PORTUGAL NÃO É A GRÉCIA
Gostaria de saber que efeitos para os países da Europa e para a vida dos gregos traria a saída da Grécia da União Europeia
Desde a vitória do partido de extrema-esquerda, Syriza, que o tempo começou a passar mais depressa. O Syriza, recordemos, ganhou as eleições com um programa anti-austeridade, anti-troika, a falar de renegociação da dívida, de perdão de dívida, contra a União Europeia. A coligação com um partido obscuro de direita, Gregos Independentes, serve o propósito de reforçar a posição de desafio à Europa. Se este desafio for levado ao limite, como parece ter acontecido na primeira visita do presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, resta à Grécia sair da União Europeia, o que nos dizem ser assustador, embora ninguém explique as consequências dessa saída. Para começo de conversa, gostaria de saber o que acontece à dívida se não houver acordo. Gostaria de saber que efeitos para a Europa e para a vida dos gregos traria a saída da Grécia. Gostava sobretudo que as explicações nos chegassem com mais objectividade. Penso que há aqui um trabalho jornalístico a fazer.
Tirando os aspectos de economia e finanças que não domino, resta um país e um povo que entendo ser diferente do nosso, com uma história conturbada, conflitos sangrentos e um modo de vida particular. Sempre que me falam de semelhanças entre nós, tento pensar no que nos une e não encontro muitos pontos em comum. Passar numa passadeira é de facto tão arriscado em Lisboa como em Atenas. Temos ambos azeite excelente, azeitonas maravilhosas e tomate que não sabe a plástico como na Alemanha. Muitas palavras em português são de origem grega. Como nós, os gregos produzem pouco e não têm uma indústria que lhes permita viver à larga. Têm monumentos e sítios únicos a que prestam pouca atenção, talvez porque Delfos fale por si.
Muito diferente é o modo de vida, confrontacional nas mais pequenas coisas. Vivi quase três anos em Atenas e não houve um dia em que não tenha tido uma discussão. Voltei para Portugal para descansar. A corrupção em Portugal é um problema grave, mas na Grécia é uma questão tão enraizada na sociedade que é difícil cortar com "hábitos" antigos. Li que a máquina fiscal continua tão ineficaz como antes da chegada da troika, o que me leva a pensar que a principal reforma está por fazer. Mas a diferença principal está na Grécia ter sofrido com a presença alemã no seu território durante a Segunda Guerra Mundial. Aldeias inteiras foram dizimadas pelos alemães e esta memória não pode estar outra coisa se não fresca. A Alemanha dizer aos gregos que têm de vender ilhas e património para pagar a dívida é uma humilhação insuportável. Eles são cristãos ortodoxos; nós somos católicos. Eles afirmam que a Grécia não é Europa; nós sabemos que somos europeus. Eles adoram Portugal; nós só não os criticamos se não pudermos. Isto para marcar diferenças substanciais.
Numa semana vimos o governo grego a tomar posições contraditórias, a recusar a troika num dia (Varoufákis) e a abrir a porta ao BCE e ao FMI no outro (Tsipras), o que me faz suspeitar da falta de orientação e estratégia. Talvez a Grécia consiga dar a volta por não estar certa do que está a fazer. Vejo na incerteza a possibilidade de negociação. Só espero que Alexis Tsipras não receba mais ninguém sentado todo torto num sofá a falar sobre o tempo.
3 de Fevereiro de 2015
Carla Hilário Quevedo