Qualquer escritor é jovem aos 44 anos de idade e mais jovem ainda é quando, nessa idade, recebe o Prémio Nobel da Literatura. Foi em Dezembro de 1957.
Nascido em Argel em 1913, formou-se em filosofia e serviu-se da literatura para explicar os seus conceitos filosóficos. Tornou-se conhecido pela apologia da moral.
Morreu em 1960 num acidente de viação em França quando era conduzido pelo seu editor e amigo Michel Gallimard[i].
Chamava-se Albert Camus.
* * *
Quatro dias depois da cerimónia de atribuição do Prémio, deu uma conferência de imprensa na Universidade de Estocolmo resumindo o que dissera perante a Academia. Seguiam-se perguntas e respostas.
Foi quando um então jovem argelino residente em Estocolmo o interpelou pelo facto de ele não apoiar a independência da Argélia. Os ânimos azedaram-se e Saïd Kessal – assim se chama[ii] o imigrante ainda hoje residente na Suécia mas já octogenário – sentia-se humilhado com o posicionamento político de Camus.
A discussão acabou quando Camus proferiu a frase que ficou célebre incompatibilizando o terrorismo e a justiça:
J’ai toujours condamné la terreur. Je dois condamner aussi un terrorisme qui s’exerce aveuglément dans les rues d’Alger, par exemple, et qui un jour peut frapper ma mère ou ma famille. Je crois à la justice mais je défendrai ma mère avant la justice.
Albert Camus
A sessão foi ali encerrada mas a história continua…
Foi já em 2010, aquando das celebrações do 50º aniversário da morte de Camus, que um jornalista francês descobriu Saïd Kessal em Estocolmo e o entrevistou.
Ficámos então a saber que, após o confronto, o entretanto octogenário se dedicara a estudar a obra literária de Camus passando a ter por ele uma enorme consideração. A ponto de, ao saber da morte trágica do escritor, se ter deslocado da Suécia ao local do acidente fatídico e aí ter depositado um ramo de flores.
Evidemment, sans rancune.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
NOTA: Este texto vem a propósito do ataque terrorista em Strasbourg
[i] - Camus teve morte imediata, Michel Gallimard morreu no hospital 5 dias depois do acidente, a mulher e a filha do editor saíram ilesas e o cão que com eles viajava desapareceu.
[ii] - Este «Presente do Indicativo» do verbo “chamar” refere-se a meados de 2010
A literatura é um dos mais relevantes índices da maioridade cultural de um povo. Tem sido pela mão da escrita que o sentimento nacional se afirma e disso é prova que todas as Nações têm poetas e romancistas como seus valores maiores.
Rabindranath Tagore é um dos maiores representantes da cultura indiana; Victor Hugo, da francesa; Jorge Amado, da brasileira; Goethe, da alemã; Camões, da portuguesa; José Craveirinha, da moçambicana e assim por aí além…
Mas se uns tocam os cumes do génio, muitos outros fazem a grande base cultural, a que nasce do comum dos mortais e por isso mesmo devem ser considerados como os genuínos do sentimento comum - sem os louros das Academias, uns populares e outros eruditos.
E assim me lembro do poeta popular António Aleixo (1899 - 1949) que era um repentista quase analfabeto mas que encerrava sentimentos de grande pureza e acuidade no Portugal do seu tempo…
Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.
Lembro-me também de Noémia de Sousa (1926 – 2002), uma das mais genuínas poetisas moçambicanas que tão bem retratou os jovens do seu país no «Magaíça», esses rapazes que só eram considerados homens depois de trabalharem dois anos nas minas sul africanas…
A manhã azul e ouro dos folhetos de propaganda
Engoliu o mamparra,
Entontecido todo pela algazarra
Incompreensível dos brancos da estação
E pelo resfolegar trepidante dos comboios
Tragou seus olhos redondos de pasmo,
Seu coração apertado na angústia do desconhecido,
Sua trouxa de farrapos
Carregando a ânsia enorme, tecida
De sonhos insatisfeitos do mamparra.
E um dia,
O comboio voltou, arfando, arfando...
Oh nhanisse, voltou.
E com ele, magaíça,
De sobretudo, cachecol e meia listrada
E um ser deslocado
Embrulhado em ridículo.
Ás costas – ah onde te ficou a trouxa de sonhos, magaíça?
Trazes as malas cheias do falso brilho
Do resto da falsa civilização do compound do Rand.
E na mão,
Magaíça atordoado acendeu o candeeiro,
À cata das ilusões perdidas,
Da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
Lá nas minas do Jone...
A mocidade e a saúde,
As ilusões perdidas
Que brilharão como astros no decote de qualquer lady
Nas noites deslumbrantes de qualquer City.
E do Brasil trago Mário Quintana (1926 – 2011), o poeta da bondade, que por duas vezes foi recusado pela Academia Brasileira de Letras e em que ele recusou entrar quando tardiamente foi convidado…
POEMINHA DO CONTRA
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
Finalmente, lembro Vimala Devi, poetisa de Goa nascida em 1932 que nos disse que…
Na madrugada de lágrimas e de esperança
Teu pranto é o meu
De ti vem um apelo
Dolorido e ancestral
No meu pensamento serás sempre
O eterno sonho luso
Comunhão de mosteiros e pagodes
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On this morning of tears and of hope
Your lament is mine
From you comes a call
Pained and ancestral
In my thoughts you will always be
The eternal Portuguese dream
Communion of monasteries and pagodas
E o que une todos estes grandes poetas? Todos ficaram do lado de fora das respectivas Academias que, como dizia Carlos Drummond de Andrade, “só atrapalha a criatividade, só dá para ministro.”