FALA A FAMA
Começai de navegar,
Ireis ao porto da Guiné;
Perguntai-lhe cujo é,
Que o não pode negar.
Com ilhas mil
Deixai a terra do Brasil;
Tende-vos à mão do sol,
E vereis homens de prol,
Gente esforçada e varonil...
E não fique
Perguntar a Moçambique
Quem é o alferes da Fé,
E Rei do mar quem o é,
Ou se há outrem a que s'aplique.
Ormuz, Quíloa, Mombaça,
Sofala, Cochim, Melinde,
Como em espelhos d'alinde,
Reluz quanta é sua graça.
E chegareis
A Goa e perguntareis
Se é inda subjugada
Por peita, rogo ou espada.
Perguntai à populosa,
Próspera e forte Malaca,
Se lhe deixaram nem 'staca
Pouca gente mas furiosa.
E vereis de longo e través
Se treme todo o sertão:
Vede se feito Romão
Com ele m'igualareis.
De Gil Vicente (1465?-1537?) pouco se sabe em concreto. Desconhece-se o local e a data exactos do nascimento e morte. Alguns documentos dão-no como, além de dramaturgo, ourives. Sabe-se, todavia, que no dia 8 de Junho de 1502 representou um monólogo à rainha D. Maria. É provável que tenha nascido na província (Guimarães), cedo se fixando em Lisboa. Na capital, a sua principal ocupação parece ter sido a de escrever e representar autos nas cortes do rei D. Manuel e do rei D. João III. É considerado o pai do teatro português. De 1502 a 1536, Gil Vicente produziu mais de quarenta peças de teatro, chegando a publicar em vida algumas delas. Colaborou no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. No entanto, só em 1562 é que o seu filho Luís Vicente publicou toda a sua obra com o título Compilaçam de todalas obras de Gil Vicente, a qual se reparte em cinco livros. Da compilação, destacamos as peças mais conhecidas: Auto da Índia (1509), Exortação da Guerra (1513), Quem Tem Farelos?(1515), Auto da Barca do Inferno (1517), Auto da Fama (1521), Farsa de Inês Pereira (1523), Auto da Feira (1528) e Floresta de Enganos (1536).
in http://anove.wikispaces.com/Gil+Vicente