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A bem da Nação

BOM DIA

Hoje, desci à parada

para ouvir

o acordar da passarada

e do meio de tanta algazarra

saltou uma ordem de não sei quê

a que se seguiu um instante de silêncio.

«Rapaziada» bem mandada,

pensei eu.

Mas logo de seguida

volta a gritaria da alegria de viver.

São eles melros, pardais e outros que tais…

E o Sol nasceu, a passarada, acordada, voou

até que o último «piu»

se confundiu com o «mio»

do gato local que por ali passou.

Deste, não lhe ouvi as pégadas a bater na calçada

nem sequer o restolhar nos canteiros das flores

mas vi-o e senti-o quando

me veio cumprimentar

a roçar-se nas minhas pernas

e a agradecer a cama nova

que lhe pus na casota ali ao canto do jardim.

E foi assim,

nesta paz serena de limites definidos,

que me lembrei de que nem sempre

os pássaros cantam livres,

os gatos se roçam nas nossas pernas

e o homem cofia os bigodes tranquilamente

sem pensar que possa estar

na mira da espingarda de alguém.

E o gato lá foi às sopas da vizinha…

E eu, bigodes cofiados,

dei meia volta,

subi a escadaria

e fiz-me ao dia.

BOM DIA!

A «CATITA» E A RAMONA

Ramona é como se chama aos carros em que a Polícia transporta aqueles que mantém à sua guarda e Catita é uma macaquita de tamanho nem grande nem pequeno, deve ter cerca de meia dúzoa de quilos, não mais.

A cena passou-se em Março de 2015 na floresta sobranceira ao lago de que se abastece Cochim[i], a cidade capital do Estado do Kerala no sudoeste da Índia.

Atravessando a pé a dita floresta para chegarmos ao ancoradouro onde o barco nos esperava, íamos acompanhados por um bando de macacos que sabiam que alguém lhes haveria de dar daquelas bananas pequenas que se vendem no sítio onde os autocarros deixam os turistas. E é um gozo ver a macacada aos saltos e aos guinchos a pedir bananas. Mas há uma macaca maneta da direita que tem muita dificuldade em descascar as bananas e os outros macacos não hesitam em lhas roubar enquanto ela não consegue comê-las. E a pobrezinha desespera e guincha com a perda do petisco. Tive pena dela e decidi protege-la. Deixou-me pegar-lhe ao colo e fiz menção de tirar as bananas que tinha no bolso mas os outros macacos começaram a rodear-me e achei melhor chegar-me junto do carro da Polícia que estava ali na berma da estrada. Só que a macacada não respeitava a Autoridade e, mesmo do tejadilho do carro, me tentavam sacar as bananas. E eu, sempre com a macaca ao colo, via a minha vida a andar para trás apesar da ajuda que os dois ou três polícias me davam a tentar afastar a bicharada. Até que um deles me convida a entrar no carro para poder levar a cabo a minha boa acção. Assim foi que me vi metido numa ramona indiana acompanhado duma macaca a quem queria dar bananas. E dei! Eram três bananitas pouco maiores do que um polegar que ela comeu avidamente. No fim, atirei as cascas pela janela e, quando o bando viu que já não havia nada para ninguém, dispersou. Então, com muita pompa e circunstância, os polícias abriram a porta da ramona e Sua Excelência e eu pudemos sair em segurança. Já no chão e satisfeita com o petisco, começou a afastar-se mas, a pouca distância, virou-se, fez uma grimace e eu tenho a certeza de que aquilo foi um sorriso de agradecimento. Virou costas e lá foi ela toda catita à sua vidinha…

E porquê tanta diligência policial para comigo com uma macaca maneta ao colo? Pois não sei exactamente mas, na mitologia hindu, o deus macaco Hanuman, o das causas difíceis, ajudou Rama, o Deus supremo, a combater Ravana, o demónio.

Também eu, depois de apanhar as cascas das bananas e de as deitar num caixote de lixo,  agradeci aos polícias a quem esbocei uma continência e segui para o ancoradouro. Navegámos agradavelmente pelo lago cheio de recantos lindissimos. Acabado o passeio, eis que a avó Graça se começa a queixar de uma dor na perna direita e a ter dificuldade extrema em subir do ancoradouro para a margem e, daí, mais um quilómetro através da floresta dos macacos até ao autocarro que nos levaria ao hotel uns cinco quilómetros lá para a frente…

Mas agora pode ter sido Hamunan a agradecer e pôs os solícitos polícias ali mesmo a dez passos de distância que, vendo o sofrimento da avó, se prontificaram a levar-nos ao hotel. Eis como, num só dia, por evidente amabilidade policial, me vi metido duas vezes numa ramónia indiana. Chegados ao hotel, continência à séria e não apenas esboçada ao que eles corresponderam de igual modo e, mais, puseram as mãos na típica saudação de agradecimento.

O que dá ser amigo da «Catita», uma macaquita maneta…

Janeiro de 2021

Henrique Salles da Fonseca

 

[i] - Foi em Cochim que morreu Vasco da Gama na véspera do Natal de 1524

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