I DON’T NEED YOUR CIVIL WAR
Deve soltar alguma adrenalina cantar em voz bem alta o I DON’T NEED YOUR CIVIL WAR dos Gun n’ Roses num caraoque qualquer algures na Coreia do Norte. Perdão, deixem-me «dobrar a língua» e referir esse Estado pelo seu nome oficial: República Democrática Popular da Coreia.
Quando leio este nome logo me lembro dos tempos em que estava no Ministério do Comércio e Turismo lá pelos idos de quase 80 do século passado quando fui procurado por um Fulano pequenino e magrinho que falava quase aos berros e que queria convencer-me da imprescindibilidade para Portugal da assinatura de um Tratado qualquer com o seu país que ele citava por extenso como se estivesse a declamar algo a que nós, estrangeiros, devíamos prestar a maior reverência.
Já não me recordo do que lhe disse mas na verdade o Fulano (a que me apeteceria chamar «fulaninho») deixou de me incomodar com as mentiras que lhe tinham dito para me impingir. Nem me lembro se ele era o Embaixador se o contínuo da Embaixada. E se algum Tratado acabou por ser assinado, eu não dei por isso. Por minha influência, não foi de certeza!
Só voltei a pensar um pouco naquela a que nós, ocidentais, chamamos Coreia do Norte quando o meu Primo Luís Soares de Oliveira, Embaixador, foi inaugurar a Embaixada de Portugal na Coreia do Sul e de então para cá só me lembro dessa miséria nortenha quando se anuncia mais um lançamento de mísseis ou outras malevolências equivalentes.
Mas há dias ofereceram-me o livro de José Luís Peixoto intitulado «Dentro do Segredo - Uma viagem na Coreia do Norte», (Quetzal Editores) que li tão interessadamente como se fosse o relato de alguém que tivesse ido ao «outro mundo» e voltado ao nosso.
Fiquei elucidado sobre o que deveríamos apelidar de Reino da Mentira em que tudo é ensaiado, tudo é frase-feita, tudo é artificial, tudo é programado, tudo é imperativo. Fiquei ciente de que o voluntarismo, a espontaneidade, o improviso e até talvez mesmo a exalação da flatulência, tudo isso é proibido.
O resultado só poderia ser um: miséria.
E quem não se encaixar nas regras vai para um campo de concentração mas com uma atenuante: leva consigo toda a família! Mas também há uma chatice a tomar em consideração: é a pena ser por três gerações.
A paz imposta pela força é tudo menos paz: é medo! Outro título para a Coreia do Norte: o Reino do Medo.
Não, é claro que não há paz! Um dia que as grilhetas rebentem, como será? Espero poder testemunhar, mesmo que à prudente distância dos dois extremos do Continente Euroasiático.
Entretanto, a pasmaceira impera e «o pouco trânsito não assustava os pássaros. Levantavam voo apenas por vontade (…)» (pág. 50).
Ver um estrangeiro de nariz comprido é como ver alma do outro mundo: «Meia dúzia de rapazes, dez ou onze anos, aproximou-se de mim. Ficámos a falar por sorrisos e gestos. Sem pressa, chegámos a algumas conclusões abstractas.» (pág. 72).
Visitar o Paralelo 38 por aproximação nortenha parece ser experiência (traumática) bem diferente da homóloga sulista (turística). O mesmo que chegar ao berlinense Check Point Charlie a partir do velho bairro comunista de Pankow ou pelo lado ocidental e sua vida esfusiante. Chagas resultantes da mania de uns quererem impor um regime contra-natura. Eis como José Luís Peixoto viu que a «Zona Desmilitarizada estava cheia de militares» (pág. 99).
Ruralidade imperiosa com aldeias fortificadas contra invasores imaginários e «uma vaca a avançar sozinha ao longo de um caminho. A melancolia amena de uma mulher a guardar um bando de gansos brancos como se estivesse suspensa. O tempo subitamente parado. O branco incandescente dos gansos. E a mulher, sábia de mistérios» (pág. 112). Pudera, falasse e seria presa!
Até que, finalmente, lá vai o José Luís Peixoto parar a um ermo caraoque em que se desforra cantando o I DON’T NEED YOUR CIVIL WAR (pág. 202).
Chegado ao fim do livro, dou por mim a pensar um pouco mais…
O enigma de um gorducho imberbe de 30 anos aos comandos de um Estado militarizado faz-me supor que se trata de um fantoche nas mãos da elite que, tudo indica, é militar. Tenho este caso como equiparável ao Zimbabwe em que Robert Mugabe estará «acorrentado» ao Poder.
Terá sido com Kim Il Sung que os militares norte coreanos se revelaram um suporte estrutural da ditadura, com Kim Jong Il que se habituaram ao exercício do Poder e agora com este jovem que pretendem manobrar, querem eternizar-se como verdadeiros «donos» do país.
Um país sem moeda credível, que não produz o suficiente para alimentar a sua própria população, que se baseia numa quase economia de guerra, dá para nos interrogarmos sobre como pode subsistir sem afincados apoios externos. Ou seja, a Coreia do Norte persiste porque tem apoios externos, não por absoluto mérito endógeno.
Daqui concluo que o problema norte coreano não se resolve em Pyongyang mas sim nas «praças» externas que a apoiam. Duvido que ainda seja Moscovo, admito que seja Pequim quase marginalmente e ponho também a hipótese de que - pela semelhança da estrutura do Poder - possa ser Naypyidaw, capital de Myanmar. Mas isto é uma pura especulação minha.
Conto com a opinião de quem nos queira beneficiar com afirmações mais certeiras.
Julho de 2013,