola a Língua Portuguesa encontrou línguas africanas bem estruturadas mas ágrafas, na altura. Ao ser adoptada pelos nossos antepassados ganhou um ritmo diferente, sons melodiosos que a tornam única, bela e com uma amplitude extraordinária, mas igualmente mais complexa. Hoje o Português tem elementos das nossas línguas e um som que a torna única. O extraordinário neste convívio é que nunca os angolanos deixaram morrer as línguas africanas nem sequer as línguas falados por pequenas comunidades, de norte a sul do país.

 

Como a Língua Portuguesa nunca foi hegemónica, não matou as línguas africanas. Pelo contrário, ao longo de 528 anos, mais de cinco séculos, todas as línguas conviveram em harmonia e “contaminaram-se” mutuamente. E quando o Português foi adoptado por Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe como língua oficial, teve um papel importante na unidade nacional nestes países e não de conflitualidade.

 

O testamento do rei D. Afonso II (terceiro de Portugal) a suas irmãs, datado de 27 de Junho de 1214, marca o nascimento da Língua Portuguesa. São 800 anos de existência que exigem de todos os que falam português e dos países de língua oficial portuguesa especiais responsabilidades na sua defesa e preservação, o que seguramente não se consegue com o Acordo Ortográfico já ratificado por alguns países.

 

A adopção do Acordo Ortográfico por parte dos órgãos de informação portugueses causa-nos uma grande perplexidade, porque, ao mesmo tempo, ignoram a linguagem jornalística e as técnicas de construção da mensagem informativa. Quanto às técnicas de ancoragem, nem se fala, são pura e simplesmente ignoradas, numa olímpica falta de respeito pelos consumidores.

 

O Acordo Ortográfico é um instrumento para facilitar o comércio das palavras. Nada mais do que isso. Os órgãos de informação não são academias de linguistas e muito menos usam uma linguagem rebuscada. A nossa mensagem é directa, substantiva e afirmativa. Cabe nos nossos produtos a liberdade de captar certas formas de contar e expressões populares. Por vezes, esses materiais têm uma grande riqueza plástica. Mas a base de trabalho é sempre a Língua Portuguesa e disso não abdicamos, por muito popular que seja vender a ideia de que é preciso escrever nos jornais como se fala. Nunca desceremos ao nível de quem sabe pouco, tudo faremos para levar os nossos leitores ao nível dos que sabem mais.

Não passa pela cabeça de ninguém fazer um “acordo” para que os estilos próprios de cada povo sejam adoptados por todos os jornalistas de Língua Portuguesa.

 

A Língua Portuguesa tem de ser defendida pelos que a amam e conhecem profundamente. Sobretudo agora, que nos querem impingir um Acordo Ortográfico que pretende pôr os brasileiros a abdicar da sua doce medida, os portugueses da pátria de Pessoa, os angolanos das suas construções harmoniosas, os moçambicanos das laranjas de Inhambane, os cabo-verdianos da poesia crioula.

 

A Língua Portuguesa tem na sua diversidade a marca da eternidade. Quem hipotecar a sua língua ao difícil comércio das palavras tem de assumir essa responsabilidade perante todos os falantes de todas as latitudes. Nós rejeitamos o caminho de empobrecimento da nossa Língua Portuguesa.

 

Quanto mais não seja, em nome da unidade nacional.

PATRIMÓNIO EM RISCO


Editorial de 9 de Fevereiro de 2012 sobre o Acordo Ortográfico

"Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a discussão do tema na próxima reunião de Luanda.

A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante.

Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige.

Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam, ou às "leis do mercado". Os afectos não são transaccionáveis. E a língua que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa.

Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolenses da última metade do Século XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o grito "Vamos Descobrir Angola", deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única.

Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o português. Queremos continuar esse percurso e desejamos que os outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do "português tabeliónico" aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas.

Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.

Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.

Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas.

O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios. E também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que não dominam
correctamente o português.

Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota!

 

Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por saberem mais. O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!

Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados a saber mais. E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português. Falar é outra coisa. O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes.

 

Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é "contaminada" pela linguagem coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que, através de um qualquer acordo, ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras.

 

 

 

 

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