LIDO COM INTERESSE – 11 A
Título: “Bem-Aventurados os que Ousam! A Liberdade de Existir em Questão”
Autora: Isabel Abecassis Empis
Editora: Palavra
Edição: 1ª, Novembro de 2003
Se há boas badanas, a deste livro é disso exemplo. Dela retiro uma óptima apreciação: “(…) não é um livro sobre Psicanálise, embora se inspire na experiência da autora como psicóloga ao longo de mais de trinta anos. É um registo em tom confessional e bem-humorado sobre temas actuais e incontornáveis na sociedade dos nossos dias, que ao sabor da pena a autora vai desfiando: a religião, a sexualidade, a relação entre pais e filhos, os dogmas instituídos socialmente. Com uma escrita acessível, Isabel Abecassis Empis desconstrói preconceitos e desafia normas ao mesmo tempo que nos oferece um conjunto de reflexões sensatas e de um profundo humanismo sobre o que é estar vivo no mundo de hoje.”
Logo na introdução ficamos a saber onde a autora nos quer fazer chegar e sempre é agradável saber que essa meta consiste em:
«Transformar o mau em bom
Os obstáculos em oportunidades
As discussões em ocasiões de iluminação
A solidão em saber-se ser a sua própria companhia
As regras impostas em regras úteis
O inevitável em fonte de crescimento
(…)»
E se ao longo das páginas nos deparamos com a descrição de situações cheias de plausibilidade e sensatez, há frases que – por caracterizarem muito bem algumas situações tão nossas conhecidas – não resisto a transcrever:
«O que observamos na sala de espera de um centro de saúde ou de um consultório médico é ilustrativo. As pessoas competem pela doença e pelo sofrimento, suspiram, gemem e sem escutar o interlocutor até ao fim, interrompem e atropelam o seu discurso, clamando para si o primeiro lugar da doença, do sofrimento, da desgraça … “Isso não é nada, se a Sr.ª visse as varizes que eu tenho nas pernas … Olhe!” Ao que segue normalmente uma demonstração prática das partes doentes do corpo … e a outra: “Olhe, mas o meu marido teve muito pior! (…)» e assim sucessivamente até que alguém chame uma delas à consulta.
«(…) o sofrimento e a infelicidade têm sido confundidos com profundidade, seriedade, inteligência, humanidade, altruísmo, generosidade … enquanto que a felicidade e a alegria são muitas vezes conotadas como sinónimos de superficialidade, estupidez, egoísmo, frivolidade, falta de seriedade, irresponsabilidade, leviandade …
Como é possível o sofrimento e a infelicidade – que é doença – ser tão bom e felicidade e alegria – que é saúde – ser tão mau?
Esta classificação tem sido, no entanto, uma tentação nacional.
É importante entender que o refúgio na doença é uma forma corrente do ser humano chamar a si a atenção do outro, uma espécie de “regressão” à infância, época em que se ocupavam de nós. Ser doente é obrigar o mundo a ocupar-se de nós, obrigar quem está à volta a suprir as nossas necessidades, como quando ainda não éramos autónomos. Deste modo, uma pessoa chama a si a protecção do outro ficando no papel do protegido. Este comportamento liga-se, muitas vezes, a um sentimento de grande solidão interior, que existe quando uma pessoa ainda não aprendeu a ser a sua própria companhia e pensa que a força só lhe pode vir de fora de si mesma. A solidão é, sem dúvida, um dos factores que pode facilitar esta “tentação doentia” e prevenir a solidão pode ser o equivalente a prevenir a doença e o desejo (inconsciente) de adoecer. (…)»
O prazer de estar doente ...
Sem me dar ao luxo de grandes exageros, estou em crer que se este livro fosse lido por todos e cada um dos portugueses residentes em Portugal com alguma capacidade de interpretação de um texto escrito, o Serviço Nacional de Saúde não seria tão assediado por solitários neuróticos que vão regularmente aos Centros de Saúde preencher o vazio da vida que assumiram em laudatórias tristezas.
Lisboa, Outubro de 2006
Henrique Salles da Fonseca