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A bem da Nação

O FORTE DA AGUADA, VELHA GOA E MEMÓRIAS

 

Com a visita do primeiro-ministro à Índia, torna-se oportuno recordar variados factos que fazem parte da memória colectiva do povo português, dando nova vida aos acontecimentos, às aventuras e desventuras que levaram ao domínio dos mares do Oriente. À chegada a Goa, pelo oceano Índico, como fariam os marinheiros portugueses, ao entrar no rio Mandovi, vê-se do lado esquerdo o Forte da Aguada, erigido para a defesa contra os holandeses e os ingleses. Do lado direito está o Forte dos Reis Magos, reconstruído recentemente, com o apoio de uma ONG inglesa. Este fora erigido em 1551 e mais tarde, em 1707, ampliado, para em conjunto com o Forte da Aguada poder defender-se das agressões inimigas. Na base do forte está a Igreja dos Reis Magos, aberta ao culto e visitada por multidões de turistas.

 

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O Forte da Aguada é imponente, foi construído em menos de sete anos, ficando terminado em 1612, de acordo com o projecto e a orientação do arquitecto militar Júlio Simão. Foi decidido pelo vice-rei da Índia, Aires de Saldanha, e ficou pronto no tempo do vice-rei Rui Lourenço de Távora.

 

A movimentação e a colocação das pedras obrigariam a utilizar mecânicas que estariam bastante dominadas, dada a quantidade de fortalezas construídas nessas zonas do Oriente. Num local assolado por fortes monções com chuva abundante e grandes amplitudes térmicas, a erosão é inevitável e por isso muito impressiona ver que as fortalezas construídas na Índia, com alguns restauros, continuam a aguentar as investidas da natureza.

 

Forte Aguada, Goa.jpg

 

Na parte inferior da fortaleza, as embarcações aproximavam-se para se abastecerem de água potável, de uma fonte escavada na rocha, que jorrava abundante água. Daí também o nome do forte. Na parte superior está um farol seiscentista; completam o dispositivo de defesa do Mandovi o Forte de Nossa Senhora do Cabo e o de Gaspar Dias, ainda por terminar, na margem oposta, junto ao Forte dos Reis Magos.

 

Hoje, boa parte do espaço da fortaleza da Aguada está ocupada por dois hotéis de cinco estrelas do grupo Taj, com belos jardins e vistas amplas para o Índico. Próximo do local está um terceiro hotel do mesmo grupo.

 

Além das fortalezas citadas, em Goa há ainda a da ilha de Angediva, na parte sul, que teve a sua função de defesa, mas já há muito tempo desguarnecida. Há também o Forte de Mormugão, a proteger o rio Zuari, hoje em precário estado de conservação.

 

De grande beleza e imponência são as construções que ainda restam da Velha Goa, que foi a capital do Estado da Índia, nos primeiros tempos, até ao surto de uma peste, no século XIX, que levou as populações a buscarem refúgio na actual Nova Goa (ou Pangim, a cidade capital de Goa), ficando os edifícios de Velha Goa abandonados; muitos terão desabado cedendo à força das chuvas das monções.

 

Na fase final da presença portuguesa, alguns dos edifícios foram aquartelamentos e casernas de militares e apenas depois da anexação pela Índia foram reconstruídos uns e escorados outros, sendo hoje amplamente publicitados como uma grande atracção para os turistas, referidos em folhetos que mostram as belezas e a monumentalidade de Goa. É, pois, um local obrigatório de visita para qualquer português, para reviver o passado e ver muito especialmente a sala que alberga os retratos de todos os vice-reis da Índia, completados pelos dos governadores-gerais, da última fase da Goa colonial.

 

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A UNESCO agrupou sob a designação de igrejas e conventos de Velha Goa um conjunto de monumentos de carácter religioso, para o declarar Património Mundial, no ano de 1986. Os monumentos e as igrejas mais importantes, que subsistem e estão abertas ao culto, são a Basílica do Bom Jesus, que conserva o corpo incorrupto de São Francisco Xavier; a Sé Catedral de Santa Catarina, a Igreja e Convento de São Francisco de Assis, a Igreja de São Caetano, a Igreja de Santo Agostinho... além de muitas outras que desapareceram.

 

Apesar da concentração de edificações de tipo religioso nesta cidade, abundam ao longo de toda a Goa igrejas de grande porte, de uma presença digna, todas caiadas de branco, de alto a baixo. A fé que moveu os missionários a irem instruir as populações locais também fez construir, com a sua ajuda, igrejas de traça nobre e de grande dignidade. A mensagem cristã ficou assim também gravada em pedra.

 

14 de Janeiro de 2017

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Eugénio Viassa Monteiro

Prof. da AESE Business School e Dirigente da Ass. Amizade Portugal-Índia

GOA E O INSTITUTO NACIONAL DE OCEANOGRAFIA

  

A propósito da próxima visita do PM à Índia, pode ser interessante referir factos que se prendem com Portugal.

 

Em 1961, após tentativas frustradas de negociação, Goa foi anexada pela Índia. Dado o pacifismo, a acção revestiu-se de grandes cuidados para minimizar os efeitos e atrair os cidadãos a aceitar o facto consumado; foram tomadas medidas para que a população fosse respeitada na sua identidade e cultura e pudesse ver benefícios rápidos da anexação.

 

Dentro da linha habitual de actuação mandou-se fazer um estudo da situação económica de Goa, com o levantamento do que existia e do muito que havia a fazer para recuperar os atrasos e dar condições mínimas de bem-estar à população.

 

Daí saiu um plano com prioridades para os dirigentes: melhoria das infraestruturas; criação de rede de saneamento, inexistente; abastecimento de electricidade, quase inexistente; muito mais ensino, acesso à saúde, à cultura, aos empregos, inexistentes fora da agricultura; melhoria da agricultura, da indústria e dos serviços...

 

O último governador-geral, nos estertores do regime, fizera o seu melhor, decidindo fazer um pouco de tudo onde tudo faltava. A sua actuação, apesar de tardia, foi positiva e instaurou uma nova dinâmica de fim de regime, que terá servido de pauta para os novos governantes. Por exemplo, nos últimos dois ou três anos deu um grande impulso ao ensino primário, a apontar para a sua generalização, coisa que veio a acontecer poucos anos depois.

 

Após uma "expedição internacional ao oceano Índico", em 1960, o governo central indiano tomou a decisão de criar o NIO – National Institute of Oceanography, integrado no CSIR – Conselho para a Investigação Científica e Industrial. Ter-se-á posto o problema da localização, pois procurava-se que cada instituição de investigação do CSIR pudesse ficar num dos estados da Índia. Optou-se por pô-lo em Goa, perto de Pangim, num local conhecido por Dona Paula. Não terá sido estranho à localização o saber e domínio português dos oceanos durante séculos, com os conhecimentos desenvolvidos pela Escola de Sagres.

 

O NIO é o mais importante laboratório indiano dedicado à oceanografia. Aspectos relevantes do seu trabalho incidem no estudo do comportamento do Norte do oceano Índico, uma bacia tropical batida por fortes ventos sazonais das monções: os 200 metros superiores formam a parte mais activa do oceano e os estudos do NIO mais citados são sobre a sua circulação e a biogeoquímica dessa camada. O NIO conta hoje com 170 cientistas, dos quais 120 doutorados; tem 210 pessoas no staff técnico e de apoio, além de 120 no administrativo. A própria instituição proporciona, aos que nela trabalham a oportunidade de aproveitar a investigação para as suas teses de doutoramento. São inúmeros os doutorados que emigraram para os Estados Unidos, trabalhando em temas que investigaram no NIO e onde ganharam as competências.

 

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Sempre me pareceu de enorme interesse uma aproximação do Instituto de Investigação do Mar português e do NIO, para projectos comuns de investigação e transferência de conhecimentos mútuos, como faz a Fundação Champalimaud, em temas da visão, com o Prasad Eye Institute, de Hyderabad.

 

Todos os laboratórios do Estado, indianos, dedicados à investigação científica e Industrial deveriam rever os seus métodos de avaliação dos cientistas, talvez ainda marcados por um estilo enraizado no socialismo indiano igualitário, sem reconhecer méritos pessoais. Apesar de alguma dinâmica no registo de patentes, elas são em número exíguo comparadas com instituições de países inovadores como os EUA. Estes valorizam as patentes, que são um valor que se pode negociar. É preciso encontrar formas de remunerar com justiça, com prémios pecuniários na proporção do que cada um produz com o seu esforço ordenado e inteligente. Dos cientistas muito qualificados é de esperar resultados de grande alcance; há que estimulá-los para tal.

 

2 de Dezembro de 2016

 

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Eugenio Viassa Monteiro

Professor da AESE-Business School

e dirigente da AAPI – Associação de Amizade Portugal-Índia

STARTUPS, EMPRESAS E INVESTIDORES

 

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Há start-ups lançadas por quem está em ‘necessidade de subsistência, por não encontrar outra ocupação; e há start-ups criadas por ‘oportunidade’ de realizar um negócio que aparenta ser proveitoso.

 

As primeiras dão-se mais em países pobres, quase todos espoliados e desorganizados pelo colonizador, onde, ainda hoje, se procura sobreviver. Não é infrequente que algumas destas start-ups dêem em negócios e, depois, em empresas com interesse, por o seu objecto ir ao encontro do que a sociedade procura.

 

Nos países ricos, com protecção social e rendimentos de inserção, quase não existem start-ups de necessidade a não ser para imigrados e quantos não beneficiam dos apoios sociais.

 

Uma pessoa atenta às lacunas da sociedade, em especial no âmbito do seu saber, ou por tocarem as suas ocupações habituais, pode descobrir modo de lhes dar solução; muitas apps são exemplo disso. A capacidade de observação e indagação pode levar a imaginar produtos/serviços que faltavam e acabam por ter boa aceitação no mercado.

 

De uma ideia vem o protótipo; mais tarde, a start-up que cresce à medida que difunde a utilidade do que produz, atraindo mais utilizadores.

 

Entre as empresas mais chamativas, pelo grande crescimento e impacto na sociedade, estão a Uber e a Airbnb. Ambas têm uma boa plataforma informática, onde interagem fornecedores e utilizadores. E todos os recursos que utilizam, os táxis na Uber e as casas ou quartos na Airbnb, não são propriedade sua. Elas não possuem nada, para além da plataforma e da grande vivacidade que imprimem com a constante actualização da oferta, salpicada de novos serviços.

 

Em geral, todas as start-ups precisam de disponibilidade financeira, para se darem a conhecer e para prestarem com eficiência o serviço que se propõem.

 

Como financiar tais start-ups, para as fazer crescer, dando lugar a um negócio e depois a uma empresa? A forma habitual é que o próprio iniciador junte às suas economias o que conseguir de familiares e amigos, enquanto a ideia ainda não dá receitas suficientes. É o capital-semente;  e os que nele intervêm, têm parte no capital da start-up. Quando a ideia se vai afirmando, é preciso servi-la num círculo maior e fazê-la afirmar em âmbitos que tragam mais vendas.

 

É crucial encontrar financiamento para crescer bem e depressa, uma vez testada a validade da ideia.

 

Se se tem contactos numa associação de Business Angels, pode-se ter algum capital adicional; mas sempre parece pouco. Pode-se também recorrer ao crowdfunding, chamando muitas pessoas via net ou carta; este meio parece mais teórico do que efectivo. Ainda há os capitais de risco  (venture capital), de entidades privadas ou entidades financeiras, que podem dar um bom empurrão, para se atingir uma dimensão suficiente para convencer depois a banca comercial a emprestar mais dinheiro, para chegar à dimensão de ‘cruzeiro’. A banca é complicada, faz perder tempo e pouco entende da veleidade de criar empresas. Empresta a quem já é rico, não a quem precisa… Mas há que contar com ela.

 

Há o perigo da imitação, levando a criar start-ups parecidas e melhoradas. As start-ups informáticas e tecnológicas beneficiarem de efeitos de externalidade. Quanto mais são utilizadas, mais se afirmam, pelo efeito positivo de ter muitos utilizadores; assim, dos muitos que começam, por exemplo em e-commerce, sobressaem uns poucos, até ficar um ou dois, com dimensão que dá para prestar um bom serviço e ser rentável. Os outros são absorvidos ou desaparecem.

 

Daí que,  nas iniciativas tecnológicas, haja certa relutância em investir, pelo risco de se apostar no ‘cavalo’ errado.

 

São os empreendedores que, através das empresas, criam riqueza e trabalho. Daí que todos os países tenham de criar ambiente que favoreça o aparecimento de pessoas com iniciativa, criativas, e também de financiadores (sejam business angelsventure capitalists, etc.) que entendam bem o seu papel na sociedade.

 

Nos países mais comprometidos com empreender, tenta-se institucionalizar o modo de criar encontro e interacção entre potenciais empreendedores, criando muitas incubadoras/aceleradoras de start-ups e mesmo Escolas de empreendedores.

 

Um recente estudo falava que os países nos primeiros lugares do ranking das start-ups tecnológicas eram: 1º EUA, 2º UK e 3º Índia; UK tinha quase 1/10 das dos EUA e estava muito próximo da Índia; mas a verdade é que grande parte das start-ups dos dois primeiros é de emigrados da Índia.

 

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Eugénio Viassa Monteiro

Professor da AESE – Business School

LUGAR AOS MAIS NOVOS

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Dei-me conta de que há quatro Ex-Presidentes da República entre nós, a saber: Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco. Acontece o mesmo em outros poucos países, como nos Estados Unidos. Temos aí: Carter, Bush (Pai), Bill Clinton, Bush (Filho) e Obama. É sinal de que o espírito democrático está bem arraigado entre nós, respeitando as instituições e, sobretudo, a Constituição, apesar de todas as imperfeições que possa conter.

 

O Presidente Marcelo parece querer inaugurar uma nova era: a de um só mandato, o que é interessante; tratar-se-ia de dar lugar ao ‘Senhor que se segue’. Se por algum motivo as democracias mais evoluídas impuseram um limite de dois mandatos, parece legítimo concluir que foi para evitar cargos ‘vitalícios’ e bom mesmo seria um só mandato, e o segundo como excepção apenas.

 

Ouvi aos colegas nos tempos da Universidade, mais metidos na política, comentarem que Salazar tinha frustrado ambições de muitos políticos, que quereriam ascender a cargos de topo, por ter ficado de pedra e cal por mais de 40 anos. Estar muito tempo, pode facilitar o trabalho, dar poder e domínio sobre os circuitos de mando. E, querendo, pode o incumbente ser reeleito indefinidamente, em especial quando o regime é de ‘liberdade condicionada’.

 

Os inconvenientes disso são óbvios: os governantes também se estagnam, perdem flexibilidade e não entendem os novos tempos e exigências; além disso, por melhor que tenham governado, um novo dirigente pode ajudar a sarar mais depressa as feridas criadas pelas decisões do passado, fomentando a reconciliação, por não ter sido parte implicada.

 

Nalgumas situações poderá justificar-se ou ser ‘obrigatório’ fazer os dois mandatos, para não fugir às responsabilidades: é claramente o caso de Eanes no tempo pós-revolucionário, com a democracia jovem e frágil e ‘alguns’ a verem o ‘cavalo do poder’ passar-lhes justinho à porta… Também no caso dos outros três ex-Presidentes, para consolidarem a democracia. Mas o actual Presidente já pode iniciar uma fase nova da democracia adulta.

 

O actual Presidente tem abundado em distribuir afecto. Inaugurou um novíssimo estilo de aproximação do cidadão, com presença nos acontecimentos relevantes; muitos considerarão como banalização da intervenção. E democratizou, muitos dirão popularizou, o reconhecimento dos bons serviços, com condecorações para as mais variadas modalidades e gostos, concedidas ao longo do ano todo, sem esperar por um qualquer novo dia ‘da raça’. Importa que haja muito reconhecimento; as pessoas motivam-se assim a continuar com elevado nível de prestação, excedendo-se no esforço.

 

A eleição por sufrágio universal para o cargo, para actuar em brevíssimos momentos de situação pré-crise, e pouco mais, parece demasiado para fazer pouco. Por isso, pode ser bom o Presidente intervir mais, onde for oportuno: para elevar o tom e dignificar os acontecimentos. Se houver exageros já se auto-limitará. Melhor mais do que menos.

 

Além dos dotes de inteligência, vem preparado: Professor de Direito; comentador na TV, ‘viveu’ a política... Tudo isto dá um à-vontade para intervir com autoridade e ter um raciocínio arguto, rápido e treinado na geração de alternativas e na sua avaliação, ao tratar de encarar situações-problema delicados…

 

Vivendo com intensidade o papel de Presidente, o seu trabalho profissional deixa uma nota de exigência para cada cidadão para que realize também o seu trabalho com dedicação, pondo entusiasmo, para se realizar profissionalmente e desfrutar dele.

 

Servir o país como Presidente deve ser esgotante; um mandato de cinco anos dá para fazer o importante. Outros que vierem depois farão a sua parte. Carter e Bush (Pai), antes referidos, foram para mim os melhores Presidentes daquele elenco; deixaram boas recordações e foram os únicos do grupo com um só mandato.

 

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Eugénio Viassa Monteiro

Professor da AESE-Business School e Dirigente da AAPI-Ass. de Amizade Portugal-India

 

Também publicado no Público

CRIAR TRABALHO É PRIORITÁRIO

 

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Entre nós foi muito bom trazer o investimento da Auto-Europa, há já muitos anos. Haveria que atrair, com imaginação, outros de boa dimensão. Não seria de pensar numa operação de uma grande empresa de software[1], por exemplo indiana, que como norma emprega muitos, pondo-se aqui no epicentro dos mercados ricos? Ou uma multinacional farmacêutica para fazer investigação, aproveitando a qualidade dos nossos especialistas, muitos dos quais trabalham em outros países europeus? Tem de ser um esforço inteligente, paciente e perseverante...

 

Lia há poucos dias uns números muito expressivos. Desde o começo da programa Make in India, seguido do Skill India, com continuação no Start-up India, aquele demorou um tanto a arrancar e ganhar raízes. Por fim, fê-lo e há esperanças de continuar com rapidez e eficácia.

 

Nos tempos do ‘socialismo indiano’, o empreendedor era visto quase como um escroque; os tempos mudaram, felizmente, e hoje louva-se quem empreende e cria riqueza, pois também cria trabalho. Mas a verdade é que a estrutura da legislação e regulamentação, acompanhada da burocracia do tipo soviético, precisavam de ser desmanteladas, para se arejar o ambiente, e torná-lo realmente amigo do empreendedor, para ele começar a desenvolver ideias de fazer e pô-las em prática com rapidez, sem paralisações dos burocratas.

 

Que números expressivos são aqueles? Referidos unicamente à montagem de smatphones na Índia, que eram zero, alcançaram os valores seguintes: em menos de 3 anos há fábricas em 10 estados da Índia, 25 fabricantes com 35 linhas de montagem. Criaram-se no conjunto 37.500 empregos directos (e mais 120.000 indirectos), montando-se actualmente 20 milhões de aparelhos por mês, com uma receita prevista das vendas de $14.400 milhões em 2016/17. Espera-se montar 500 milhões em 2019/20.       

 

Algo parecido está a dar-se no sector têxtil, no do automóvel, no farmacêutico, no da saúde, da construção civil, da energia solar e eólica, etc.

                                                                                                     

A batalha de produção é acompanhada pela da capacitação (skilling). No ano passado foram 10,4 milhões as pessoas treinadas, por cerca de 2 a 3 meses cada uma, para desenvolverem uma tarefa prática, na construção civil, na mecânica, nas montagens electrónicas e outros trabalhos técnicos ou de informática. E quer-se ampliar o processo de treino para aumentar o número dos que cada ano têm acesso a ele.

 

As startups estão a tomar balanço. A India é o 3º país em startups tecnológicas, a seguir aos EUA (com 47.000) e Reino Unido (4.500) está a Índia com 4.200. Considerando o conjunto das start-ups, tecnológicas e não, a Índia ocupa o 5º lugar com cerca de 10.000 (ano 2015/16). São números animadores para um país destruído pelo colonialismo e com 43 anos pós-independência de estagnação económica até 1991. Esta tendência parece acelerar-se, dado o grande ímpeto empreendedor indiano e a vontade de alcançar níveis de rendimento mais altos e comparáveis aos dos países desenvolvidos.

 

Com disse, a montagem dos smartphones criou 37.000 postos directos, que é algo importante para qualquer país; mas é-o também para as empresas que fabricavam noutros países: agora, têm custos mais baixos, pelos salários inferiores pagos e terão outros benefícios fiscais e uma atenção muito focada das entidades governamentais para não se emperrarem em armadilhas burocráticas.

 

Há novas políticas e correcção da legislação para atrair fabricantes, criando-lhes condições ajustadas. Poder-se-ia pensar se tais condições, nomeadamente de tipo fiscal, não seriam uma distorção do funcionamento do mercado. A fiscalidade está ao alcance de todos os países e não é a única condição de atracção; os salários mais baixos não são simples de se conseguir e a Índia é o maior mercado para aqueles produtos, que têm uma taxa de 10,5% sobre os importados, e isso é vantagem de peso para os fabricar localmente.

 

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Professor da AESE-Business School e

Dirigente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-Índia

 

Também publicado no Diário de Notícias, 04-IX-2016

 

[1] As maiores empresas de IT indianas empregam: a TCS, 360.000, a INFOSYS, 199.000 e a WIPRO, 175.000

SANTA TERESA DE CALCUTÁ

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 Se não pode alimentar 100, alimente só um”

Santa Teresa de Calcutá

 

 

 

No dia 4 de Setembro o Papa Francisco canonizou a Madre Teresa de Calcutá, em Roma. Falecida em 5 de Setembro de 1997, deixou uma marca indelével na Índia e em todo o mundo. Pouco compreendida no começo da sua actividade caritativa, a sua determinação fez saltar todas as barreiras, acabando por ser a pessoa mais amada e admirada, entre os pobres e abandonados, mas também entre os ricos.

À boa maneira Indiana, a canonização foi precedida de um festival de cinema, Mother Teresa International Film Festival, que teve lugar em Calcutá, de 26 a 29 de agosto, sobre a vida e feitos da Madre Teresa. Apresentaram-se 23 longas metragens procedentes dos Estados Unidos, França, Reino Unido, Espanha, Itália, Canada, Japão e Índia. A já proverbial produção cinematográfica indiana trouxe 7 filmes e o festival abriu-se com o documentário americano “Mother Teresa”. Está previsto que o festival viaje pela Índia toda e por outros diferentes países.

O impacte da vida e dos feitos da Madre Teresa não deixam ninguém indiferente. O esforço por ajudar a dar uma morte digna aos abandonados e sem meios, tem profundas ressonâncias em qualquer pessoa de bem.

Com frequência vem à mente a pergunta: Porque são tão pobres alguns dos países da África, Ásia, América Latina, enquanto outros são demasiado ricos? O que ou quem os fez pobres? Mas a Madre Teresa nunca se importou com tal: constatou a miséria e pôs mãos á obra, fazendo o pouco que no início estava ao seu alcance. Hoje é uma presença luminosa da sua Fé e do seu amor pelos mais humildes e sofredores.

Ensinou com o seu sorriso e palavra algo que sempre viveu: amar os outros, qualquer que seja a sua condição: “Encaremos os outros com sorriso, porque o sorriso é o começo do amor”; “nunca saberemos todo o bem que um simples sorriso pode fazer”; “espalhe amor. Não deixe ninguém vir a si sem o tornar mais feliz”, disse ela.

Deixou claro que não era uma trabalhadora social, nem médica, nem enfermeira, mas que estava consagrada a Deus, e, por isso, procurando resolver muitas das carências da sociedade. Afirmou: “as palavras que não dão a luz de Cristo aumentam a escuridão”.

 

Sempre se opôs ao aborto e repetiu esta ideia: “Tudo quanto destrói a dádiva Divina da maternidade, destrói a Sua mais preciosa dádiva à mulher: a sua capacidade de amar como mãe".

 

Integram as celebrações uma Missa de Acção de Graças, no dia 2 de Outubro (aniversário de Mahatma Gandhi), no Estádio Netaji, em Calcutá, a que assistirá o Vice Presidente da República Hamid Ansari. Seguir-se-á um programa cívico alusivo.

O Governo de West Bengal (capital em Calcutá) organizou também uma homenagem no dia 4 de Novembro. Será inaugurada uma estátua de bronze em tamanho natural, na Residência Espiscopal de Calcutá.

Nascida na Albânia em 26 de Agosto de 1910, entrou para a congregação das Irmãs do Loreto aos 17 anos; seguiu depois para a Índia, Calcutá, e quando se recuperava de uma doença recebeu o que ela chamou ‘um mandato’ de Deus para deixar o Convento e viver entre os pobres. Começou, assim, a ensinar crianças pobres e a tratar de doentes nas suas casas. Logo depois algumas das suas antigas alunas juntaram-se-lhe e em conjunto recolheram homens, mulheres e crianças abandonados que morriam nas valetas de Calcutá. Teria tido naturalmente a dúvida de se valia a pena fazer algo perante um problema tão devastador que tinha pela frente. Deve tê-la norteado o que veio a ser uma máxima sua: “Se não pode alimentar 100, alimente só 1”. E depois se descobrem meios para ampliar o alcance, até chegar a muitos.

Em 1950 fundou as Missionárias da Caridade, como uma Congregação diocesana. Hoje estão presentes em quase todo o mundo livre. A Madre Teresa faleceu em 1997, com 87 anos. Foi beatificada pelo papa João Paulo II em 19 de Outubro de 2003.

 

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Eugénio Viassa Monteiro

Professor da AESE-Business School e Dirigente da AAPI- Associação de Amizade Portugal-Índia

 

Também publicado no «Público»

RELEVÂNCIA DA ÍNDIA NAS CIÊNCIAS

 

Devemos muito aos indianos, que nos ensinaram a contar,

 

sem o que nenhuma descoberta científica relevante poderia

 

ser possível.

 

Albert Einstein

 

 

 

Quando nalgum colóquio perguntei quando foi criada a Universidade Portuguesa, a assistência respirou de satisfação e orgulho pela ancestralidade da mesma. A primeira Universidade Portuguesa é de Coimbra, fundada em 1290.

 

A seguir fiz a pergunta de qual a primeira Universidade do Mundo. A audiência começou a ajeitar-se na cadeira, inquieta e de olhos baixos, aparentando compenetração… não fosse eu disparar a pergunta a quem levantasse o olhar, se tinha algum palpite…

 

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E a surpresa: a Índia? Sim a Universidade de Takshashila ou Taxila teve uma existência pujante entre os séculos 6 AC e 5 AD, no reino de Gandahar, no local onde actualmente fica o Punjab, no Paquistão.

 

Com a idade mínima de 16 anos para a frequentar, aí se ensinavam 68 matérias diferentes, dizem, chegando a ter mais de 10.000 estudantes, vindos da Babilónia, Grécia, Siria, China, e de diversos locais da Península Hindustânica.

 

Mestres com grande saber ensinavam os vedas, línguas, gramática, filosofia, medicina, cirurgia, tiro de arco, política, estratégia da guerra, astronomia, contabilidade, comércio, documentação, música, dança, arte da representação, futurologia, ciências ocultas, cálculos matemáticos complexos, etc. O elenco de Professores famosos integrou: Kautilya1, Panini2, Jeevak3, Vishnu Sharma4, entre muitos outros. Assim, o conceito de Universidade abrangente, com altura intelectual e científica, integradora de conhecimentos, veio precisamente da Índia.

 

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Outra Universidade antiquíssima situou-se no actual Estado de Bihar, a Universidade de Nalanda, em actividade por mais de 7 séculos, dos anos 400 a 1200 da nossa era. Desapareceu em consequência de actos de barbárie que queimaram tudo, reduzindo a cinzas.

 

Universidade de Nalanda (Índia)

 

Nalanda em sânscrito significa: que dá conhecimentos, de Nal e Da. Foi fundada por Kumargupta do reino Gupta, na idade de ouro da antiga Índia. Ensinava: Astronomia, Astrologia, Cirurgia, Medicina, Cosmologia, Química, Metalurgia, Arquitectura, Cálculo, Álgebra, Trigonometria, Geografia, Ayurveda, Teologia, Lógica, Filosofia, etc.

 

Foi a primeira Universidade residencial com 108 unidades de 30 quartos cada uma e estes com estante para livros, água potável, etc. Tinha a maior biblioteca do mundo da época. Nela se formaram pessoas como Aryabhatta, Varahmihira, Kalidasa, Vatsyayana, etc.

 

O ensino, a estadia e a alimentação dos estudantes eram gratuitos. Havia patrocinadores que valorizavam o saber e se dispunham a custeá-lo.

 

A Universidade foi reduzida a cinzas por bárbaros que a queimaram.

 

A sua actuação pelos séculos granjeou fama. O seu campus teria 1,7x0,85 kms de extensão, com 300 salas de aula com bancos de pedra; dispunha de laboratórios e outras facilidades, entre elas uma torre de observação e pesquisa astronómica. E uma ampla biblioteca designada por Dharma Gunj ou Montanha do Saber, ocupando três edifícios.

 

O exame de admissão seria muito exigente, entrando apenas 3 de 10 estudantes. Testemunho importante é do viajante chinês Hiuen Tsang que escreve no seu diário: havia em Nalanda 10.000 estudantes e 200 Professores. Tsang foi estudante e mais tarde professor em Nalanda.

 

Qualquer destas duas Universidades não teve continuidade até aos nossos dias. Mais recentemente, há cerca de 5 anos, reanimou-se a de Nalanda, no local da antiga Universidade, num Campus de 190 ha, tendo contado para primeiro Chanceler o Prémio Nobel Amartya Sen.

 

A tradição Universitária teve consequências importantes no pioneirismo e desenvolvimento das Ciências, da Matemática, da Medicina, da Astronomia, da Trigonometria, etc., como se indica numa breve amostra seguinte:

 

Índia na vanguarda da Ciência

  • Índia inventou o sistema numérico. O sistema que valoriza a posição do número; o sistema décimal, foi desenvolvido por volta do ano 100

  • DC.Aryabhatta, que inventou o zero, foi o primeiro a explicitar a forma esférica, dimensão, diâmetro e rotação da Terra, no ano 499.

  • Ayurveda é a mais antiga escola de Medicina conhecida. Charaka, o pai da medicina, consolidou Ayurveda há 2.500 anos.

  • Em Siddhanta Siromani (Bhuvanakosam 6), Bhaskaracharya II dava uma descrição da gravidade da terra 400 anos antes de Sir Isaac Newton; tinha noções claras sobre o cálculo diferencial e a teoria das fracções contínuas.

  • Bhaskaracharya calculou o tempo da órbita da Terra à volta do Sol, centenas de anos antes do astrónomo Smart. O tempo calculado para a Terra orbitar à volta do Sol era de: 365,258756484 dias.

  • O valor do pi foi calculado por Boudhayana, que também explicou o que conhecemos como teorema de Pitágoras, no século 7 AC. Este facto foi validado por académicos ingleses em 1999.

  • Maharashi Sushruta é o pai da cirurgia. Cerca de 2.600 anos atrás, ele e os cientistas da Saúde, realizaram complexas cirurgias como Cesarianas, cataratas, próteses de membros, pedras nos rins e ainda cirurgía plástica.

  • De acordo com o Gemmological Institute of America, até ao ano 1896 a Índia era a única fonte de diamantes no mundo. Descobriu-os e utilizou a partir do século IX AC.

 

Há quem veja na actual actividade no domínio da Investigação e Desenvolvimento em campos vastíssimos, das Tecnologias de informação e Comunicação, da Exploração do Espaço, da Energia Nuclear, etc., como um reatar com as suas tradições intelectuais, interrompidas a partir das invasões e dominação colonial.

 

Lisboa, 28 de Agosto de 2016

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Eugénio Viassa Monteiro

Professor da AESE-Business School e Dirigente da AAPI-Associação de

 

Amizade Portugal-India

 

Texto igualmente publicano no Observador

QUALIDADE DO ENSINO É PAUTA DO DESEMPENHO DO PAÍS

 

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Ao observar em diferentes países a solidez do seu desenvolvimento, indaguei como era a qualidade e exigência do seu ensino. Não duvido haver uma correlação forte entre os dois parâmetros.

 

Porque o ensino em geral, e mais o ensino Superior, incutem hábitos de trabalho e de exigência intelectual que mais tarde têm reflexo no trabalho profissional, nas organizações em que aqueles se inserem e comandam, moldando as instituições e espalhando essa exigência e compromisso com a qualidade de tudo quanto se faz no país.

 

Nas sociedades acomodadas, onde têm voz os medíocres, que falam mais do que trabalham, a tendência é para um nivelamento por baixo. Tipicamente, quando se quer resolver problemas de insucesso baixando a fasquia da exigência, para fazer passar todos, é quando se criam frustrados e incapazes. Porque o estudante, com essa passagem, em particular nas matérias estruturantes do pensar, vai avançando, com dificuldade crescente, sem bases que nunca chegou a adquirir, acumulando incompetência e incapacidade, ao ver-se empurrado, sem domínio dos conhecimentos básicos necessários.

 

Ao contrário, um razoável teste para passar de ano ou entrar num determinado curso, acaba por ter mais vantagens do que inconvenientes. Veja-se o que se passa no acesso aos estudos de Medicina: com a seleção baseada nas médias dos estudos, ainda que falível e incompleta, é contudo muito melhor do que não existir nada. E os resultados notam-se: a selecção leva os candidatos a começarem a estudar, com intensidade, muito antes e ganham hábitos de trabalho que perduram pela vida fora. E, depois do curso, acabam sendo bons profissionais, pelo saber que adquiriram com a aplicação, mas também com a exigência no âmbito do seu trabalho, reflexo da que tinham antes de entrarem para a medicina.

 

Poderia pensar-se se não seria uma selecção demasiada, pois há falta de médicos e algum excesso deles não seria nada mau. Seja como for, hoje uma pessoa sente-se em boas mãos..., no que toca ao ‘saber’ dos médicos.

 

Por motivos diferentes, por não haver suficientes instituições de Ensino Superior, na admissão para os Indian Institute of Technology (IIT), na India, há uns anos atrás havia 425.000 candidatos para 9.500 vagas (1 vaga por 45 candidatos). Durante um longo tempo os candidatos preparavam-se intensamente, para conseguir entrar. A admissão no IIT é como um passaporte para uma carreira profissional óptima e bem remunerada na India e melhor nos EUA.

 

Para os que não entram, não é uma situação frustrante, depois de tanto esforço? É. E importa que da parte da familia, não se dê demasiada importância, nem se crie grande tensão, para o jovem não se sentir frustrado.

 

À par deste contra, os aspectos a favor são muito importantes: todos os que se prepararam ficam num nível de conhecimentos e de raciocínio muito superior ao do momento inicial da preparação. E mesmo não entrando nos IIT, ao entrar em qualquer instituição de 2ª escolha, eles chegam bem preparados.

 

Por falta de meios, veio a insuficiência de faculdades para os estudantes que queiram prosseguir os estudos. Mas a boa qualidade dos que se formam em matérias científicas, técnicas, médicas, informáticas, económicas, etc., quando inseridos num modelo económico que valoriza a iniciativa faz empurrar a Sociedade a grandes passos como a India está a dar a partir do ano 1991. Após graves sofrimentos da população com a destruição operada pela colonização britânica, veio o pós-independencia, com o modelo apelidado de socialismo indiano, que matou a iniciativa e responsabilidade pessoal. Contudo, houve formação de qualidade e muitos licenciados nas melhores Escolas da India foram produzir riqueza, saber e empregos nos EUA. Poderiam tê-lo feito na sua terra, enriquecendo-a, como agora já está a acontecer com intensidade ao criar-se um espaço de liberdade para as iniciativas dos cidadãos.

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Eugénio Viassa Monteiro

Professor da AESE e Dirigente da AAPI

CHURCHILL - HERÓI, PRÉMIO NOBEL E…

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Há acções que nos surpreendem pela positiva, como prova de coragem, de paciência, de sentido de missão ou de sangue-frio; justamente por isso os seus autores se tornam heróis aos nossos olhos. E gostaríamos de os ver sempre assim, heróis! Sem baixezas… ou abstraindo mesmo das pequenas escorregadelas.

 

A não ser que tenha havido um esforço sério por praticar o bem, para fazer o que é correcto, arraigando virtudes no proceder habitual, eles não estarão isentos de deslizes, alguns fortes, cedendo a paixões, à sêde do poder ou a mesquinhas vinganças.

 

Ao ler o livro The end of poverty, de Jeffrey Sachs, tinha-me chamado a atenção, esta frase: “A maior ilustração da irresponsabilidade imperial britânica foi a sua resposta às repetidas fomes e doenças epidémicas durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX” (Penguin Books, pg. 174). Que exagero, pensava eu, ou apenas força de expressão.

 

Alguns autores britânicos como William Darlymple ou Angus Maddison, nos seus estudos histórico-económicos tinham evidenciado como a riqueza que a Índia produzia fôra sendo destruída abruptamente a ponto de passar de mais de 24% antes da colonização, para menos de 4% na retirada dos ingleses. É muito de louvar que os investigadores britânicos não se tenham deixado levar por fábulas e superficialidades, na linha da exaltação nacionalista tão frequente na Europa, muitas vezes fomentadas pelo governo ou algum sector fascista. Intrigado com as afirmações de Sachs, tentei saber do alcance de tal ‘irresponsabilidade’.

 

Na verdade, segundo relatos históricos, na 2ª parte do século XIX e na 1ª do século XX, entre 15 a 29 milhões de pessoas terão morrido de fome e epidemias na Índia, sem que os dominadores colonialistas tenham mexido um dedo! E só no ano de 1943, quando Churchill era primeiro ministro, a situação era muito grave, com extrema falta de mantimentos na região de West Bengal, de capital em Kolkota. A fome apertava e os chefes colonizadores locais mandaram telegramas urgentes a Churchill chamando a atenção para a gravíssima situação e queriam proceder à distribuição de mantimentos armazenados para o efeito. Churchill opôs-se, com veemência, alegando uma justificação, que nada justifica, senão um ódio mal-contido aos indianos: ‘que poderiam fazer falta aos britânicos’, anafados e bem-alimentados.

 

E no papel do telegrama recebido anotou esta frase cínica e cruel: ‘Como é que Gandhi não morreu ainda?’ (de fome, por suposto). Impediu que se acudisse à fome. Deixou que morressem, em consequência, 4 milhões de cidadãos Indianos, em 1943 (cfr. Shashi Tharoor, https://www.youtube.com/watch?v=f7CW7S0zxv4 at Oxford Union)

 

Desenterrar atrocidades coloniais? Sim, para reavivar a memória e aprender dos erros do passado e, no mínimo, para se ter a humildade de os reconhecer e pedir desculpas! ‘Purificar a memória’, chamou o Santo Papa João Paulo II. Foram 4 milhões de vidas humanas ceifadas pelo capricho de um ‘herói’, com poder e com armas! Qualquer juiz sensato classificaria, sem hesitar, de crime com premeditação.

Desgraçadamente, na colonização britânica na Índia, estes casos macabros nem foram um acto isolado, nem infrequente… O desrespeito pelos cidadãos indianos foi acompanhado de ódio mal contido; talvez por os ingleses se sentirem humilhados com a superioridade moral e intelectual dos indianos que não davam importância ao colonizador. Recorde-se o massacre de Jallianwalla Bagh, no Amritsar, em que centenas de indianos foram mortos a sangue-frio e muitos mais feridos quando se manifestavam pacíficamente, sem nenhumas armas na sua posse!

 

As seguintes palavras pronunciadas no Parlamento britânico, são atribuídas a Lord Macaulay, proferidas em 2 de Fevereiro de 1835 (ele foi membro do Supreme Council of India, quando W. Bentick era Governador-Geral): “Viajei ao longo da Índia e tomei o pulso: não vi nenhum mendigo ou ladrão. Vi tal riqueza no país, tais valores morais, pessoas de tal calibre que não penso que alguma vez consigamos conquistar este país se não partimos a coluna vertebral desta Nação, que é a sua herança espiritual; por isso, proponho substituir o seu velho e antigo sistema de educação e a sua cultura…”

 

Churchill é um herói para os europeus. Mas como pessoa de forte personalidade não admitirá que não seja recordado com todos os seus atributos, em corpo inteiro, sem camuflagens, como sempre foi: herói e assassino de 4 milhões de indianos!

 

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Eugénio Viassa Monteiro

FORTES E DÉBEIS…

 

 

 

Quando comentava a grande eficiência do funcionamento do ‘número de emergência’, EMRI (108), que é um sucesso na Índia, pelo alívio que leva a quem está em apuros, veio-me ao pensamento uma frase de André Maurois, respeitante a si próprio, que li há tempos: “Não digais que sou forte ou fraco; realmente sou forte e fraco.” (Diálogos sobre o mundo – André Maurois, membro da Academia Francesa).

 

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Quem criou o EMRI? Foi iniciativa pessoal de Ramalinga Raju, empresário, fundador da Satyam, empresa de TI, que chegou a ser a 4ª maior empresa de Tecnologias de Informação da Índia, em faturação. Convidou Changavalli para ser o Director Geral e concretizar a ideia do EMRI - Emergency Management and Research Institute, financiado por Ramalinga Raju, em 2005.

 

Depressa o 108 demonstrou ser a resposta ansiada pelo cidadão, tão necessária, operando em parceria público-privada nos diferentes Estados (da Índia). Em menos de 6 anos, prestava serviço a uma população de 400 milhões; hoje, na Índia, mais de 900 milhões têm o benefício da sua acção rápida, no local da emergência.

 

Em 2009, Changavalli recebeu uma chamada urgente de Ramalinga Raju. Pedindo desculpas, anunciava que se iria demitir de Presidente; havia convocado uma conferência de imprensa para denunciar a sua fraude de ter criado $1.000 milhões fictícios na contabilidade da Satyam, empresa cotada na bolsa. E pedia que Changavalli continuasse no seu posto, procurando novo financiador, para que a EMRI não se desmoronasse e continuasse a expandir-se pelo país, com serviços tão apreciados, em especial pelos mais pobres.

 

De facto, dois dias depois, Raju era preso. Dada a dimensão da Satyam e da fraude, o Governo nomeou uma Comissão gestora, para que a empresa não se desfizesse com a deserção de clientes e colaboradores.

 

Era uma situação única: Raju, transbordante de iniciativas, cria um conglomerado valioso, no qual brilha a Satyam; promove uma ‘entidade social’, público-privada, para acudir às emergências, algo que ninguém se lembrara de fazer, nem o Governo, que tinha tal obrigação!

 

Dado o vibrante espírito empreendedor, Raju necessitou de dinheiro para entrar em novos negócios que criariam mais riqueza e trabalho no país. Se fosse um burocrata sem iniciativa a administrar um bem privado ou público, poderia viver sossegado e ser condecorado.

Tudo o que Raju fizera de grandioso, num instante se desvaneceu… Raju é um escroque! – disseram muitos… Pouco antes, era um herói!

 

Raju foi condenado a 7 anos de prisão, donde saiu sob fiança.

 

É certo que só o empreendedor cria riqueza. Quando a iniciativa é muita, a ponto de ultrapassar a linha divisória, para procurar dinheiro, ele não mereceria ser desculpado, face ao bem feito antes? Talvez… Mas, se assim fosse, não se estaria a dar asas à corrupção? Por causa dela, há países onde o dispêndio de enormes recursos para elevar a vida dos pobres redunda em nada. Veja-se o Brasil…

 

Em contraste, Singapura tem ‘corrupção zero’, dizem; e progrediu da situação miserável no fim da colonização inglesa até ser hoje um dos países mais ricos e organizados, com regras que todos cumprem com rigor; parece um exagero, mas é um sucesso, pois é muito rica!

 

Singapura e Brasil mostram como não é nada indiferente conviver com a fraude; ela tem altíssimos custos: o país fica encalhado e os pobres ficam mais pobres ainda!

 

A fraude impune cria um ambiente de pirataria: tudo está a saque e é ‘inteligente’ quem mais rouba! Espalha-se como uma gota de óleo à superfície da água e pode fazer esquecer as exigências éticas, generalizando um clima permissivo.

 

Pelo contrário, a justiça célere reforça a ideia de que não compensa tomar decisões incorretas. Na Índia ou na Europa…

 

Há quem tenha prestado grandes serviços à Sociedade, dignos de louvar. Se teve debilidades, nada mais natural do que responder por elas… e arcar com as responsabilidades todas. A vontade deve ser educada pelo cultivo das virtudes, para se decidir mais facilmente por aquilo que é correto fazer, sempre. E evitar o que atrai e dá vantagens materiais, sacrificando o que é justo.

 

Decisões injustas prejudicam muito mais o seu autor, em primeiro lugar; mas também os outros e a sociedade inteira.

 

2 Agosto, 2016

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