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A bem da Nação

UM ANO, SEIS PERSONAGENS

 

Esta legislatura não vai durar quatro anos

 

António Costa, para ter sucesso, terá de ter condições para escolher o tema e o momento da crise política anunciadora do seu fim.

 

Várias personagens e múltiplos acontecimentos marcaram o ano que agora finda. Sem a preocupação de um inventário exaustivo cingir-me-ei à apreciação daquelas que me parecem ter sido as personalidades mais relevantes no período em apreço.

António Costa.gifAntónio Costa – O Primeiro-Ministro – numa interpretação restritiva da política enquanto actividade associada ao exercício do poder – é, sem qualquer dúvida, a grande personalidade do ano. Depois de ter derrotado o anterior Secretário-Geral do PS nas primeiras primárias abertas realizadas no nosso país assumiu a liderança do partido num contexto reconhecidamente difícil. Três problemas se lhe colocaram de imediato: a exagerada expectativa de caracter sebastiânico-populista projectada na sua figura; a aparente melhoria das condições económico-financeiras do país; a inesperada prisão do antigo Primeiro-Ministro José Sócrates. O percurso de António Costa como líder da oposição teve algo de errático, senão mesmo de contraditório.

 

No Congresso deu sinais de esquerdização no discurso assumindo uma radical oposição à ideia de qualquer entendimento com os partidos situados à direita e insinuando uma hipotética aproximação às formações partidárias localizadas à esquerda do PS. Aquando da apresentação das bases do programa económico pareceu inflectir para o centro abrindo as portas a propostas inovadoras em áreas tão sensíveis como a regulação do mercado laboral, o financiamento do Estado Providência ou a articulação entre a valorização da oferta e o incremento da procura interna. O documento em causa apontava no sentido de uma renovação da perspectiva social-democrata tendo em consideração a opção de fundo pela permanência na zona euro e pela abertura a um mundo globalizado. Durante a campanha eleitoral as coisas não lhe correram muito bem e o resultado obtido a 4 de Outubro não constituiu surpresa para ninguém. Nessa noite, que poderia ter sido a da sua própria morte política, António Costa renasceu. Proferiu uma declaração enigmática, enunciou um princípio geral de responsabilidade e iniciou uma caminhada rumo ao poder. Para isso contou com uma inédita abertura por parte dos partidos da extrema-esquerda parlamentar que se dispuseram a viabilizar um Governo monopartidário do Partido Socialista. O seu feito suscitou apreciações muito diversas: uns ficaram extasiados com a sua proclamada capacidade de negociação, outros incomodados com a natureza doutrinariamente contraditória e politicamente débil da solução encontrada. A verdade é que, pelo menos momentaneamente, se tornou a principal referência política do país. Como homem profundamente pragmático que é não desconhece as dificuldades que se lhe depararão no futuro próximo. Sabe que sempre que estiverem em causa questões de fundo em matéria económica, financeira, de política europeia ou de reformulação do Estado Providencia não poderá contar com o apoio das forças que tornaram o seu Governo possível. Mas também sabe que poderá confrontar os partidos da direita com as suas responsabilidades passadas e com os seus compromissos programáticos presentes. António Costa, que detém uma experiencia governativa ímpar, bem percebe que o seu destino dependerá da sua capacidade de nunca ficar prisioneiro dos seus aliados de ocasião. Para alcançar tal desiderato terá de governar em permanente estado de tensão procurando uma relação directa com o país, dramatizando deliberadamente os problemas que facilmente poderá antecipar, colocando-se numa dimensão quase suprapartidária. Não será fácil a prossecução de tal tarefa, dada a inimizade visceral da direita e a desconfiança natural da extrema-esquerda. Esta legislatura não vai durar quatro anos dada a estrutural instabilidade da presente composição parlamentar. António Costa, para ter sucesso, terá de ter condições para escolher o tema e o momento da crise política anunciadora do seu fim. É aí que tudo se vai jogar e tal poderá suceder muito mais cedo do que antevêem a maioria dos analistas.

Pedro Passos Coelho.jpgPedro Passos Coelho – Depois de quatro anos de uma governação difícil conseguiu chegar vivo à liderança da oposição. Era o mais imprevisível dos cenários. Os outros dois eram facilmente imagináveis: permanecer vivo como Primeiro-Ministro ou desaparecer após uma derrota eleitoral. Tem todas as condições para liderar a direita portuguesa. Independentemente da apreciação que cada um faça acerca dos méritos e dos deméritos da sua governação revelou força de carácter e até uma certa obstinação que é própria dos líderes políticos. Dentro da perspectiva doutrinária que é a sua, e daqueles a quem preferencialmente se dirige, o legado que deixa está longe de ser negativo. Depois de algumas hesitações iniciais percebeu bem o seu papel nesta nova fase da política nacional. Proferiu um bom discurso aquando da discussão do Programa de Governo socialista enunciando com clareza o posicionamento do PSD. Claro que vai enfrentar momentos muito difíceis e não lhe será fácil romper em absoluto com um novo Executivo de que se sentirá várias vezes demasiado próximo; confrontar-se-á nessas ocasiões com a contradição entre os seus deveres de homem de Estado e as tentações de chefe partidário. Não será fácil a escolha mas será precisamente nesses instantes que se vai decidir inteiramente o seu futuro.

Paulo Portas.pngPaulo Portas – Fez bem em abandonar a liderança do CDS. A questão que agora se coloca é se o partido tem condições para sobreviver sem ele. Por virtude sua creio que terá. Portas tinha tanta consciência de ser conjunturalmente maior que o seu próprio partido que não temia o surgimento de novas figuras no seio daquele. O CDS, e isso é mérito do líder agora demissionário, tem provavelmente a melhor primeira linha parlamentar da Assembleia da República. Nesse sentido, o futuro parece plenamente assegurado. Resta saber que caminho prosseguirá uma nova liderança que terá de optar entre duas opções extremas: um encaminhamento para o centro ou um acantonamento à direita. Estas opções encerram perspectivas doutrinárias radicalmente diferentes – uma implica a consolidação da recente escolha europeísta, outra aponta para um caminho nacionalista. De qualquer modo, Paulo Portas deixa uma herança muito difícil de preencher dadas as suas excepcionais qualidades políticas.

Catarina Martins.jpgCatarina Martins – Foi talvez a grande surpresa política do ano. Revelou inteligência, imaginação e ousadia. Suceda o que suceder com esta precária maioria, Catarina Martins já adquiriu uma projecção que nos permite augurar-lhe uma sólida inscrição no futuro político do país. Sem ela suspeita-se de que nada do que se está a passar teria sido possível. Resta saber se terá agora a capacidade para liderar um processo de aggiornamento programático capaz de transformar o Bloco de Esquerda num partido com verdadeira capacidade para o exercício do poder numa democracia europeia com a natureza da nossa. Se tiver, acabará por ter um lugar de destaque na história do nosso tempo.

jeronimo.jpgJerónimo de Sousa – O seu tempo como líder do PCP parece estar a chegar ao fim. Mais do que entusiasmado pareceu sempre sentir-se obrigado a participar num acordo em que notoriamente deposita escassas esperanças. Abomina o BE, essa extravagância de uma pequena e média burguesia urbanas directamente filiada no infantilismo do radicalismo de esquerda, e suspeita das intenções do PS, esse partido inteiramente identificado com a traição histórica social-democrata. Para Jerónimo de Sousa, que lidera um partido que continua a chorar o fim da União Soviética e a clamar a superioridade do modelo leninista, os tempos que correm não são nada felizes.

cavaco-silva.jpgCavaco Silva – É ainda demasiado cedo para fazer uma avaliação verdadeiramente objectiva de um homem que marcou de forma determinante os últimos trinta anos da vida política nacional.

 

Público 31/12/2015

Francisco Assis.pngFRANCISCO ASSIS

A MAIORIA INTERMITENTE

parlamento-Portugal.jpg

 

Afinal de contas, e de resto sem grande surpresa, a nova maioria de esquerda está condenada a viver em estado de intermitência. Não podia ser de outra forma, dadas as profundas divergências que a atravessam, as quais se manifestarão sempre que estiverem em causa decisões nos domínios das políticas europeia, económica e financeira. Ontem, o que estava em causa no Parlamento era a aprovação de uma proposta de Orçamento Rectificativo apresentada pelo Governo a propósito do processo de resolução de um banco que já tinha sido anteriormente objecto de intervenção pública. No futuro surgirão outros temas e outras decisões propiciadores de idênticas expressões de desagregação política da base de sustentação parlamentar do actual Executivo. Uma conjectura desta natureza não envolve qualquer exercício de adivinhação, funda-se estritamente num simples acto de constatação da realidade. O Bloco de Esquerda e o PCP, partidos que até agora se tinham auto-excluído do famigerado “arco da governação”, não alteraram – e disso têm mesmo feito gala – os seus respectivos posicionamentos doutrinários a ponto de se constituírem como parceiros constantes de uma solução parlamentar investida de responsabilidades governativas. Quando se trata de revogar, de reverter ou de repor – tudo situações que remetem para uma apreciação crítica da acção do Governo anterior – é relativamente fácil associar os votos de toda a esquerda parlamentar; já será diferente sempre que os verbos forem outros – reformar e realizar.

 

O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda não poderiam ter actuado de outra forma relativamente ao Orçamento Rectificativo, sob pena de cometerem verdadeira apostasia política. Reconheça-se, aliás, que uma parte significativa do país se identifica com o posicionamento crítico por eles adoptado. O PCP manteve-se fiel ao propósito de nacionalização do sistema bancário e o Bloco de Esquerda colocou condições congruentes com o seu discurso histórico sobre esta matéria. Quanto a isso nenhum deles pode ser objecto de censura. Pelo contrário, mereceriam ser vergastados se renunciassem à sua identidade mais profunda. A questão não se coloca, por isso, no plano da apreciação da legitimidade do comportamento de cada um dos partidos de esquerda mas, antes, na avaliação do mérito de um projecto político baseado no pressuposto de um entendimento entre eles. Sobre isso já escrevi o suficiente em ocasiões anteriores.

 

Pedro Passos Coelho já o tinha anunciado na semana passada e na votação do Orçamento Rectificativo tornou-se oficial: a coligação de direita acabou. O CDS-PP, votando ao lado da extrema-esquerda parlamentar, iniciou o caminho de regresso a um tipo de discurso não isento de uma boa dose de populismo, algo que o caracterizou em épocas anteriores. Nisso irá muitas vezes disputar tempo de antena com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. Até que ponto se afastará o CDS de alguns consensos a que se viu constrangido por força da sua conjuntural condição de partido do Governo? Esta questão é das mais interessantes que se colocam neste processo de reorganização do sistema partidário português. Não é impossível que Paulo Portas venha a recuperar a prazo um discurso de tom marcadamente nacionalista, com a consequente adopção de um comportamento muito crítico face à evolução do projecto europeu. É da natureza das coisas que assim venha, provavelmente, a acontecer.

 

Já o PSD, superada que esteja uma primeira fase marcada pelo ressentimento em relação ao Governo socialista, tenderá a estabelecer com este uma relação mais complexa do que desejaria. Aquilo que separa estruturalmente o PS dos partidos situados à sua esquerda é precisamente o mesmo que o aproxima substancialmente do PSD: a Europa, a economia de mercado, o primado da iniciativa individual. Por muito que ambos protestem insanáveis divergências, a realidade encarregar-se-á de realçar os pontos de entendimento. É tudo uma questão de tempo. É claro que são partidos com horizontes, referências e projectos distintos, um marcadamente de centro-esquerda e outro inquestionavelmente de centro-direita. Têm, porém, muito em comum, como o comprova a história das democracias contemporâneas. Saber valorizar o que os afasta e o que os aproxima revelar-se-á da maior importância para a saúde do nosso regime político. No imediato esse exercício não será de realização fácil por razões atinentes à interpretação dos recentes resultados eleitorais. Por um lado, qualquer esforço de aproximação explícita estará condenado ao fracasso, por outro, qualquer tentativa de exacerbamento das distâncias colidirá com a pressão da realidade envolvente. Basta uma ligeira evolução na Europa no sentido da consumação de um acréscimo de federalismo institucional (coisa que bem pode acontecer no domínio da União Económica e Monetária) para que se redescubram os traçados das velhas fronteiras que à esquerda e à direita separam diferentes abordagens do projecto europeu. Então lá assistiremos ao regresso do velho bloco central europeísta rodeado de soberanistas por todos os lados.

 

A criação de uma comissão de inquérito ao que se passou com o BANIF é absolutamente imprescindível. Muito para além do jogo partidário há muitas coisas que têm que ser esclarecidas. É obviamente inadmissível, à luz de diversos princípios – nomeadamente os que se filiam na melhor tradição liberal – que o Estado venha socorrer sistematicamente instituições privadas levadas à insolvência pela ganância dos seus gestores e accionistas.


Público, 24/12/2015

Francisco Assis.pngFrancisco Assis

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