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A bem da Nação

OS MEUS FILHOS

 

 

Os meus filhos, tal como qualquer português da diáspora, são os melhores quando vão para fora

 

Os meus filhos são portugueses de gema. Nasceram assim. Gostam de refilar, de futebol, de mar e ficam desvairados com tablets, computadores e telemóveis. Acham que as regras são meras indicações, tipo sinais de trânsito azuis e que o futuro a Deus pertence. Do que eles gostam mesmo é do presente. Gostam de festas, dos amigos, da família, de rir e de comer coisas boas a toda a hora. Gostam de ir, mas preferem voltar, porque em casa é que se está bem. Também têm muitas saudades e quando a vida lhes corre mal são fatalistas, dramáticos e melancólicos como o fado.

 

Os meus filhos não trabalham porque sim, como os alemães. Trabalham porque é preciso. E quando é preciso trabalham muito bem: quando estudam têm boas notas, quando querem dinheiro fazem o que for preciso. Mas não fazem nada que seja preciso fazer apenas porque sim, porque é preciso, como faz qualquer germânico. Um alemão não levanta as lusitanas interrogações: "Se eu não fizer, o que é que acontece? E o que é que eu ganho com isto?" Nem chega à portuguesíssima conclusão: "Se eu não fizer, alguém há-de fazer."

 

Eles fazem e pronto. Tipo máquinas. Para os meus filhos tem de existir uma razão, uma necessidade objectiva que os obrigue a suar ou a queimar as pestanas, e quando encontram uma razão, um motivo válido, um desígnio, são incansáveis. Descobririam mundos novos se fosse preciso e se ganhassem algum ouro com isso.

 

Em cada um dos meus filhos há um poeta. Todos eles têm interrogações sem resposta, medos que não têm explicação terrena e uma tristeza avassaladora quando são horas de ir para a cama. Se soubessem, escreveriam versos inquietantes e ritmados sobre a nostalgia da noite, todas as noites. Só lhes falta a técnica, porque o sentimento já o têm todo. Eles pensam mais do que fazem, fazem bem tudo o que gostam e gostam muito que não os chateiem.

 

A única coisa que une os meus filhos é o futebol. Tudo o resto os desune – passam os dias a discutir, a disputar atenção, a televisão, o computador, etc. Eles não têm qualquer espírito de comunidade e só arrumam a metade do quarto que lhes pertence. Tudo o que sejam espaços comuns, não é com eles. São comuns, por isso não são de ninguém e nada do que lá se passa é com eles (se a minha casa fosse uma floresta, ardia todos os Verões).

 

Os meus filhos quando vão para fora são outros e transformam-se nos filhos que qualquer pai gostaria de ter. Em casa dos outros são os meninos perfeitos: ajudam, arrumam, não discutem e revelam-se as crianças mais bem-educadas do planeta. Os meus filhos, tal como qualquer português da diáspora, são os melhores quando vão para fora.

 

Mas aquilo que os torna verdadeiramente portugueses é o desenrascanço. São peritos na arte do desenrascanço e da engenhoca. Como não levam o futuro a sério, porque o futuro ou pertence a Deus ou pertence aos pais, não é nada com eles, os meus filhos não sentem qualquer necessidade de planear o que quer que seja ou de organizar alguma coisa. E vão fazendo como calha. Adaptam qualquer brinquedo às necessidades da brincadeira do momento, estudam na véspera dos testes e encontram atalhos para tudo. E depois logo se vê.

 

Logo se vê é o lema da minha criançada.

 

É assim há 900 anos.

 

 Inês Teotónio Pereira

 

OS MEUS FILHOS SÃO SOCIALISTAS?

 


Não sei se são só os meus filhos que são socialistas ou se são todas as crianças que sofrem do mesmo mal. Mas tenho a certeza do que falo em relação aos meus. E nada disto é deformação educacional, eles têm sido insistentemente educados no sentido inverso. Mas a natureza das criaturas resiste à benéfica influência paternal como a aldeia do Astérix resistiu culturalmente aos romanos. Os garotos são estóicos e defendem com resistência a bandeira marxista sem fazerem ideia de quem é o senhor.

Ora o primeiro sintoma desta deformação ideológica tem que ver com os direitos. Os meus filhos só têm direitos. Direitos materiais, emocionais, futuros, ambíguos e todos eles adquiridos. É tudo, absolutamente tudo, adquirido. Ele dão como adquirido o divertimento, as férias, a boleia para a escola, a escola, os ténis novos, o computador, a roupinha lavada, a televisão e até eu. Deveres, não têm nenhum. Quanto muito lavam um prato por dia e puxam o edredão da cama para cima, pouco mais. Vivem literalmente de mão estendida sem qualquer vergonha ou humildade. Na cabecinha socialista deles não existe o conceito de bem comum, só o bem deles. Muito, muito deles.

O segundo sintoma tem que ver com a origem desses direitos. Como aparecem esses direitos. Não sabem. Sabem que basta abrirem a torneira que a água vem quente, que dentro do frigorífico está invariavelmente leite fresquinho, que os livros da escola aparecem forradinhos todos os anos, que o carro tem sempre gasolina e que o dinheiro nasce na parede onde estão as máquinas de Multibanco. A única diferença entre eles e os socialistas com cartão de militante é que, justiça seja feita, estes últimos já não acreditam na parede, são os bancos que imprimem dinheiro e pronto, ele nunca falta.

Outro sintoma alarmante é a visão de futuro. O futuro para os meus filhos é qualquer coisa que se vai passar logo à noite, o mais tardar. Eles não vão mais longe do que isto. Na sua cabecinha não há planeamento, só gastamento, só o imediato. Se há, come-se, gasta-se, esgota-se e depois logo se vê. Poupar não é com eles. Um saco de gomas ou uma caixa de chocolates deixada no meio da sala da minha casa tem o mesmo destino que um crédito de milhões endereçado ao Largo do Rato: acaba tudo no esgoto. E não foi ninguém?

O quarto tique socialista das minhas crianças é estarem convictas de que nada depende delas. Como são só crianças, acham que nada do que fazem tem importância ou consequências. Ora esta visão do mundo e da vida faz com que os meus filhos achem que podem fazer todo o tipo de asneiras que alguém irá depois apanhar os cacos. Eles ficam de castigo é certo (mais ou menos a mesma coisa que perder eleições), mas quem apanha os cacos sou eu. Os meus filhos nasceram desresponsabilizados. A responsabilidade é sempre de outro qualquer: o outro que paga, o outro que assina, o outro que limpa. No caso dos meus filhos o outro sou eu, no caso dos socialistas encartados o outro é o governo seguinte.

Por fim, o último mas não menos aterrorizador sintoma muito socialista dos meus filhos é a inveja: eles não podem ver nada que já querem. Acham que têm de ter tudo o que o do lado tem quer mereçam quer não. São autênticos novos-ricos sem cheta. Acham que todos temos de ter o mesmo e se não dá para repartir ninguém tem. Ou comem todos ou não come nenhum. Senão vão à luta. Eu não posso dar mais dinheiro a um do que a outro ou tenho o mesmo destino que Nicolau II. Mesmo que um ajude mais que outro e tenha melhores notas, a "cultura democrática" em minha casa não permite essa diferenciação. Os meus filhos chamam a esta inveja disfarçada, justiça, os socialistas deram-lhe o nome de justiça social.

A minha sorte é que os meus filhos crescem. Já os socialistas são crianças a vida inteira.

 

 Inês Teotónio Pereira

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