Por vezes, fica a impressão de que as sociedades escolhem o suicídio de forma livre e consciente.
Portugal tem sido particularmente assíduo neste guichet.
Reparem numa coisa: num passado ainda recente, um português podia começar a trabalhar aos 12 ou 13 anos. Excessivo? Sim. Mas, de repente, passámos do 8 ao 80 e diabolizámos o ensino profissional que dava a chave do mercado de trabalho a jovens de 17 anos que queriam começar cedo a vida adulta. O meu irmão, por exemplo, começou a bulir aos 17 anos e ainda me lembro dos olhares de reprovação. Parecia que só se podia começar a trabalhar aos 25 ou ainda mais tarde. Ora, a sociedade que recusava o início da vida adulta aos 17 era a mesmíssima sociedade que achava bem que as pessoas se reformassem aos 55 ou 60. Em 2012, cerca de 55% dos reformados da função pública tinha menos de 60 anos.
Repare-se na concepção de sociedade que estava aqui em cima da mesa: apenas 30 anos de trabalho entre os 25 e os 55 e a ideia de que a reforma tinha de chegar cedo. Pior: partia-se do pressuposto de que uma pessoa de 50 anos já estava no final da vida activa.
Isto talvez fosse verdade na geração dos meus avós, mas hoje em dia é um absurdo. Com os avanços médicos e a evolução social das últimas décadas, a velhice não chega aos 50 anos. Aos 50, o trabalhador pode estar entediado, mas tédio não é doença incapacitante. Como seria de esperar, esta esquizofrenia que adiava a chegada do jovem e que antecipava a saída do entradote teve consequências desastrosas.
Em primeiro lugar – sem acesso a um ensino especializado, centenas de milhares de jovens limitaram-se a "andar por aí" sem qualquer interesse pela escola e, em consequência, acabaram por cair no mercado de trabalho não-especializado.
Em segundo lugar – a segurança social e a CGA estão cheias de reformados que ainda estão na casa dos 50 ou 60 anos.
Em terceiro lugar – a sociedade passou a considerar que alguém de 40 ou 50 "já é velho" para recomeçar num segundo emprego.
E este é talvez o drama maior, um drama que é o acto final do teatro do absurdo: somos uma sociedade envelhecida, não temos crianças, os jovens são e serão cada vez menos mas exigimos que adiem a entrada na vida adulta até aos 25 ou mais, temos centenas de milhares de desempregados entre os 40 e 60 mas ninguém contrata estas pessoas porque são consideradas velhas.
Sim, isto é um suicídio em câmara lenta devidamente sublinhado pela banda sonora melada da modernidade.
Por que é que as pessoas roubam? Ou melhor, por que razão começam algumas pessoas a roubar como forma de vida? Por que razão a vidinha do crime, mais ou menos organizado, passa a ser uma opção?
A explicação dada pelo ar do tempo é sempre económica. Diz-se que as pessoas roubam porque têm fome, porque sentem necessidades, porque são pobres, porque não têm oportunidades. Esta explicação sempre me irritou. Nasci pobre, cresci em bairros populares, estou certo de que serei sempre um pé-rapado, conheci vários trafulhas mais ou menos profissionais e mais ou menos desdentados, mas nunca conheci ninguém a roubar por necessidade.
Como é óbvio, as pessoas que desenvolvem a desculpa economicista do larápio nunca foram pobres e nunca frequentaram bairros do povo, aliás, estou desconfiado que começam a sentir falta de ar logo ali na Calçada de Carriche. É por isso que não percebem que este raciocínio é um insulto a quem nasceu pobre. Porquê? Porque estabelece uma relação de causa-efeito entre um conceito económico (pobre) e um conceito moral (roubar), ou seja, assume que pobre é sempre um ladrão em potência.
Nunca encontrei, repito, esta associação imediata entre pobreza e ladroagem. Além disso, alguém me explica por que razão muitas betinhas são apanhadas a roubar lojas de roupa e quejandos? Alguém me explica o crime de colarinho branco? Alguém me explica a alta ladroagem também conhecida por corrupção ou isso-é-um-banco-demasiado-grande-para-cair?
A resposta, portanto, só pode ser psicológica e imaterial, as causas são morais e não materiais, estão na cabeça e não na carteira.
Neste sentido, vale a pena olhar para três portas diferentes.
Em primeiro lugar, a vida de gatuno é um desafio à inteligência. Quem é muito inteligente sente sempre um fascínio pela vidinha do crime, porque a recompensa é mesmo essa: mostrar a superioridade de uma cabeça, assumir o estatuto do tipo mais esperto do pedaço, «pá, eu roubo porque posso».
Em segundo lugar, roubar dá poder, gera uma tribo à volta do líder. Na Póvoa do antigamente, perdi a conta aos líderes históricos dos gangues, pequenos reis que andavam à procura não de dinheiro, mas de respect. Não queriam trocos, queriam território.
O grande motivo, porém, não está nem na inteligência nem no poder. Está, isso sim, na impunidade moral, ou melhor, na impunidade amoral. Tive o distinto prazer de conversar e partilhar pires de tremoços com uma série de bandidolas e todos partilhavam um ponto: a glorificação da impunidade, o prazer que sentiam por estarem acima do bem e do mal, sentiam-se pequenos deuses quando percebiam que os seus actos imorais eram invisíveis aos olhos da lei. A impunidade é o lado negro da força mesmo para um trafulha sem sabre de luz.
O chefão da filosofia ocidental, Platão, percebeu este ponto. Logo no início, A República confronta-nos com a metáfora do anel de Gyges, um anel que torna as pessoas invisíveis (sim, Tolkien furtou Platão). Se somos invisíveis, se ninguém vê os nossos actos, o caminho para a impunidade está aberto, porque fazer o bem passa a ser única e exclusivamente uma escolha moral e não uma imposição legal. Rico ou pobre, ninguém pode dizer que está livre desta tentação, ninguém pode dizer desta água não roubarei.
Tem nome de general da Wehrmacht, mas Ursula Von der Leyen é capaz de ser a coisa mais fofa inventada pela Alemanha depois dos Playmobil. Esta política da CDU prepara-se para liderar o ministério da Defesa e, no governo anterior, foi Ministra do Trabalho e Assuntos Sociais. Nesse cargo, destacou-se na defesa da família e das crianças numa sociedade marcada pelo envelhecimento e por uma taxa de natalidade que parece o Mad Max. Neste ponto, porém, o seu exemplo é mais importante do que qualquer política. É que Úrsula Von der Leyen tem sete filhos. O futuro está aqui, o futuro da Europa tem de passar por Úrsula.
Não, não estou a dizer que as europeias devem ter sete filhos. Não, a mulher não pode voltar ao cargo de coelhinha parideira dos sonhos molhados do salazarismo. Mas é preciso encontrar um novo equilíbrio entre pais, mães e sociedade em geral. Não sei se repararam, mas nós, europeus, estamos a morrer. E não me venham com a conversa da crise, porque o inverno demográfico começou muito antes de 2008. Tal como Von der Leyen tem defendido, o problema é mental e cultural. Para começar, importa anular a falácia que coloca o papel de mãe em confronto com o papel de mulher de sucesso. Apesar dos sete filhos, esta Merkel gira é obviamente uma mulher de sucesso. Para compreendermos este ponto, talvez seja interessante colocar a Europa debaixo da outra perspectiva ocidental.
Devido a uma deslocação profissional do marido, Úrsula viveu uma temporada nos EUA. Nas entrevistas de emprego, os americanos perguntavam-lhe sempre sobre actividades extra CV, se trabalhava em associações voluntárias, se tinha filhos. Resultado? "Deram-me cargos por ter filhos", diz Úrsula. "Na Europa só me dariam esses cargos se não tivesse filhos".
Ela tem razão. Conheço demasiadas portuguesas que sofreram dois tipos de ameaça: foram intimadas a não engravidar pelo patrão ou mesmo pela chefe de repartição pública, ou foram despedidas depois do nascimento do bebé. Um dia destes, irei obrigar todas estas pessoas a prestar declarações em on, porque esta vergonha tem de acabar. Estes chefes são os grandes coveiros do país. Não, os grandes carrascos de Portugal não são os governos, os sindicatos e corporações. O grande sacaninha da pátria é mesmo aquele chefe, privado ou público, que diz a uma rapariga de 28 anos "olhe, não queremos cá bebés, está bem?". Além de imoral, o sacaninha é burro. Como bem explica Úrsula Von der Leyen, uma mulher com vários filhos é provavelmente o melhor trabalhador do mundo.
Educar várias crianças ao mesmo tempo cria um cérebro flexível, rápido, eficiente e maduro emocionalmente.
Escrevi há pouco que "Úrsula tem sucesso apesar dos filhos". É uma imprecisão. Esta mulher tem sucesso porque tem filhos.
Caro leitor, a história é tão boa que até parece mentira. Num dos Kansas desta vida, Oregon, uma americana comprou um brinquedo made in China e, entre o brinquedo e aquele irritante plástico que cobre todos os brinquedos, encontrou uma carta de um escravo chinês escrita em inglês partido. A carta denunciava um campo de trabalhos forçados (Masanjia), que, na verdade, é uma fábrica de brinquedos e demais bugigangas que compramos aos chineses. Nesta fábrica-prisão, os escravos do regime chinês (prisioneiros religiosos, sobretudo) têm de trabalhar quinze horas todos os dias e são submetidos a espancamentos, torturas e outras actividades lúdicas deste Gulag fabril. Como você pode calcular, caro leitor, cheguei a pensar que esta história só podia ser invenção de uma dona de casa desesperada, mas não é. Há dias, a CNN encontrou o homem que enviou a carta – o Senhor Zhang. Aliás, Zhang enviou vinte cartas em vinte brinquedos, como um náufrago a colocar vinte bilhetinhos no gargalo de vinte garrafas vazias.
Tudo isto é muito triste, sim senhora, mas vai mudar alguma coisa na nossa relação com a China? Não, não vai. E não me venha com o lero-lero do "capitalismo", do "sistema capitalista que provoca estas desumanidades". O "sistema capitalista" é V. Exa., caro leitor. É você que vê a indústria como uma actividade vil e mecânica, coisa de pobres mascarrados, coisa de chinocas, nós é mais bolos e serviços, não é verdade? É você que rejeita viver numa sociedade virada para a poupança e não para o consumo imediato. É você que vê a poupança como uma infracção intolerável ao seu modo de vida. É você que vê o crédito como uma espécie de direito adquirido. Sim, é você que alimenta as fábricas horrendas da China, não é o "capitalismo".
A conversa do boicote aos produtos chineses é uma ladainha inconsequente, porque você não mede aquilo que está a dizer. Quando quer uma televisão, o consumidor ocidental, no Oregon ou em Ourém, vai até à loja mais próxima e compra um aparelho ao preço da chuva. A televisão é barata porque foi produzida na China; se tivesse sido produzida no Ocidente, não custaria 300 euros mas sim 1000 euros. Ou seja, era necessário que a Keith de Oregon e a Cátia de Ourém aprendessem o conceito de poupança antes do lançamento do tal boicote à China.
Ora, como você bem sabe, meu caro leitor, poupar transformou-se num verbo maldito, quase proto-fascista. Eu estou pronto para boicotar os produtos chineses porque vivo em poupança, porque vivo em austeridade. E você? Está pronto?
Foragido da prisão há oito anos (assaltava velhinhas), Sandro decide roubar um armazém. Para o efeito, leva uma carrinha branca com o filho menor no banco do pendura. Como se sabe, os putos são bons para carregar coisas. À porta do armazém já assaltado, um GNR, Hugo Ernano, manda parar a carrinha. Sandro não está pelo ajustes, carrega no acelerador, tenta passar por cima do polícia, foge em alta velocidade. Hugo Ernano entra no carro de serviço, conduzido por um colega, começa a perseguição. Na proximidade de uma Casa do Gaiato cheia de meninos àquela hora, Ernano decide tentar imobilizar a carrinha com a pistola de serviço. Atira dois para o ar, e um para a roda esquerda. Apesar do embate, a carrinha continua. De seguida, Ernano decide atirar sobre a roda direita. Problema? Com o movimento do carro, os tiros sobem e atingem o filho do assaltante que ia no lugar do pendura, o lugar do morto. Perante este cenário, qual foi a decisão da excelsa justiça portuguesa? Um tribunal de Loures decidiu prender o polícia (nove anos) e dar uma indemnização de 20 mil euros ao assaltante devido à morte do filho. A parte relativa à indemnização é aberrante, a parte relativa à prisão do GNR é mais do que criticável.
Comecemos pela aberração. A indemnização é um insulto a qualquer código moral. Um bandido que transforma o filho no compincha de um assalto não pode receber 20 mil euros quando esse filho morre no decurso do assalto. A trágica morte da criança só podia agravar a pena inicial (2 anos por roubo) do pai, o grande responsável pela tragédia. Isto é tão absurdo, que até parece piada. Os nossos magistrados estão tão afastados da moral comum, que julgam impura e conspurcada pelo povinho, que acabam por produzir estas aberrações éticas.
Estamos a falar da magistratura que é incapaz de prender um indivíduo que espanca um bebé.
E o que dizer da prisão do GNR? Bom, é certo que o agente em questão tem um historial de abusos. As leis que limitam o poder policial existem precisamente para proteger a sociedade destes excessos. Tenho amigos polícias em diversos departamentos. Quando começam com queixas relativas à burocracia e não sei quê, a minha reacção é sempre a mesma: num estado de direito, o trabalho da polícia deve ser complicado; se queres trabalho fácil, emigra para um estado policial. Eu não quero nas ruas de Lisboa uma polícia como o Bope, que atira para matar, que transforma o criminoso num inimigo. Mas também não quero esta magistratura portuguesa que queima de forma ideológica a autoridade da polícia. Nem um 8 marcial nem um 80 queridinho. Num país que dá penas suspensas a pedófilos, prender um polícia desta forma é um acto mais do que criticável. Tal como escreveu a juíza-presidente (que votou vencida), Hugo Ernano não teve intenções homicidas; revelou, no máximo, incompetência policial. Devia ser criticado, até podia ficar suspenso durante x meses, mas nunca devia ter sido tratado como um criminoso.
Voltamos sempre ao mesmo: à justiça da ditadura, que tinha duas espadas, seguiu-se uma justiça com duas balanças.
Estado social. Inventada pela direita no século XIX (Bismarck), esta ideia generosa vive dias de farsa no início do século XXI. Na sua concepção original, o estado social servia apenas os mais pobres, era uma forma de manter a sociedade unida, sem que ninguém ficasse de fora, sem que ninguém caísse na indignidade. Era uma rede, não um modo de vida. Era uma ajuda, não um BPN de privilégios inflacionados. Ora, após século e meio de praxis, podemos dizer que a ideia está muito longe da concepção original. É preciso regressar à base, tal como referiu o Rei da Holanda. Por toda a Europa, o estado social é usado por grupos privilegiados da classe média. Basta olhar para Portugal.
Quem é que faz manifs e greves? São os "pobres" e os desempregados? Não. As greves são usados pelos sindicatos do sector ultra-protegido dos transportes públicos e pelos diferentes sectores da função pública, a parte da sociedade que está constitucionalmente protegida contra o desemprego. Portanto, os indignados são aqueles que estão no topo, não na base, dos privilégios concedidos pelo estado social. Repare-se, por exemplo, na greve do Metro de hoje. Os trabalhadores do Metropolitano recebem salários muito acima da média nacional, têm regalias impensáveis em qualquer outro sector, mas fazem greve quase todos os meses. Não estão a defender direitos inerentes ao estado social, estão a defender privilégios que conseguiram impor a este estado social farsante.
A história das pensões de viuvez é outro exemplo. Viúva não é escalão do IRS.
Num país onde a média das pensões ronda os 400 euros, viúvas com reformas abonadas não podem receber um suplemento. É injusto. A senhora x deve receber a "pensão de sobrevivência" se a sua dignidade ficar em risco após a morte do marido. Mas, se recebe uma reforma de 1000, 1500 ou 2000 euros, a dignidade da senhora x não fica afectada num país onde o salário mínimo não chega aos 500 e onde o salário médio está entre os 800 e os 900 euros. Na verdade, esta ideia justa (apoiar a viuvez) está a ser deturpada por milhares de abusos. Já conheci "pensões de sobrevivência" superiores à reforma combinada dos meus padrinhos. Ou seja, além de reformas abonadas bem acima dos 2000 euros, as senhoras y e w tinham um bónus de viuvez superior a 600 euros. Que justiça social é esta? E quantas viúvas continuam a ser viúvas mesmo depois de viverem décadas com um segundo marido?
Para se proteger quem realmente precisa, é necessário impor um tecto máximo a partir do qual a senhora x não tem direito a pensão de viuvez. Não é uma questão financeira, é uma questão de moral pública. O único debate aceitável está na definição do valor do tecto. Sempre considerei que o valor oscilante do salário médio (não o mínimo) é um bom início de conversa.
Na sua primeira encíclica (Lumen Fidei), Francisco I seguiu a herança central do seu antecessor, isto é, atacou de frente a arrogância do racionalismo que julga possuir a capacidade de autonomizar o homem em relação a qualquer ética transcendente, em relação a qualquer exigência exterior ao "eu" moderninho e pós-moderninho.
Numa atmosfera cultural saturada de imanência (decretos legais e sentenças científicas chovem todos os dias), Francisco I escreveu aquilo que tinha de escrever enquanto líder da Igreja: existe uma transcendência acima do aqui e agora, acima das leis, acima da ciência. Sim, transcendência. Sim, Deus. Se tiverem problemas com a palavra Deus, usem a expressão Direito Natural para disfarçar o incómodo.
O Direito Natural é a pastilha Rennie da teologia
O pensamento clássico presente nesta encíclica não é um comunicado interno para os claustros. É uma interpelação para o exterior, para a Cidade. É, aliás, uma aula de história e de filosofia. Explico porquê. Na esfera moral, um racionalismo sem qualquer noção de transcendência acaba por fazer coisas imorais; deixada sozinha no galinheiro, a ciência pode cair num poço sem fundo, basta pensar na fronteira da genética. Na esfera política, uma razão meramente mecânica aceita de forma acrítica aquilo que existe, revelando a incapacidade positivista para desafiar a realidade. Exemplos? Positivistas do início do século XX diziam que a legitimidade de um regime não depende da sua moral mas da sua sobrevivência. Se sobreviver durante muito tempo, fica provado que regime x é legítimo. A Coreia do Norte é, portanto, legitima. Bonito, ah? E deveras científico. Mais exemplos? O direito português é insuportavelmente positivista. Foi, é e continuará a ser uma escolinha de gestão jurídica daquilo que existe. Pior: o comentário político que nasceu nesta tradição de direito, o comentário à Marcelo, é uma mera gestão do status quo, sem qualquer proposta de mudança normativa. Esta é a parte da filosofia. Falta a parte da história.
Num dos momentos mais pertinentes da encíclica, o Papa argentino recorda o choque entre São Paulo e os fariseus, "a discussão sobre a salvação pela fé ou pelas obras da lei". São Paulo rejeitava a "atitude de quem se quer justificar a si mesmo diante de Deus através das próprias obras". Na esteira de Paulo, Francisco I afirma que "quem actua assim, quem quer ser fonte da sua própria justiça" acaba mal.
Neste sentido, os fariseus são a metáfora perfeita da modernidade assanhada que quis substituir a fé pela fé na razão, que quis substituir o Direito Natural pelo endeusamento do direito positivo. Qual foi o erro desta modernidade cafeinada? Ao rejeitar a transcendência do Direito Natural, assumiu-se que o direito só podia ser positivo, assumiu-se que a noção de justiça só podia ser determinada pela vontade política. Um erro evidente: os homens falam recorrentemente em "leis injustas" e este julgamento parte sempre - explícita ou implicitamente - de um padrão de justiça que não depende da atmosfera do momento, dos políticos ou sequer da legislação do momento. O direito positivo não é sinónimo de bem ou verdade. Eis, portanto, a lição de história: a modernidade matou milhões através do comunismo e fascismo, as vanguardas modernas, porque libertou os políticos de qualquer travão moral, porque libertou a política de qualquer transcendência independente da imanência humana, porque destruiu o padrão de justiça universal que impõe os direitos inalienáveis do indivíduo, os direitos que não dependem da vontade do poder político. Este padrão universal pode ser apelidado de Direito Natural, sim senhor, mas isso é só uma forma de evitar a palavra proibida: Deus.
Um professor dá aulas e Mário Nogueira não dá aulas há mais de 20 anos. Parece mentira, mas este senhor está num perpétuo horário zero há duas décadas. A sua "carreira" docente conta com 32 anos de serviço, mas, na verdade, o Glorioso Líder da Fenprof só deu aulas nos primeiros 10 anos de vida profissional. Os últimos 22 anos foram dedicados ao sindicalismo profissional. Não, Mário Nogueira não é professor, é sindicalista. O que me leva a uma pergunta óbvia: como é que alguém que não dá aulas há vinte anos pode representar com realismo as pessoas que dão aulas todos os dias?
E esta comédia sindical não se fica por aqui. Por artes burocráticas impenetráveis, Mário Nogueira tem sido avaliado como professor: recebeu o "Bom" correspondente à classificação de 7,9 obtida no agrupamento de escolas da Pedrulha, Coimbra (Correio da Manhã, Dezembro 2011). Mais uma vez, um camião de perguntas bate à porta: se não dá aulas, como é que este indivíduo pode ser avaliado como professor? Como é que se opera este milagre da lógica? Entre outras coisas, parece que conferências e artigos de jornal contam para a avaliação de Mário Nogueira. Fazer propaganda da Fenprof, ora essa, é igual ao confronto diário com turmas de vinte e tal garotos. Justo, justíssimo, justérrimo.
Se não é professor, quem é afinal Mário Nogueira? Na minha modesta opinião de contribuinte assaltado por horários zero e afins, Mário Nogueira é o verdadeiro ministro da educação. A cadeira do ministério vai mudando de dono, mas Mário Nogueira está lá sempre. Os governos sucedem-se, mas a Fenprof está lá sempre. E, com menor ou maior intensidade, as políticas educativas são determinadas pela Fenprof e não pelos governos democraticamente eleitos. A força das eleições nunca chega à tal escola pública, que é auto-gerida há décadas pela Fenprof. Curiosamente, TVs e jornais nunca fazem fogo sobre este sindicato. O poder da educação está ali, mas as redacções só sabem queimar ministros atrás de ministros. Nunca ouvi ou li uma entrevista a Mário Nogueira. Só vi e ouvi tempos de antena. Quem é Mário Nogueira? Um dos inimputáveis do regime.
Para os nossos diferentes socialistas, do BE ao PS, não é o socialismo que está em causa. A realidade é que está errada. A realidade que mostra os efeitos do socialismo só pode ser um erro, não é verdade? Não por acaso, esta boa gente vê "neoliberalismo" onde só existe a falência do socialismo que nos apascenta há décadas. E qual vai ser o resultado final deste estado de negação narcótica?
Decreta-se que a realidade é inconstitucional. Não, não senhor, o sistema de pensões está bom, dizer o contrário é cair no "neoliberalismo"; não, não é preciso cortar as reformas, os mais novos que sustentem as pensões dos mais velhos através das contribuições pornograficamente altas. Sim, têm de pagar, seja qual for a vitalidade demográfica da sociedade. O rácio reformado/trabalhador está em 1 para 1,57 mas não faz mal. Paguem e acabou.
Esta posição intelectualmente insustentável resulta de um equívoco progressista que está no centro do regime: o "princípio da proibição do retrocesso social", umprincípio que tem o efeito perverso de equipar os direitos constitucionais do Estado de Direito ao dinheiro distribuído pelo Estado Social. Porque é que é perverso? Porque o Estado Social depende da riqueza produzida pela sociedade e não de leis que procuram garantir juridicamente aquilo que não tem garantia jurídica possível. Seja qual for a sua Constituição, uma sociedade só pode criar e manter um Estado Social se gerar riqueza e renovação geracional. As liberdades políticas, civis e religiosas, sim, podem ser defendidas juridicamente, porque não dependem de qualquer condição material. Mas os direitos sociais só podem ser defendidos através da criação de riqueza e da revitalização demográfica. Isto não é matéria de opinião.
As Constituições não criam riqueza, só criam liberdades. Dizer o contrário é entrar em falácias que não levam a lado nenhum, ou melhor, levam à bancarrota. Três vezes em menos de 40 anos, para sermos exactos. Mas, como é óbvio, este baixo mundo da matéria não interessa à nação constitucionalíssima.
Os fascistas vermelhos em plena actuação na Assembleia da República
Sophia de Mello Breyner cunhou uma expressão engraçada para classificar as tácticas inquisitoriais dos companheiros de estrada do PCP: o "fascismo do anti-fascismo" . Esta intolerância de esquerda foi criada antes do 25 de Abril e, como é óbvio, conheceu o seu esplendor no PREC. Mas, volta e meia, a agressividade dos virtuosos reemerge. Nos últimos dias, por exemplo, têm caído alguns pinguinhos: meninos e meninas têm usado "Grândola Vila Morena" como forma de calar outras pessoas. Uma música criada para promover a liberdade de expressão foi assim transformada numa arma contra a liberdade de expressão.
Os novos cantadeiros do "Grândola Vila Morena" dizem que são anti-fascistas. Bom, sobre isso nada sei, mas sei que são bons aprendizes de fascistas. Têm todas as sementes do bicho. Em primeiro lugar, revelam uma total intolerância em relação ao outro lado; há que malhar na "direita" (assim mesmo: a "direita", um bloco compacto, monolítico, desumanizado, desprezível e espezinhável). Em segundo lugar, respiram e transpiram ódio, um ódio que escorre pelos cartazes, pelos rostos, pelas vozes. E, de forma mui fascista, esta malta tem orgulho nesse ódio. Aquilo que os define é o amor que têm pelo seu ódio, adoram odiar a "direita" ou seja lá o que for. Esta elevação do ódio à categoria de virtude é a marca do fascista, seja ele castanho ou vermelho. Em terceiro lugar, temos a consequência lógica das duas premissas anteriores: o culto da violência. Se a "direita" é espezinhável, se não vale a pena ouvir o outro lado, se o ódio é uma virtude que confere uma legitimidade superior, então a violência é legítima e não faz mal dar uns carolos no Relvas. Aliás, só faz bem dar uns tabefes no Relvas.
Para terminar, só queria dizer que gosto bastante deste PREC cantado. É que assim já não tenho de recorrer à história para explicar a profunda intolerância das extremas-esquerdas portuguesas. Agora basta-me apontar para o presente. Ela, a intolerância progressista e revolucionária, está aí, anda por aí. Até peço uma coisa: aumentem o volume da violência, continuem a mostrar que não sabem viver em democracia, que não sabem aceitar opiniões contrárias, continuem a ameaçar, continuem a ser fascistazinhos de vão de escada.