BANANAS DE PEDRA
São muitas e variadas as razões que me fazem ser um vulgar não detentor do Prémio Nobel da Literatura. Uma dessas razões é o facto de não ser politicamente de qualquer tonalidade esquerdina; outra razão, talvez nem sequer a mais relevante, é não ser escritor.
Serve este intróito apenas para reconhecer o quase plágio do título do presente escrito à jangada do outro, o comunista que advogou a absorção espanhola de Portugal e que fez muito mal a quem trabalhou sob as suas ordens.
E aqui começa a minha história de hoje.
Desde miúdo que os meus pais me fizeram (e aos meus irmãos também) aprender alemão (mas os meus irmãos piraram-se rapidamente e fui o único a continuar). A professora, alemã de Berlim a viver em Portugal há muitos anos, reconhecia que aulas formais podiam ser substituídas com vantagem por conversas informais e foi assim que assisti a alguns concertos de música na Igreja Luterana de Lisboa, conheci a Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa, o Teatro de São Carlos, etc., locais frequentados por alemães de cujas conversas eu poderia beneficiar.
Foi pelos 13 ou 14 anos que convenci os meus pais de que já falava correntemente alemão e que, portanto, podia perfeitamente ir passar umas férias à Alemanha. Pretexto: montar a cavalo. E lá fui... Na volta, não tive mais aulas com a tal professora, passei pelo Instituto Göthe mas fartei-me rapidamente pois não havia por lá colegas namoradeiras.
Mas foi muito antes deste fiasco namoradeiro que a dita professora pediu aos meus pais para me levar às Belas Artes ver uma exposição colectiva de pintura e escultura de que faziam parte alguns artistas portugueses que depressa esqueci e um alemão que fixei: Hein Semke.
Saídos de casa dos meus pais, decidiu a professora que eram horas de lanchar, parámos numa frutaria e comprámos duas bananas que comemos ali mesmo para não termos que guardar as cascas nos bolsos uma vez que naquela época rareavam os caixotes públicos de lixo. Andados uns bons metros até à paragem do autocarro que nos levaria à Avenida da Liberdade, deparámos com cascas de banana no chão do autocarro e com o funcionário da Carris a blasfemar com os marginais que tinham deitado lixo para o chão. Chegados ao destino, estava uma mulherzinha chegada à porta das Belas Artes a vender bananas e um cavalheiro que me pareceu paralelipipédico a comprar-lhe duas bananas.
Logo a minha professora disse a esse seu conhecido que o nosso lanche também tinha sido de bananas e, depois de alguma risota, a conversa avançou por aí além até à pintura e à escultura que nos preparávamos para ver e... esqueci tudo o que eles disseram, se é que cheguei a perceber do que falavam. Talvez nem sequer me interessasse assim tanto como a professora gostaria. Posso, contudo, afirmar, que, para além do intróito jocoso, não voltaram a falar de bananas. Esse cavalheiro era o escultor Hein Semke e ainda hoje, passados mais de 60 anos sobre a conversa, o associo à sucessão de bananas naquela tarde.
Mas o que mais apreciei de toda a exposição foi o auto-retrato do próprio Hein Semke esculpido em mármore por aquele cavalheiro que estava ali a conversar connosco. Ainda hoje me lembro da impressão que me causou a semelhança do original com a escultura. Por esta ordem e não pela inversa.
E voltando às bananas, andei à procura de obras de Hein Semke em pedra ou cerâmica e concluo que ele nunca tal objecto esculpiu.
Eis as bananas de pedra que nunca o foram a não ser na minha imaginação.
Assim mando a jangada do outro às urtigas e volto, passados tantos anos, a apreciar obras bem mais cordatas no ciclo de conferências havidas no II Colóquio Alemanha-Portugal XIX-XXI: Aspectos e Momentos ocorrido na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa sob a coordenação do Professor Doutor Fernando Ribeiro a quem agradeço a oportunidade que me deu de tirar as bananas da obra de Hein Semke.
Lisboa, Junho de 2016
Henrique Salles da Fonseca
Para saber mais sobre Hein Semke, v. p. ex. em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hein_Semke