O artigo «Reaccionário me confesso…» do Embaixador Francisco Seixas da Costa que tantos outros “reaccionários” actuais subscreveriam na íntegra.
O tema é antigo, também eu o referi há mais de quarenta anos, nos mesmos moldes reaccionários, em artigo publicado em “Prosas Alegres e Não” (1974), que transcrevo, em empenhamento, é certo, inútil. Relendo-o, bem cediço me parece, a sociedade tendo evoluído de tal forma que nada já é o mesmo, e as exigências que dantes se pediam de cumprimento ordeiro com vista a um aperfeiçoamento ou a uma posição futura, afiguram-se hoje risíveis, as crianças impregnadas de saberes mecânicos que ultrapassam as competências que os mestres se esforçam por lhes transmitir, embora os livros confirmem uma exigência que em muitos casos parece brutalmente avançada, a rivalizar com a electrónica que desde cedo dominam e os tornam desatentos ao resto. Mas, embora dinossáurico já, assim o transcrevo, como paleontologista empenhado em descobrir as marcas dos fósseis que esclarecem mais o presente.
«Exames e doçuras»
«Tudo nesta vida são modas, e uma das modas actualmente em moda é a da contestação, do ataque às estruturas, de apoio a tudo o que transforme o vale de lágrimas da vida de antanho num vale de delícias ou jardim edénico, onde tudo seja fácil e mais doce.
Referimo-nos especialmente a determinado sector jornalístico desta urbe lourençomarquina, autêntico oráculo do saber pois, revelando vastidão de cultura em todos os campos, discute com muitos dados e alguns dardos, todos os assuntos, no propósito louvável de mostrar que todos somos ceguinhos e só eles vêem. Também falaram de exames, tendo-os desapoiado. E no entanto, esses mesmos que assim contestam a validade dos exames, são os primeiros a criticar a incompetência e impreparação dos professores e a deficiência do ensino em geral.
Ora não nos parece que a eliminação dos exames contribua grandemente para aumentar o nível mental da nossa gente. De facto, somos dum modo geral, um povo abúlico, apático, muito de “deixar correr”, com energia e vivacidade apenas para discutir futebol e saias às esquinas ou pelos cafés. E política também, sim senhor! Todos somos competentes para construir e orientar os meandros da política nacional e estrangeira, os que o fazem de facto é que não percebem nada.
Em nossa opinião, a eliminarem-se os exames, desaparecerá, ao menos por uns meses, aquela efervescência natural do período, forjadora de uma nova vida, com o fervilhar estudantil. A eliminarem-se os exames, mais incompetências se formarão, pois bem sabemos como transitam alguns alunos aos anos imediatos, com deficiência aparente numa disciplina, mas na realidade deficientes em duas e às vezes três, com a nova lei da “nota votada” pelo conselho de turma. A eliminarem-se os exames, a selecção e apuramento deles resultantes desaparecerão igualmente.
Ora, apesar dos atractivos da vida remansosa, não nos parece que seja essa a mais plena de significado e de realização. E os exames significarão para o estudante maior apreensão de elementos culturais, desejo de vencer um novo ano, e para mais briosos, desejo de o fazer com brilho. Os exames trarão a revisão das matérias, trarão o interesse pela luta, o gosto pelas próprias disciplinas de estudo.
Se há desvantagem nos ditos exames, a maior ainda supomos que seja a não correspondência exacta, em muitos casos, entre o valor próprio e a nota obtida, pois todos sabemos como o nervosismo próprio da ocasião é tantas vezes desfavorável ao aluno mais aplicado, enquanto o à vontade e descontracção de outro mais incompetente, o ajudam na sua relativa ignorância. Os estudantes têm sido cada vez mais “beneficiados” com a dispensa de exames para os que atingem determinada média, com a cada vez maior limitação de matérias, com a possibilidade de transitarem com deficiências, etc., mas a triste realidade é que, de ano para ano, o nível intelectual dos alunos vai diminuindo, transformando a missão docente, tão bela em princípio, cada vez mais em tarefa de pura frustração e desorientação para o professor mais cônscio.
Por isso não concordamos que se eliminem os exames, pois esse facto irá só favorecer a preguiça, a ignorância, o torpor dos nossos estudantes, para quem as aulas são apenas sinónimo de aborrecimento, de que reagem por algum caso mais ou menos anedótico provocador da gargalhada, única forma de os despertar da passividade com que, dum modo geral, escutam a lição do professor.»
Como diria o meu marido, neste contexto de massificação em que uma esquerda maniqueísta deseja afundar a sociedade, parece-nos estar vivendo os tempos da revolta dos Espártacos contra os seus opressores, esquecidos, esses maniqueístas, de que o Bem não existe apenas nos humildes – vulgo “trabalhadores” – nem o Mal apenas nos poderosos - vulgo “capitalistas” – do seu ódio e da sua provocação. Também essas são ideias mais que ultrapassadas, de que o próprio Rousseau já riria, hoje mais céptico a respeito das virtudes do seu bom selvagem. Não será com o abaixamento do nível escolar, pela supressão de exames, que se protegem os jovens contra a exigência de competências que lhes será imposta na vida adulta.
A pressa (qual é a pressa?) de legislar para acabar com o exame da "quarta classe" (sou de um outro tempo, pois claro) é algo que não consigo entender. Ou melhor: posso perceber que estas micro-agendas dos "compagnons de route" do PS possam fazer sentido para eles, mobilizados por temáticas modernaças e de "contemporaneidade". Mas não entendo por que é que o PS vai a reboque delas.
O exame colocava "stress" nas criancinhas? Claro que sim! E depois? Lembro-me de ter dormido muito mal antes do meu exame da "quarta classe", de ter tido pesadelos nas vésperas do "exame de admissão" ao liceu (e fiz também à Escola Comercial e Industrial, não fosse dar-se o caso de reprovar no liceu). E o que eu passei, entre angústias e insónias, antes da montanha de exames do 2º ano do liceu, com os meus pobres 12 anos. E as noites longas, a "marrar" temas áridos de História do Matoso (do outro) no 5º ano? Ou a decorar as funções da Câmara Corporativa, no exame de OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação) do 7º ano? (Saí com 20 - vinte, ouviram?)
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Tive suores frios, tomei Fosfero Ferrero, desesperei, perdi horas, sublinhei, reli alto, decorei montes de coisas inúteis, para poder estar preparado para todos os muitos exames que fiz ao longo da minha vida? Claro que sim. E também "chumbei" em alguns, perdi um ano inteiro, tive de repetir cadeiras (em segunda e terceira "época") e, nem por isso, tive depressões ou me suicidei ou sequer fiquei psicologicamente afectado. E, claro, fiz exames para o meu primeiro emprego público, passei na prova exigentíssima para a minha segunda e última profissão e, querem saber?, dei-os a todos por muito bem empregados. Endureci na vida, "saiu-me do pêlo", aprendi (sem gravurinhas para amenizar a dificuldade dos temas) o que tinha de aprender, se calhar ainda menos do que devia mas, de certeza!, muito mais do que aquilo que observo (e mais não digo!) na esmagadora maioria dos alunos que agora tenho. E, com tudo isso, construí uma carreira e progredi e tive nela o sucesso que consegui ter - sempre com todas essas chatices, essas tensões, essas exigências, essas muitas horas de trabalho e de esforço. Teria tudo sido melhor se tivesse tido menos exames, se tudo fosse de avaliação mais "diacrónica" e menos "sincrónica"? Não sou dado a teses de que "no meu tempo é que era bom", mas que não vejo a menor desvantagem nessa aferição pontual de conhecimentos que os exames constituem, lá isso é verdade.
Volto ao princípio. Percebo que o Bloco de Esquerda tenha esse tipo de agendas. Já percebo menos que o PS se deixe ir nessa onda "modernaça", que entre pelo facilitismo, que queira reverter a obrigatoriedade dos exames para a miudagem, os quais, é sabido, podem provocar stresses, angústias e tremores, mas que não matam ninguém e ajudam os miúdos a perceber que a vida não é um armazém do Toys r Us e que não há nenhum direito divino às playstations, às roupas de marca e aos hamburgers na Disneylândia.
E já agora, também não percebo que se volte atrás na exigência dos exames àqueles que querem ser professores. Eu também fiz um exame de admissão profissional, depois de acabado o curso. Às tantas, talvez valesse mesmo a pena que alguns dos docentes actualmente em actividade, que por vezes andam aí com um ar que converte os arrumadores de carros em "gentlemen" do Downton Abbey, que devem funcionam como "belos" exemplos e modelos para as crianças, fossem também obrigados a efectuar provas a meio da carreira. E a alguns outros profissionais, tal como os diplomatas, menos do que avaliação contínua muito deficiente como a que hoje têm com o famigerado Siadap, talvez uns examezitos a meio do percurso lhe não fizesse mal e os forçasse a actualizarem-se e a ler mais.
Isso, aliás, devia ser obrigatório para os ex-professores que "sindicalizaram" grande parte da sua vida, por forma a se aferir se já "perderam a mão". Ou não será estranho que esse tal de Mário Nogueira, que regularmente agita o bigode, a raiva e o verbo pelas grades da multidão com cartazes na 5 de Outubro, tenha dado a sua última aula presumo que ainda antes do novo = ministro da Educação nascer?
"Estás um bom reaccionário, estás!", já estou a ouvir de algumas amigas e amigos, daqui a horas, quando lerem este post. E então dos corajosos anónimos que por aí pululam vai ser um fartote. Mas, como costumava dizer uma sobrinha minha, na sua infância: e a mim que me importa!
Há dias, um jornalista brasileiro de Porto Alegre, de seu Nome Políbio Braga, publicou a seguinte notícia:
Portugal não merece ser visitada e OS portugueses não merecem nosso reconhecimento. Há apenas uma semana, em apenas quatro anos, o editor desta página visitou pela quinta vez Lisboa, arrependendo-se pela quarta vez de ter feito isto. Portugal não merece ser visitada e OS portugueses não merecem nosso reconhecimento. É como visitar a Casa de um parente malquisto, invejoso e mal educado. Na sexta e no sábado, dias 24 e 25, Portugal submergiu diante de um dilúvio e mais uma vez mostrou suas mazelas. O País real ficou diante de todos. Portugal é bonito por fora e podre por dentro. O dinheiro que a União Européia alcançou generosamente para que OS portugueses saíssem do buraco e alcançassem seus sócios, foi desperdiçado em obras desnecessárias ou suntuosas. Hoje, existe obra demais e dinheiro de menos. O pior de tudo é que foi essa gente que descobriu e colonizou o Brasil. É impossível saber se o pior para OS brasileiros foi a herança maldita portuguesa ou a herança maldita católica. Talvez as duas.
Esta Nota mereceu a seguinte resposta do nosso Embaixador Francisco Seixas da Costa:
Senhor Políbio Braga
Um cidadão brasileiro, que faz o favor de ser meu amigo, teve a gentileza de me dar a conhecer uma nota que publicou no seu site, na qual comentava aspectos relativos à sua mais recente visita a Portugal. Trata-se de um texto muito interessante, pelo facto de nele ter a apreciável franqueza de afirmar, com todas as letras, o que pensa de Portugal e dos portugueses. O modo elegante como o faz confere-lhe, aliás, uma singular dignidade literária e até estilística. Mas porque se limita apenas a uma abordagem em linhas muito breves, embora densas e ricas de pensamento, tenho que confessar-lhe que o seu texto fica-nos a saber a pouco. Seria muito curioso se pudesse vir a aprofundar, com maior detalhe, essa sua aberta acrimónia selectiva contra nós.
Por isso lhe pergunto: não tem intenção de nos brindar com um artigo mais longo, do género de ensaio didáctico, onde possa Dar-se ao cuidado de explanar, com minúcia e profundidade, sobre o que entende ser a listagem de todas as nossas perfídias históricas, das nossas invejazinhas enraizadas, dos inumeráveis defeitos que a sua considerável experiência com a triste realidade lusa lhe deu oportunidade de decantar? Seria um texto onde, por exemplo, poderia deter-se numa temática que, como sabe, é comum a uma conhecida escola de pensamento, que julgo também partilhar: a de que nos caberá, pela imensidão dos tempos, a inapelável culpa histórica no que toca aos resquícios de corrupção, aos vícios de compadrio e nepotismo (veja-se, desde logo, a última parte da Carta de Pêro Vaz de Caminha), que aqui foram instilados, qual vírus crónico, para o qual, nem os cerca de dois séculos, que se sucederam ao regresso da maléfica Corte à fonte geográfica de todos os males, conseguiram ainda erradicar por completo.
Permita-me, contudo, uma perplexidade: porquê essa sua insistência e obcecação em visitar um país que tanto lhe desagrada? Pela quinta vez, num espaço de quatro anos? Terá que reconhecer que parece haver algo de inexoravelmente masoquista nessa sua insistente peregrinação pela terra de um "parente malquisto, invejoso e mal-educado". Ainda pensei que pudesse ser a Fé em Nossa Senhora de Fátima o motivo sentimental dessa rotina, como sabe comum a muitos cidadãos brasileiros, mas o final do seu texto, ao referir-se à "herança maldita católica", afasta tal hipótese e remete-o para outras eventuais devoções alternativas.
Gostava que soubesse que reconheço e aceito, em absoluto, o seu pleníssimo direito de pensar tão mal de nós, de rejeitar a "herança maldita portuguesa" (na qual, por acaso, se inscreve a Língua que utiliza). Com isso, pode crer, ajuda muito um país, que aliás concede ser "bonito por for a" (valha-nos isso!), a ter a oportunidade de olhar severamente para dentro de is próprio, através DA arguta perspectiva crítica de um visitante crónico, quiçá relutante.
E porque razão lhe reconheço esse direito? Porque, de forma egoísta, eu também quero usufruir da possibilidade de viajar, cada vez mais, pelo maravilhoso país que é o Brasil, de admirar esta terra, as suas gentes, na sua diversidade e na riqueza da sua cultura (de múltiplas origens, eu sei).
Só que, ao contrário de si, eu tenho a sorte de gostar de andar por onde ando e você tem o lamentável azar de se passear com insistência (vá-se lá saber porquê!), pela triste terra dessa "gente que descobriu e colonizou o Brasil". Em má hora, claro
Da próxima vez que se deslocar a Portugal (porque já vi que é um vício de que não se liberta) espero que possa usufruir de um tempo melhor, sem chuvas e sem um "dilúvio" como o que agora tanto o afectou. E, se acaso se constipou ou engripou com o clima, uma coisa quero desejar-lhe, com a maior sinceridade: cure-se!