(foto gentilmente cedida por Floriano Lobo, Goa Su-Raj Party)
Nos 50 anos da invasão, um pequeno grupo de manifestantes participou ordeiramente na conferência "Goa 1961 e depois" inaugurada hoje na Universidade de Goa, em Pangim.
Daqui a 15 dias, precisamente no dia 18 de Dezembro de 2011, perfazem-se exactamente 50 anos (meio século!) que eu, então um jovem de 32 anos, casado e já com três filhos, descolei de Goa em condições precárias: de noite, sem luzes, numa pista que não tínhamos a certeza de não estar bombardeada. A velocidade de descolagem foi a mínima para que o avião, o Superconstellation CS-TBA, transportando gratuitamente alguns goeses embarcados à última hora, pudesse erguer-se no ar. Felizmente, a noite estava serena, sem uma nuvem no céu. Temíamos que os pulhas dos indianos nos perseguissem e por isso mantivemos o nível de voo a 500 pés, com as luzes de navegação apagadas. Como navegador, não deixei de fazer dois fixos astro e só subimos mais na FIR (Flight Information Region) de Karachi. E pouco depois aterrámos no aeroporto desta cidade paquistanesa, então a capital, onde oficiais do Paquistão, demonstrando o seu asco pela União Indiana, nos acolheram com atitudes de amizade e de reprovação à dita.
A agressão a Goa, em que Salazar parece nunca ter acreditado, dado o grande prestígio internacional de Nehru, discípulo do Mahatma Gandhi, como pacifista, fez-se de facto, sem qualquer provocação da nossa parte. Mas Nehru, vencido pelo feroz Krishna Mennon, seu Ministro dos Estrangeiros (ou da Defesa), acabou por condescender e tanto condescendeu que perdeu todo o seu prestígio, que se foi pelo bueiro, e em breve se foi por aí também o seu poleiro. Passados tempos, encontrámos em Luanda um piloto indiano da Sabena, o qual em conversa concordou que a União Indiana procedera mal. E diz-se que o próprio Nehru teria reconhecido que quem tinha razão fora Salazar. E tinha.
A União Indiana foi a herança recebida da Grã-Bretanha, que dera "liberdade" às suas "colónias" da Índia. Esta não é uma Nação, mas sim Nações, não é uma Cultura, mas Culturas. Não é uma raça, mas sim raças. Nem sequer é uma Religião, mas Religiões. Como entidade política, a União Indiana é mais aberrante, mais anormal, do que a famigerada União Europeia. Só que os Povos da Índia, habituados a serem subjugados durante séculos, suportam sem se queixar mais um domínio colonialista. Dizem que cronicamente sujeitos a domínios e a mudanças políticas, os indianos são o povo que mais ouro tem... sim, enterrado, para que os ladrões não lhes surripiem a segurança dum futuro desgraçado que possa surgir.
Goa foi portuguesa durante 450 anos. Conquistámo-la aos mogóis muçulmanos, de certo modo libertando-a de dominadores que não eram hindus. Fizemos lá muitos cristãos e muitos amigos, como no resto do sub continente. Mas também inimigos, nos muçulmanos de Calicut, por exemplo, e também, por incúria, em gente que mal tratamos, embora nada de significativo, na verdade, tenhamos roubado ou prejudicado.
Nos tempos modernos com dificuldade se via um europeu nas ruas de Goa. Eu pude testemunhar isso. A Índia portuguesa era de facto um estado autónomo português, o Estado da Índia Portuguesa. De modo que a invasão e ocupação desse Estado por tropas da União Indiana foi uma ilegalidade manifesta, uma estupidez incrível da parte dum homem tão prestigioso como Nehru.
Imagine-se que as hipotéticas tropas (ainda inexistentes?) da União Europeia invadiam e ocupavam o Liechtenstein, por este teimar em não querer ser anexado. Um absurdo, uma bronca política, uma cobardia, uma javardice, uma vergonha. Tudo isso foi o ataque a Goa, Damão e Diu.
Nota, talvez esclarecedora: Krishna Menon, o feroz inimigo de Portugal, era natural de Calicut!
Finalmente, o Samorim conseguiu vencer os "piratas" portugueses!
O 15 de Agosto de 1955 no ex-Estado da Índia Portuguesa
A <História> que não foi contada
O DIA DO SATYAGHRAY
Ao entardecer da véspera do dia 15 de Agosto de 1955, era dado o alerta em todas as unidades, com as forças policiais e Guarda Fiscal a tomarem posições dianteiras junto das fronteiras. Caía a noite e as informações recebidas no Quartel General em Pangim, eram de algum modo alarmantes, constando que dezenas de milhares de satyaghras se aprontavam para invadir os Distritos de Goa, Damão e Diu, com a retaguarda apoiada por forças do Exército regular indiano.
Por determinação do Subchefe do Estado Maior do Quartel General, Major Matias, mais tarde adido militar em Londres, foi o autor destas linhas incumbido de o acompanhar na inspecção às diligências estacionadas na fronteira norte. Era noite cerrada, quando partimos de jeep em direcção a Mapuçá, depois da travessia obrigatória, em «ferry-boat», do rio Mandovi.
Postos de retardamento da ofensiva estavam escalonados nas bermas das estradas e caminhos secundários, por vezes causando calafrios, devido ao aparecimento repentino dos nossos militares, que aos gritos estridentes de «alto», de armas aperradas, nos apontavam pequenos mas potentes holofotes, encandeando a nossa visão.
Passada a cidade de Mapuçá, com uma curta paragem no Esquadrão de Cavalaria, a fim do Major Matias se inteirar da situação, seguimos com destino à vila de Perném, depois de passarmos Colvale e atravessarmos o rio Chaporá.
Em Perném, onde chegámos pela alva da manhã, as notícias nada tinham de animadoras. O Alferes responsável pela segurança e defesa daquela vila informava que milhares de satyaghras estavam postados do outro lado da fronteira prontos a avançar. Tomada a primeira refeição do dia, partimos com destino a Tiracol, rodeados ainda de maiores precauções.
À medida que nos entranhávamos na zona fronteiriça os acontecimentos precipitavam-se. Bandeiras da União Indiana estavam hasteadas nas cabanas que ladeavam a aldeia de Corgão. Recebemos ordens para as retirar, tarefa que poderia ser simples, se alguns dos paus das bandeiras não estivessem em contacto com petardos, enterrados no solo e camuflados pela vegetação.
Depois deste moroso trabalho, sem incidentes, um numeroso grupo de satyaghras surge-nos pela frente à entrada da aldeia. Após uma curta refrega em que não houve vítimas, os invasores rendem-se aos quatro ocupantes do jeep. Via rádio pedimos reforços a fim de tomarem conta dos detidos e depois destes terem sido entregues às autoridades policiais, continuámos a estafante caminhada para Tiracol.
À entrada da aldeia de Arambole, o confronto foi mais duro com os antagonistas a apresentarem-se em muito maior número e dando mostras de pretenderem atacar a nossa viatura. A breve escaramuça foi filmada por dois correspondentes de guerra estrangeiros, havendo a lamentar a morte de dois satyaghras e ferimentos graves noutro, vitimados por disparos de uma patrulha que não se apercebeu do esforço que estávamos a fazer para os capturar sem violência.
Igreja matriz - Pangim
Esta peripécia foi objecto de uma extensa reportagem ilustrada no jornal «India Express», de 28 de Agosto, em que o autor desta resenha é apresentado sem culpa alguma, como o principal protagonista.
Dominados os prevaricadores, tivemos que aguardar a chegada de reforços para encetarmos a viagem com destino a Tiracol.
Após estes percalços, prosseguimos viagem, entrando-se numa das zonas mais turbulentas deste histórico 15 de Agosto de 1955. Por todos os pontos fronteiriços os satyaghras entravam, apesar dos esforços da Polícia reforçada por militares para os suster, uma vez que toda a fronteira de Goa é propícia a infiltrações em virtude de ser densamente arborizada.
Em Quirapanim, no posto da Guarda Fiscal, embarcámos na lancha daquela corporação, percorrendo o rio Tiracol até à fortaleza do mesmo nome, travessia que durou pouco mais de trinta minutos e feita com o credo na boca, devido à proximidade do território da União Indiana. Em Tiracol, o ambiente era calmo, com o Tenente Namora a comandar a guarnição da fortaleza.
Horas depois, e com uma ração de campanha a saciar o apetite, ouvimos uma infernal algazarra, vinda do declive sobranceiro à histórica fortaleza. Lá estavam, muitas centenas de satyaghras empunhando dísticos e bandeiras na tentativa de assaltarem a fortaleza.
Prontos para o pior, esperámos a investida. Como tal não sucedesse, iniciámos o regresso, desta vez com destino às diligências postadas na fronteira nordeste. A travessia do rio Tiracol fez-se na direcção da aldeia de Querim, em barco a remos, aldeia que fica na margem oposta e defronte do velho baluarte, que no seu interior possui uma ermida dedicada a Nossa Senhora.
Em Querim, tomámos o jeep, que se tinha deslocado de Quirapanim e por caminhos perigosos e impróprios para a circulação de uma viatura, prosseguimos na nossa odisseia. Sinquervale, Doramarogo e Maulinguém, onde estava instalada a carreira de tiro militar, eram palcos de confrontos violentos, com as suas pequenas guarnições a expulsarem os indianos para o outro lado da fronteira.
Entrámos também nestas cenas sem que antes e nos pontos mais setentrionais do território, tivéssemos assistido e participado na expulsão dos satyaghras. Mas foi naqueles remotos lugarejos que os embates atingiram o auge.
Na vila de Bicholim, já se tinham feito estragos, mas após poucas horas da sua entrada, foram repelidos, muitos deles ficando prisioneiros das autoridades portuguesas. Em Valpoi, o panorama foi o mesmo com rijas escaramuças para expulsarem as hostes invasoras. O pessoal civil a trabalhar em obras militares e a própria população auxiliou as forças da ordem a expulsar os assaltantes.
Após um frugal jantar onde o cansaço era visível no rosto de todos, rumámos pela calada da noite ao ponto de partida – Pangim. O regresso foi feito sem incidentes, mas por toda a parte eram notórios os vestígios da passagem satyaghray. Pelas aldeias, os habitantes em alvoroço e ainda não refeitos dos acontecimentos do dia e viaturas de toda a espécie tombadas e danificadas. Os militares e polícias retemperavam-se do grande esforço dispendido.
Chegados ao Quartel-General fomos felicitados por toda a gente merecendo especial citação as palavras do general José Filipe de Barros Rodrigues, Chefe do Estado Maior do Exército, que se encontrava em Goa, em missão de inspecção, e para quem directamente trabalhei quando prestava serviço no Conselho Superior do Exército, em Lisboa, que teve a gentileza de me louvar em Ordem de serviço.
O Coronel do CEM, Antunes, Chefe da Repartição de Reorganização do Exército do Estado Maior, em Lisboa, que acompanhava o general Barros Rodrigues, também dirigiu palavras de louvor à equipa dos quatro no jeep. (1)
Mas a proclamada invasão satyaghray ainda não tinha terminado. Na região sul, as notícias chegadas ao Quartel General, faziam prever que ainda havia muito trabalho para fazer, embora o impacto inicial tivesse arrefecido.
Entretanto, na madrugada do dia 16, chegava a informação que duas Companhias do Exército regular indiano, tinham atravessado a fronteira, em Tiném, vila fronteiriça da zona centro e estação do caminho-de-ferro que se estende até Mormugão.
Foram horas de expectativa que causaram sérias apreensões nas altas esferas militares, mas a borrasca que se avizinhava foi desfeita quando os comandos dessas forças, aos serem cercadas pelas guardas avançadas do Batalhão de Pondá e do Grupo de Cavalaria de Torçanzori, comunicaram que se tinham enganado no caminho, julgando encontrar-se em território da jurisdição indiana.
Com a retirada das forças vizinhas, poder-se-á afirmar que o dia mais escaldante e a noite mais longa vividos no então Estado da Índia Portuguesa, antes de 18 de Dezembro de 1961, tinha terminado.
Em Damão e Diu, também o movimento popular indiano se fez sentir, mas não com o impacto que se registou em Goa, onde uma dezena de correspondentes de guerra de vários países fez o relato circunstanciado dos acontecimentos, por vezes falhos de verdade.
Com este processo de retaliação posto em prática durante muitos anos contra os ingleses, ficava por demais provado que os enclaves portugueses no Hindustão, nunca seriam absorvidos, até porque a sua população continua lá disposta a viver sob a Bandeira das Quinas, embora entre ela houvesse alguns dissidentes.
Para aguçar a minha curiosidade, deixei-me ficar para o fim, ficando prisioneiro do Exército indiano, aquando da invasão de 18 de Dezembro de 1961.
(1)Este oficial superior, um dos melhores estrategas militares, perdeu a vida num brutal acidente de aviação, em Angola, no auge da guerra naquela ex-colónia portuguesa.
Templo hindu - Manguexa
FIM
Alberto Alecrim
Artigo da Revista Macau nº 18 de 1989-edição do Gabinete de Comunicação Social do Governo de Macau fotografias de Leong Ka Tai cedidas pelo Instituto Cultural de Macau; cópia fiel
O 15 de Agosto de 1955 no ex-Estado da Índia Portuguesa
A <História> que não foi contada
Fortaleza de Tiracol
PREPARAÇÃO PARA A DEFESA DE GOA
Preparados para todas as eventualidades, encontravam-se também os Batalhões de Caçadores nºs. 1 e 2, aquartelados, respectivamente, em Margão e Pondá, unidades estas oriundas das antigas províncias de Angola e Moçambique. A Companhia de Caçadores nº 8, despachada de Moçambique no último momento, ainda tomou parte no rechaçar da invasão satyaghray.
Na cidade de Margão, encontrava-se ainda o Grupo de Cavalaria de Torçanzori, com diligências apoiadas de auto-metralhadoras espalhadas por quase todo o distrito de Goa. Em Mapuçá, no concelho de Bardês, fixava-se o Esquadrão de Cavalaria, com as auto-metralhadoras a defenderem o reduto norte.
No planalto de Bogmaló, a cobrirem o porto de Mormugão, viam-se a Bataria de Artilharia Anti-Aérea de Penafiel e as de Artilharia Ligeira de Évora e Santarém, sob o comando geral do major João Pedro Correia de Matos, que depois da sua missão na Índia, voltaria a comandar o Forte do Alto de Duque, em Algés (Lisboa).
Em Damão, os reforços à precária e reduzida guarnição também não se fizeram esperar, com o minúsculo distrito de Diu a ver a sua histórica fortaleza com mais bulício devido à chegada de novos militares para prestarem serviço na Bataria de Artilharia e Companhia de Engenharia.
Enquanto não se aproximava o momento anunciado para a invasão satyaghray, que tudo levava a crer seria apoiada por elementos do Exército regular indiano, iam sendo levadas a cabo acções violentas no território de Goa, mas sem consequências de maior, registando-se, contudo, algumas baixas nas forças da autoridade.
Pouco mais de dez mil homens, apoiados no mar pelos navios de guerra «Afonso de Albuquerque», «João de Lisboa», «Gonçalo Velho» e ainda o navegável «Faial», aguardavam o desenrolar dos acontecimentos.
Governava o Estado da Índia Portuguesa, o general Benard Guedes, que após terminada a sua comissão de serviço, regressou a Lisboa, vindo mais tarde a desempenhar o honroso cargo de lugar-tenente ou conselheiro de D. Duarte Nuno, o Príncipe das Beiras e herdeiro ao trono de Portugal (1).
Alberto Alecrim
Artigo da Revista Macau nº 18 de 1989-edição do Gabinete de Comunicação Social do Governo de Macau fotografias de Leong Ka Tai cedidas pelo Instituto Cultural de Macau; cópia fiel
(1)Na colónia Britânica de Hong Kong reside uma filha deste ilustre oficial-general - que faleceu em Benguela - casada com o reputado médico Dr. Barros Lopes.
O 15 de Agosto de 1955 no ex-Estado da Índia Portuguesa
A <História> que não foi contada
Os que viveram no dealbar dos anos 50 nas paradisíacas plagas portuguesas do Estado da índia, dos extensos palmares debruçados sobre as belas praias onde o mar é mais azul; dos esguios e resistentes coqueiros, cujo fruto serve em mil e uma aplicações, até para matar a sede; das altivas e verdejantes arequeiras, onde pequenos símios e dóceis esquilos se deleitam com as suas cabriolices; onde o manganês abunda e se extrai de inesgotáveis filões. Os que viverem nestas terras de encanto, onde brotaram nomes de vulto que deram novas luzes ao mundo, jamais podem olvidar o dia mais escaldante: modesto ensaio da invasão levada a cabo pelas forças indianas em 18 de Dezembro de 1961.
Depois da queda dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, paraísos das madeiras preciosas, em que o guarda policial Aniceto do Rosário, ao pretender vincar a soberania portuguesa, perdia tragicamente a vida, o espectro de nuvens negras pairava sobre os distritos de Goa, Damão e Diu.
Bandos numerosos de satyaghras – fanáticos hindus que (por vezes) não utilizam a violência – preparavam-se para tomar de assalto aqueles territórios, mas devido à falta de coesão do movimento satyaghray e à pronta intervenção das forças portuguesas de segurança, os seus intentos fracassaram, não obtendo o mesmo êxito de Dadrá e Nagar-Aveli.
Estávamos no ano de 1954 e no dia 15 de Agosto, data em que a União Indiana, comemorava o 7. ° aniversário da sua independência.
Rechaçado o primeiro impacto, voltava a «All lndia Radio», nas suas emissões destinadas ao então Estado da índia Portuguesa, a anunciar que uma invasão de maiores proporções estaria prestes a ser desencadeada.
Alertado por este sério aviso, o Governo da Metrópole mandava reforçar a parca guarnição militar. No mar, a vigiar as águas territoriais, apenas existia o aviso de 1.° classe «Afonso de Albuquerque», que acabou os seus dias encalhado na praia de Bambolim, aquando da invasão de 1961, depois de heróica resistência frente à formação naval indiana, onde perdia a vida o 1.° Grumete, José Manuel Rosário da Piedade, ficando gravemente ferido o Comandante Aragão.
A mobilização foi geral e desde a I Grande Guerra, que o rio Tejo não servia de cenário ao zarpar contínuo de barcos transportando contigentes militares, mas desta feita não com o destino aos campos da Flandres, mas a paragens que pela Constituição então vigente, constituíam o prolongamento de Portugal Continental.
A rota, pelo Canal Suez, encurtava o caminho até ao porto de Mormugão, ancoradouro natural e o mais favorável ao movimento de navios em toda a costa do Malabar, que se estende desde o Paquistão até à ponta meridional da União Indiana.
A viagem fazia-se em cerca de vinte dias, sob temperaturas elevadas com os transportes de tropas, superlotados, a não disporem de meios razoáveis para acomodarem os militares. Os beliches ou camaratas montados nos porões constituíam um sério problema visto que a partir de Port Said, no Egipto, até ao porto de destino com uma curta escala em Port Sudan, no Mar Vermelho, ou em Aden, no Yemen do Sul, os militares enfrentavam o calor tórrido próprio dessa zona do globo.
No porto de Aden, os navios reabasteciam-se de água salobra, com os batelões-aguadeiros a ostentarem a todo o seu comprimento o pomposo rótulo de pure water. A última etapa da viagem era a mais penosa, uma vez que os militares não estavam habituados ao líquido que lhes era dado a beber, que no sabor mais se assemelhava a água do mar.
Entretanto, a azáfama no Estado-maior do Exército em Lisboa, era constante. A Escola Prática de Infantaria, em Mafra, recebia a ordem de mobilização, formando os seus efectivos o Batalhão de Caçadores «Vasco da Gama», sob o comando do coronel França Borges, que depois do seu regresso da Índia, seria indigitado como presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Este Batalhão ficaria aquartelado em Alparqueiros, na cidade de Vasco da Gama, com as suas instalações de recurso, constituídas por barracões metálicos.
A unidade-chave da região de Lisboa, o Batalhão de Caçadores nº 5, sob as ordens do coronel Ribeiro Cazais, passava a tomar o nome de Batalhão de Caçadores da Índia, aboletando-se no Convento de Santa Mónica, em Velha Goa, em cuja igreja do Bom Jesus se encontram depositadas as relíquias do Apóstolo das Índias, S. Francisco Xavier.
Ainda na Velha Cidade, a Bataria de Artilharia «D. João de Castro», proveniente do Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, de Lisboa, ocupava o Convento de S. Caetano.
Na cidade de Pangim, ou Nova Goa, capital do Estado da Índia, os efectivos militares foram reforçados com a Companhia de Engenharia, aquartelada no ponto mais alto da Cidade, denominado Altinho e a poucos metros da Emissora de Goa, a dispor de mais elementos vindos da Metrópole. Quando se deu, de facto, a grande invasão satyaghray de 1955, comandava a unidade o capitão Vasco Gonçalves, guindado ao cargo de primeiro-ministro após o 25 de Abril de 1974.
Ao Pelotão de Comando e Serviços do Quartel-General, ficou adstrita a Companhia de Caçadores nº 5, composta por elementos africanos, mas com atribuições específicas. O PCS-QG era formado por elementos naturais de Goa, africanos e metropolitanos, tendo como um dos oficiais subalternos, o alferes Bélico Velasco, que anos mais tarde fez a sua comissão militar em Macau, vindo depois a ser nomeado comandante da Polícia de Segurança Pública de Macau.
Chefiava o Quartel-General, em substituição do major Hermes de Oliveira – transferido para idêntico cargo no Comandante-em-Chefe, instalado no Palácio de Idalcão – o Major Jaime Silvério Marques, que depois de exercer outros elevados cargos em Angola e Lisboa, seria indigitado como Governador de Macau, merecendo o invejável panegírico público de «Governador que deu o pontapé de saída ao desenvolvimento de Macau».
(continua)
Alberto Alecrim
Artigo da Revista Macau nº 18 de 1989-edição do Gabinete de Comunicação Social do Governo de Macau