SÃO APENAS VEGETAIS
ABADE FARIA, O HIPNOTIZADOR
Trata-se do goês José Custódio de Faria, nascido em Candolim, distrito de Bardez, Goa, em 1746. Filho de Caetano Vitorino de Faria, brâmane saraswati e Rosa Maria de Souza Possuía ainda uma irmã adoptada, de nome Catarina. Os pais do abade mais tarde separaram-se, ambos aderindo à vida monástica.
Acompanhado do pai, chega a Lisboa em 1771 e depois de um ano vivendo na metrópole, os dois convencem o rei de Portugal, D. José, a custear os estudos de Faria sénior, Caetano Vitorino, em Roma no intuito de obter o doutorado em teologia e os de seu filho, José Custódio, como religioso. Mais tarde o próprio abade conquistaria o doutorado em teologia causando impressão suficiente no Papa de então (Pio VI), que o convidou para que realizasse um sermão na Capela Sistina, sermão esse escutado por Sua Santidade em pessoa.
Após essa honraria, foi a vez da rainha D. Maria I requisitar um sermão do abade. Reza a lenda que o abade Faria, ao ver audiência tão ilustre, “travou” a língua não conseguindo pronunciar palavra alguma. Seu pai, percebendo o que se passava, gatinhou debaixo do púlpito e sussurrou em concanim (a língua local goesa) ao filho: ”são apenas vegetais…corte os vegetais!”. Depois da ajuda paterna, o medo dissipou-se e o sermão seguiu tranquilamente.
Essa experiência curiosa causou impressão fulminante em Faria: como poderia uma simples frase fazê-lo perder o pânico momentâneo que o tomou? Estava aberto o caminho para os seus estudos sobre hipnotismo, o que geraria um dos grandes pioneiros da técnica.
Faria é considerado herdeiro dos estudos de Franz Anton Mesmer, o “inventor” da hipnose como conhecemos hoje. A sua visão da hipnose foi influenciada profundamente pela filosofia e ciência hindu, sendo chamada às vezes de “hipnose oriental”. É dele a noção de que a hipnose flui através do poder de sugestão do hipnotista, conceito firmemente creditado ainda hoje; Mesmer creditava a consciência hipnótica ao que chamava de “magnetismo animal”. O conceito de auto-sugestão, também em voga ainda hoje, é outra de suas contribuições.
É interessante notar que boa parte do vocabulário moderno ligado à hipnose moderna teve origem também nos seus estudos. Pouco depois do episódio do sermão de D. Maria I e do seu aprofundamento nos estudos científicos, Faria é implicado na “Conspiração dos Pintos”, (o equivalente da “Inconfidência Mineira” brasileira). Com isso, o abade passa a residir em Paris, em plena Revolução Francesa, onde lidera um batalhão revolucionário, o “10eme Vendémiaire”, que contribuiu para a queda da Convenção Revolucionária francesa (o Directório).
Em 1797 é preso por razões desconhecidas passando um bom tempo numa solitária do temido presídio “Chateau d’If”. Lá, passa a maior parte do tempo a praticar as suas teorias de auto-sugestão. Algum tempo depois é liberto, porém, desgosta-se ao ver que prevalecem visões opostas à sua teoria de hipnose.
Acusado de charlatanismo, resolve recolher-se a uma ordem monástica obscura morrendo de derrame cerebral em Paris, em Setembro de 1819. Foi enterrado em local desconhecido e até hoje a localização de seus restos bem como sua última residência permanecem um mistério.
Não bastasse a vida cheia de peculiaridades, Alexandre Dumas no seu “Conde de Monte Cristo” inclui o abade como um dos personagens de sua trama (Abeé Faria), dando especial atenção ao período em que o abade passou no Chateàu d'If.
Emerson Santiago