Não deixa de ser significativo que Portugal seja o primeiro país que o novo Rei de Espanha visita, oficialmente, após a sua coroação.
Mesmo tendo em conta que o convite tenha partido do Presidente Português.
O significado é, sobretudo, político e estratégico.
Tudo deve ser seguido e analisado com a máxima atenção.
Lamentavelmente, “Sua Muito Católica Majestade”[i] não vai ser recebido por ninguém de estirpe real, alguém de sua igualha, com o titulo de “Majestade Fidelíssima”[ii], mas pelo republicaníssimo Professor Cavaco Silva – o qual, obviamente, não usa o titulo, que passou naturalmente para a Nação Portuguesa, quando a Monarquia caiu sem lustre nem glória, no arrepiante dia 5 de Outubro de 1910.
Filipe será bem recebido como representante de um país que estimamos seja nosso amigo e bom vizinho, mas que deve ter sempre presente que será repudiado no dia em que além de ser Filipe VI de Espanha, se engane na numeração romana e intente ser, também, IV de Portugal.
É certo que a Monarquia Espanhola foi visitar primeiro Sua Santidade o Papa, o que é lógico, não só porque para além de uma visita de Estado, tem um carácter espiritual. Mais a mais o Papa é falante natural do castelhano…
Mas para nós portugueses, tal facto não deixa de se dever ter em conta, face à luta que os dois reinos travaram pelo favor Papal, ao longo dos séculos.
Recorda-se, só para ilustrar, que a Santa Sé levou 51 anos a reconhecer “de jure” a independência de Portugal e tornou, mais tarde, a não ter pressas em reconhecer a Restauração/Aclamação de 1640, o que só ocorreu em 1670, passando já dois anos da assinatura do Tratado de Paz entre as duas coroas.
Para já não falar, entre muitas outras coisas, nos 600 anos que Roma levou a canonizar D. Nuno Álvares Pereira, a que não é seguramente alheia a diplomacia de Madrid.
Filipe VI não perdeu, aliás, tempo e logo convidou Francisco a visitar Espanha, em 2015, a propósito do 500º aniversário do nascimento de Santa Teresa de Ávila.
Depois de Portugal segue-se Marrocos, onde será recebido pelo Rei Mohamed VI, o “Comandante dos Crentes”, da dinastia Alauita, que teve início em 1664 – embora a Monarquia marroquina remonte ao ano de 788 – cuja lema é “Deus, Pátria, Rei”.
Com Marrocos as relações da Espanha são tensas, não só por um historial antigo de disputas, algumas ainda não resolvidas - como é o caso de cidades, enclaves e ilhotas, sobre soberania espanhola, que Rabat reivindica – mas também por problemas sobre direito marítimo e a magna questão da emigração.
Estas relações contrastam com as que Portugal mantém com Marrocos, que se podem considerar exemplares desde a assinatura do Tratado de Paz de 1774, apenas toldadas pelo apoio – apesar de tudo moderado – que aquele país prestou aos movimentos de guerrilha que combateram a presença portuguesa no Ultramar entre 1961-1974.
O périplo termina em França – numa prioridade nitidamente regional – país com quem a Espanha sempre manteve uma relação de desconfiança, mesmo nos períodos de alternância entre serem aliados ou inimigos, que os caracteriza e que atingiu o rubro nas contendas entre a Casa dos Bourbons e dos Habsburgos.
Já não reina em França “Sua Majestade Cristianíssima”[iii] que, não raras vezes, não teve escrúpulos em se aliar aos inimigos da Fé Cristã, já de si fortemente abalada pela “Reforma” e quase subvertida pela Revolução Jacobina de 1789.
E sempre que a França se alia à Espanha contra as potências marítimas, Portugal viu sempre a sua independência em perigo.
Aliás, quando Filipe VI atravessar a fronteira sabe que deixa atrás de si um confortável poderio militar, ilustrado pelos 347 carros de Combate “Leopardo” e 103 “Centauro”;368 “Pizarro” (ligeiros); 31 helicópteros de ataque “Tigre”, 37 “NH90”, 37 “Cougar” e 18 “Chinook”; 102 peças autopropulsionadas de 155 m/m, M 109 e 184 viaturas ligeiras de transporte de tropas “RH41”, 396 “Lince” e 1600 “URO”. Tudo material moderno e letal; só para referir isto, que pertence ao Exército. Nem vale a pena falar nos outros Ramos…
Por seu lado o Ducado de Alba continua a ser a casa nobre mais poderosa de Espanha…
É curioso como o filho daquele que foi o mais “português” Rei de Espanha – sê-lo-ia, porventura, no coração, porém, não na razão – deixou os “filhos” da Espanha para outras núpcias.
Estamos a referir-nos a todos os países que os espanhóis colonizaram, sobretudo nas Américas, cujas bandeiras emolduram uma sala no notável Mosteiro de La Rábida, perto de
Huelva, o que constitui o símbolo da Hispanidade, cujo dia se comemora a 12 de Outubro. A data em que Cristóvão Cólon chegou, oficialmente, ao Novo Mundo, afirmando que tinha chegado à Índia…
Cristóvão Cólon que está muito ligado a La Rábida onde terá deixado o filho mais velho a ser educado e onde conferenciava com um sábio franciscano português, Frei António de Marchena, que por lá pontificava.
Cristóvão Cólon que, estamos em crer, a coroa espanhola sempre conheceu como sendo um nobre navegador português, mas nunca quis que se soubesse…
Filipe VI vem pois, a Portugal, numa campanha de charme e também para marcar o seu terreno. Não só perante potências exteriores, mas outrossim, para o interior de Espanha, querendo significar que antes das autonomias e dos regionalismos, está a unidade da Espanha, se possível da Península Ibérica, que sendo uma realidade geográfica sempre quiseram fazê-la coincidir com uma única unidade política.
Serve ainda para descansar o polo geopolítico mais forte da Meseta, que é Castela, no sentido em que realça o facto de Portugal continua aqui ao lado e pode sempre constituir uma compensação para o caso de alguma das 17 comunidades autonómicas (mais duas cidades) fugir ao seu controlo.
Como dizia José de Carvalhal y Lencastre[v] “a perda de Portugal foi de puro-sangue e, por isso, o ministro espanhol que não pense constantemente na reunião, ou não obedece à lei ou não sabe do seu ofício”.
Parece que Filipe VI está bem preparado para o seu ofício e já jurou cumprir a Lei.
Por isso perceberá sem dificuldade um repto de exigência que daqui lhe lanço, pois não sou, nem nunca serei seu súbdito (embora lamente ser eu a fazê-lo e não as autoridades que me deviam representar): Influa em tudo o que estiver ao seu alcance para que o governo de Espanha devolva a cativa, mas portuguesíssima terra de Olivença e seu termo.
Tanto eu como V. Majestade sabemos que aquela terra não vos pertence.
Folgo que tenha uma boa estadia, mas compreenderá que enquanto este assunto não estiver resolvido, eu não lhe possa desejar as boas vindas.
6/7/14
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
Português sofrido
[i] - Titulo que começou por ser outorgado a Fernando e Isabel, (Reis Católicos) pelo Papa Alexandre VI
[ii] - Titulo atribuído aos Reis de Portugal, pelo Papa Bento XIV, em 23/12/1748
[iii] - Titulo usado regularmente desde o Rei Carlos VI, por o Papado considerar a França, desde Clóvis I, a “filha mais velha da Igreja”.
[iv] - Não teria sido má ideia, “alguém” ter lembrado tudo isto, na última reunião do Conselho de Estado (ocorrida a 4/7/14), mas parece que andam preocupados com outras coisas
[v] - Ministro de Estado ao tempo do Rei Fernando IV, de Espanha.
Faleceu no pretérito dia 1 de Outubro, aos 95 anos de uma vida cheia e com lustre.
Não era uma figura querida dos próceres do actual regime político. O sentimento seria, aliás, mútuo.
Por isso o seu passamento quedou-se despercebido e praticamente ignorado em quase todos os órgãos de comunicação e nenhuma referência oficial lhe foi feita.
É lamentável que assim tenha sucedido sendo de salientar, também, o silêncio que se ouviu por parte das FA, nomeadamente o Exército.
O General Silvino Silvério Marques (SSM) goste-se ou não, ganhou jús a pertencer e a ter lugar na História de Portugal. E não a deslustrou.
O mesmo já não se pode dizer de outros que se elevaram, ou foram elevados a pedestais a que não têm direito e a que muitos prestam homenagem e vassalagem.
SSM foi um notável militar e político e uma importante personagem do “Portugal Universal”. Daquele Portugal que acreditava ter uma missão no mundo, mais espiritual que material e que o ultrapassava, pois representava uma espécie de transcendência na Terra.
SSM era um Aristocrata, pelo carácter, pelo saber, pelo porte, pela distinção pela coragem e pelo patriotismo.
SSM não cabia neste quintal europeu e muito menos na chafurdice da actual União, que nos tolhe e aliena e nos está a empurrar para as grilhetas da escravidão.
Sabendo-o merecedor de melhor sorte, libertou-o Deus, chamando-o a Si.
Nascido na Nazaré, SSM foi, sem qualquer dúvida, um dos últimos Grão – Capitães, descendente daquela plêiade que pôs pé em Ceuta, em 1415, que chegou ao Japão, em 1543 e se bateu desde então, para que uma certa Ideia de Portugal perdurasse.
A Ideia era boa e justa pois representava um ideal moral e ético de Humanidade.
SSM acreditou e lutou por este ideal e não o traíu.
SSM nunca virou a casaca do avesso, não tergiversou e não colocou a sua dignidade à venda.
Por isso merece o respeito e consideração, mesmo dos que discordavam daquilo que defendia.
Da segunda vez que foi Governador Geral de Angola, ao tentar evitar o descalabro do rumo que a “Descolonização” levava, tiraram-lhe o lugar pouco mais de um mês depois de tomar posse…[1]
Em toda a sua vida manteve-se cordato e firme.
Lembro, por ex., a sua saída silenciosa e elegante, passando à frente da tribuna, ao abandonar o local (em protesto), quando o então PR Mário Soares falava durante a inauguração do monumento aos combatentes do Ultramar, em Pedrouços.
Contam-se pelos dedos os militares que tiveram a coragem de actos semelhantes, nas últimas décadas…
Ou, ainda, as polémicas, igualmente elegantes, que manteve com o conhecido Dr. Almeida Santos, sobre os últimos e dramáticos acontecimentos ocorridos no ex-Ultramar Português.
Enfim, a mesquinhez dos homens e a cegueira ideológica trituram tudo…
E, deste modo, o país vai destruindo os seus melhores.
Um dia, estamos confiantes, tudo mudará e a justa homenagem a Homens de valor e Portugueses com maiúscula, será feita.
E aleijados morais, traidores, desertores e antipatriotas, serão relegados para o lixo da História.
A minha homenagem, porém, fica desde já aqui expressa.
Meu General, às suas ordens!
5/10/1
João J. Brandão ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Tomou posse a 11/6/1974 e foi exonerado no fim do mês seguinte. Foi um notável Governador entre 1962 e 1966. Anteriormente tinha sido Governador de Cabo Verde, entre 1958 e 1962.
“Nesses anos, quando um soldado português desembarcava de um dos barcos da sua Nação para servir num forte em Moçambique, ou em Malaca, ou nos estreitos de Java, já previa, durante o seu tempo de serviço, três cercos, durante os quais comeria erva e beberia urina. Estes defensores portugueses contribuíram para uma das mais corajosas resistências da história do mundo”
James Michener (escritor americano)
Em 2011 fez 50 anos que se deu início às actividades subversivas armadas em Angola (15 de Março) - que se estenderiam, em 1963, à Guiné e no ano seguinte a Moçambique - e que a União Indiana lançou um torpe ataque militar aos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu (17/18 de Dezembro).
Meia dúzia de instituições nacionais e algumas (poucas) associações patrióticas evocaram os eventos então ocorridos. Os órgãos do Estado nada organizaram oficial ou oficiosamente e apenas se fizeram representar na cerimónia levada a cabo pela Liga dos Combatentes.
A crise económico/financeira não serve aqui como desculpa para este alheamento oficial, que se revela apenas e mais uma vez, como fruto da grave doença moral e ideológica e de sãos princípios nacionais portugueses, que a generalidade da classe política sofre e está imbuída.
Fizeram-se evocações mas nada se comemorou pois, de facto, nada havia a comemorar.
Não íamos, por um lado, comemorar um ataque que nos retalhou a carne e a fazenda durante 14 longos anos; do mesmo modo que não fazia sentido comemorar o fim do conflito que resultou no maior desastre político-militar da História Pátria, que deixa Alcácer Quibir a perder de vista. Não só pelo tamanho e implicações da catástrofe como pela vergonha e indignidade daí resultante: se lamentamos os 9000 mortos de 1578, não temos de chorar a sua honra nem envergonharmo-nos da sua derrota, pois lutaram como valentes e venderam cara a vida.
Por seu lado, as últimas campanhas ultramarinas da História de Portugal - único país verdadeiramente colonizador à face da Terra - e que foram as melhores conduzidas pelos portugueses (e exclusivamente por eles), desde o tempo do grande Afonso de Albuquerque, e de que estávamos a sair vitoriosos, vieram a acabar num tristíssima derrocada político-militar que culminou numa retirada abandalhada de pé descalço.
Aos portugueses que mantiveram a sua nacionalidade, seguiu-se uma deriva existencial sem norte cujas consequências estamos a sofrer e para as quais não se vê fim.
Para os portugueses que o deixaram de ser - sem ser por sua opção - o resultado foi ainda pior: resultou num conjunto de desgraças inomináveis de que resultaram cerca de um milhão de mortos.
Tudo isto foi responsabilidade (nunca apurada) de um conjunto de celerados políticos e militares e de uma vasta plêiade de ignorantes e ingénuos úteis, que foram ao ponto de assumir as (falsas) razões de quem nos emboscava as tropas e das mãos que os armavam, treinavam e incitavam.
Compreende-se, assim, que não haja nada para comemorar, o que não é a mesma coisa de se esquecer.
Os principais responsáveis dos crimes de lesa - Pátria, dividiram e empobreceram irremediavelmente o País, refugiaram-se nos partidos políticos, compraram consciências, imunizaram-se e continuam a tentar catequizar a opinião pública através do controle dos “media”, dos programas do Ministério da Educação e, até, de Fundações pagas com o dinheiro do contribuinte.
Só isto explica, por exemplo, que nunca ninguém se tenha lembrado de colocar uma queixa no Tribunal Internacional da Haia, por crimes contra a Humanidade - que não prescrevem - relativamente ao genocídio perpetrado pela União dos Povos de Angola (UPA) (e por quem a apoiou), contra a população branca, negra e mestiça, no Norte de Angola, em Março de 1961. Só quem não tem mesmo vergonha na cara se pode conformar com isto…
Já relativamente ao escabroso ataque da União Indiana contra o Estado Português da Índia - em que nem sequer tiveram a coragem e a decência de nos declarar guerra - se pode considerar em moldes e antecedentes completamente distintos da guerrilha que se desenrolou nos teatros de operações africanos, pois configurou um conflito clássico.
E a acção que a União Indiana desenvolveu pode-se considerar, por várias razões que não vou agora expor – muito mais grave do que a Indonésia fez em Timor, em 1975.
Não cabe aqui analisar o que se fez em conferências, reportagens, publicações e cerimónias, com que se evocou os eventos atrás mencionados, que se podem considerar enxutas e utilizando uma linguagem algo equilibrada, com excepção das bicadas na política do Estado Novo, já habituais, e que por norma confluem na sua principal figura política. Estiveram, porém, longe de focar o tema fundamental na análise dos eventos, isto é, de que lado estava a razão e a justiça.
Não queremos fugir a dizer que estava completamente do nosso lado (português), e não temos receio de o afirmar em qualquer parte do mundo.
Outra pecha das evocações foi não haver uma distinção clara entre a análise político/estratégica do conflito e o estudo do comportamento das diferentes componentes do Poder Nacional: a diplomacia, a economia, as finanças, o comportamento social e psicológico da população e a componente militar. E dentro desta aquilo que foi conforme ao Dever Militar e o que não foi. Neste âmbito assiste-se até, reiteradamente, ao branqueamento de acções menos conformes àquele dever.
Apenas umas considerações para finalizar e sobre a ocupação militar de Goa, Damão e Diu, que ainda constitui uma chaga viva para muitos, não sendo por acaso que tendo o Exército há muito tempo constituído a Comissão para o Estudo das Campanhas de África, que já produziu mais de uma dezena de livros sobre Angola, Moçambique e Guiné (e continua a produzir), nunca mandasse constituir nenhuma Comissão sobre a Índia, não havendo uma única obra oficial…
Três pontos apenas:
Costuma dizer-se que num conflito quer ele seja familiar, entre indivíduos, ou entre nações, existem razões, culpas ou responsabilidades de parte a parte; pois o conflito que opôs Portugal à União Indiana é excepção a esta “regra”, já que Portugal tinha a razão toda e a UI não tinha razão alguma!
Sendo assim, nós podemos discutir ou criticar o que o governo português, de então, fez quanto à melhor defesa dos nossos interesses, isso podemos; agora o que já não devemos fazer – por ser uma desonestidade intelectual - é passar a vida a condenar Salazar por ter cumprido o seu dever de salvaguardar as nossas gentes e património ao mesmo tempo que se desculpa o bandido do agressor;
Existe uma contradição insanável quando se exaltam os militares portugueses cuja actuação foi conforme ao Dever militar – sobretudo os que se portaram com heroísmo – e, em simultâneo, se pretende branquear ou justificar o comportamento contrário;
As parcelas portuguesas do Industão, só não se podem considerar cativas, hoje em dia, porque um governo português, em 1974/5, decidiu, aleivosamente, reconhecer “de jure” a ocupação militar (que só não foi condenada no Conselho de Segurança da ONU, porque a URSS vetou), sem que nada o justificasse. Uma decisão vil e indigna, que nos rebaixou e envergonha.
A mim, pelo menos, envergonha.
Passámos, desde então, a ser um país pequenino, governado por gente pequenina.
As forças do PAIGC reagruparam-se então em torno de Gadamael e atacaram-na fortemente, tendo a situação sido resolvida rapidamente por tropas paraquedistas, enviadas de reforço.
Sem embargo de se gostar mais ou menos da atitude do Comandante – Chefe, ele era o responsável por toda a Guiné e era ele que tinha a visão global de todo o teatro de operações. E tinha a autoridade para tomar as decisões que tomou, sendo-lhe ainda lícito,sacrificar a guarnição de Guilege caso isso fosse importante para a salvaguarda do todo.[1]
Como a consciência é o nosso último juiz, cabe sempre a cada comandante – e cada caso é um caso – face às circunstâncias, decidir o que, em última instância, a sua consciência lhe diz mas tem que, a seguir, se sujeitar às consequências dessa decisão.
E não tem que levar a mal que, no caso vertente, se lhe tenha dado ordem de prisão e levantado um processo.
O Dever e a Disciplina Militar assim o exigiam e só se deve lamentar que o julgamento não tenha ocorrido. E, nesse âmbito, só existe uma razão de queixa: contra quem o amnistiou.
Ora, este caso que devia ser, sem sombra de dúvidas, tratado em termos académicos em fóruns próprios a fim de reverter em ensinamentos para o futuro, tem sido transformado pelo seu protagonista – que ninguém tem maltratado nem acusado de nada - numa tentativa contumaz, não só de branqueamento da sua acção como a de que seja aceite o seu bom propósito e valor.
Será que um dia destes vai requerer louvor e condecoração?
As coisas estão, até, a entrar no campo do delírio, como se pôde constatar numa “mesa redonda”, que decorreu em Coimbra, no passado dia 23 de Maio, e para a qual se convidaram quatro coronéis do Exército, um ex-membro das “Brigadas Revolucionárias” e dois ex- guerrilheiros do PAIGC.[2]
Um dos oradores foi, justamente, o antigo Comandante do COP5, que antes de falar se vestiu com um traje típico de indígena da Guiné – provavelmente o mesmo com que o agraciaram há uns anos atrás, quando foi a Guilege fazer “um frete” ao PAIGC - e não foi o único - que para ali “convocara” um “Simpósio Internacional”![3]
O “nosso” coronel apenas seguiu, todavia, o exemplo da organização daquela “mesa sem bicos”, a qual no folheto de propaganda do evento, não encontrou nada melhor para pôr em fundo, do que a bandeira do PAIGC (quero recordar que o evento se passa em Coimbra – terra onde está sepultado o D. Afonso Henriques…) e uma foto de Amílcar Cabral que, em termos simples, não passa de um traidor português.[4]
No dia anterior a esta redonda mesa, tinha estado previsto um colóquio promovido pela quase extinta Polícia Judiciária Militar, onde o caso de Guileje era tema, com direito a debate, e lá estava o nosso ex- comandante inscrito para o mesmo.
Tem ainda participado em várias conferências, apresentações de livros, discussões, etc., onde raramente é contestado e escreveu um livro com a sua versão dos eventos, que teve o prefácio de um general de quatro estrelas e conseguiu o significativo feito, de o mesmo ser apresentado por um outro general de igual posto, num local que tem o nome de Academia Militar.
Escola que, lembro, tem a peculiar missão de formar os futuros oficiais do Exército e da GNR.
Parece que ninguém se deu conta do que se estava a passar…
Há precisamente 39 anos que se passou a fazer o elogio da cobardia, em detrimento da coragem; promoveram-se desertores e traidores e depreciou-se (quando não se ridicularizou), heróis e patriotas.
A corrupção passou a ser tolerada e a achar-se que era coisa de espertos; incentivou-se o vício e casquinhou-se a virtude; tem-se sido de uma compreensão dadivosa para com os “desvios”, ao mesmo tempo que se desdenha a “normalidade”; encolhe-se os ombros aos trapaceiros e fustiga-se o mérito, enfim, os exemplos são extensos e são todos maus.
Chegou-se ao ponto de incentivar a morte e depreciar a vida, em troca do egoísmo, hedonismo e outros “ismos”, todos muito “progressistas” e modernaços…
Não admira, pois, que estejamos mergulhados numa crise moral, política e social medonha, e á beira do desaparecimento genético (!), e que quase toda a gente confunde com uma crise económica e financeira, e apenas porque lhes estão a ir ao bolso!
Fica-nos, contudo, e no meio disto tudo, uma dúvida existencial, que é a seguinte: Face ao descrito, o que se andará a ensinar aos cadetes e aos comandantes das actuais Forças Nacionais Destacadas?
20/6/13
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
FIM
[1] No fim da ofensiva, nós ganhámos e o PAIGC perdeu, é bom que se diga. Mas o que se passou em Guileje causou um abalo muito grande no moral do conjunto das tropas e comandos. E pode ter contribuído fortemente para o início do MFA, na Guiné. Se assim foi, a vitória táctica portuguesa, resultou numa derrota estratégica, a prazo.
[2] Foi organizada pelo “Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra”, criado em 1998. O moderador foi o Prof. Dr. Luís R. Torgal, que tinha a missão impossível de dar a palavra, numa tarde, a sete oradores e promover o debate…
[3] O tema era a ofensiva sobre Guileje de que trata este escrito e decorreu de 1 a 7 de Março de 2008, promovido pela “Universidade Colinas do Boé” e pelo INED, uma das ONGs que por lá pululam.
[4] Amílcar Cabral tinha a nacionalidade portuguesa. Veja-se artigos do Código Penal de então e de agora…
Do que se sabe, o General Spínola tratou mal o Major e não lhe explicou nada. Podia ter-lhe dito qualquer coisa do género “a preservação da sua posição é fundamental para a defesa da fronteira sul, eu agora não lhe posso valer pois tenho todas as minhas reservas empenhadas (o que era verdade), volte para lá, aguente-se, que logo que possa envio-lhe auxílio”.
Em vez disto tratou-o nos moldes em que os que o conhecem sabem, quando não gostava de alguém. A agravar as coisas, o oficial em causa, não era oriundo de Cavalaria nem frequentara o Colégio Militar…
E quando se despediu dele humilhou-o dizendo-lhe “regressa a Guileje e daqui a um ou dois dias irá lá ter o Coronel Durão e você passa a adjunto dele”. Ou seja passou-lhe um atestado de incompetência.
O Comandante do COP 5 voltou ao quartel apenas para saber pelos seus subordinados – em quem segundo o “jornal da caserna” não tinha grande comandamento – que o último ataque sofrido tinha destruído o posto de rádio e parte da artilharia.
A retirada fez-se nessa noite, sendo feita em boa ordem de marcha e com todos os cerca de 500 elementos da população, o que prova três coisas:
- Que o quartel não estava cercado (se estivesse a saída das tropas e população poderia ter sido um desastre!);
- Que a população estava toda do nosso lado;
- Que o PAIGC estava ainda longe de querer assaltar a povoação, já que só deu pela evacuação três dias depois (entrando quase todos em coma alcoólico depois de terem esgotado o stock de bebidas existente…).
Mas prova ainda outra coisa: que a retirada já teria sido preparada do anterior, pois era praticamente impossível organizar tal operação na hora. Será que estariam à espera que Spínola autorizasse a saída? Até que ponto haveria acção subversiva feita por eventuais infiltrados simpatizantes, idos da Metrópole? Eis duas questões que seria interessante dilucidar.
Resta ainda acrescentar que o quartel tinha uma pista; a FA garantia apoio pelo fogo de dia, com os “Fiat” e de noite com um “C-47” modificado, em bombardeamento de área; Guileje era o único quartel em toda a Guiné, que tinha abrigos em betão.
Sofreu bombardeamentos com precisão (cerca de 36), porque o tiro era regulado por guerrilheiros infiltrados até perto do quartel, pois estes tinham liberdade de movimentos, por as forças lá aquarteladas não fazerem batidas fora do arame farpado (como, aliás, estava determinado e era do mais elementar senso táctico).
Guileje tinha, porém, um ponto fraco: não tinha um poço artesiano, que lhe fornecesse água potável, a qual tinha que ser obtida a cerca de 2Km, o que permitia emboscadas às colunas encarregues dessa missão. As evacuações de helicóptero tinham, ainda, que ser feitas a partir de Cacine, pois a ida dos Al III a Guileje e Gadamael estava, temporariamente, suspensa por razões operacionais.
Considera-se que as forças que defendiam Guileje não estiveram sequer perto, de não se poderem defender e nada justificava o seu abandono tão prematuro, que veio a causar algum pânico em Gadamael – Porto e poderia ter feito colapsar – por efeito de dominó – todo o dispositivo junto à fronteira - sul.[1]
20/6/13
(continua)
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Além disso a saída de Guileje não foi coordenada com Gadamael e esta povoação e respectivo quartel não tinham condições mínimas para albergar tão elevado número de “fugitivos”. E não se sabe, exactamente, porque é que Guileje não foi reocupado, o que não favoreceu as nossas cores.
No dia 20 de Janeiro de 1973, o líder do PAIGC, Amílcar Cabral, um mestiço politicamente moderado (vagamente marxista), de cultura lusíada, foi assassinado em Conackri, por três elementos do mesmo partido.[1]
Na sequência foram eliminados numerosos guerrilheiros e, até hoje, nunca se soube oficialmente os verdadeiros contornos da trama, tendo-se atirado para cima da PIDE/DGS a hipótese inverosímil, de estar por detrás desta morte.[2]
A seguir foi congeminado um plano – seguramente com a ajuda de conselheiros cubanos e soviéticos – para se conseguir uma decisão militar, que viria a ser explorada politicamente (como acabou por ser, em diferido), com a declaração unilateral de independência, no Boé, a 24/9/73.
Esta ofensiva teve algumas inovações: procurou-se utilizar o princípio da concentração de forças e atacar simultaneamente, numa espécie de tenaz, dois objectivos; as forças que atacavam seriam protegidas por uma nova arma anti – aérea, o míssil terra-ar “Strella”, o que permitiria anular a supremacia aérea nacional e, desse modo, fazer pender o potencial relativo de combate a favor da guerrilha.
O primeiro míssil foi disparado a 20 de Março, sem consequências. Porém, a 25, um outro disparo abateu um Fiat, salvando-se o piloto por ejecção e posterior recolha no chão.
Nas duas semanas seguintes foram abatidas mais quatro aeronaves tendo morrido quatro pilotos e cinco outros militares o que, naturalmente, abalou o moral das tripulações e passou a afectar o cumprimento de algumas missões, sobretudo por não se saber qual a arma e suas características, com que se defrontavam.[3]
Os objectivos escolhidos para serem atacados, isolados e, eventualmente, tomados, foram as povoações de Guidage, na fronteira norte, e Guileje, na fronteira Sul.
Estas povoações estavam defendidas com unidades tipo Companhia, reforçados com outros (escassos) meios.
Foram escolhidos pois estavam mesmo junto à fronteira, o que facilitava o ataque e o apoio logístico, além de que as equipas de misseis também não se deviam internar muito em território nacional, por imposição dos soviéticos que temiam que alguma destas armas caísse em mãos portuguesas.
Guidaje começou a ser atacada em 8 de Maio e esteve cercada e debaixo de fogo, constante, durante um mês.
Foram organizadas várias colunas de reabastecimento que foram duramente atacadas e, finalmente conseguiu-se reforçar a guarnição com uma companhia de paraquedistas. No entretanto montou-se uma grande operação que envolveu a totalidade dos efectivos do Batalhão de Comandos Africanos, sobre a base de Cumbamori, que apoiava as forças do PAIGC.
Durante este período as nossas tropas sofreram 47 mortos e mais de uma centena de feridos.
No meio desta ofensiva séria foi atacado o aquartelamento de Guilege no dia 18 de Maio, possivelmente como diversão, para obrigar a retirar forças que estavam a auxiliar Guidage.
A guarnição do Comando Operacional 5 sofreu um morto e dois feridos.[4] O Comandante, Major Coutinho e Lima, decidiu ir a Bissau expor a situação. Regressou no dia seguinte e tomou a decisão de abandonar o quartel, levando consigo toda a população para Gadamael-Porto, uma povoação a poucos quilómetros.[5]
Entretanto a Força Aérea, numa acção notável, conseguiu descobrir as características do míssil e adoptou um conjunto de procedimentos e tácticas que permitiram continuar a cumprir todas as missões, com constrangimentos vários.
A Força Aérea perdeu, de facto, a supremacia aérea, mas não perdeu a superioridade aérea. E nunca mais nos abateram qualquer aeronave, à excepção de um Fiat, em 30 de Janeiro de 74, por incumprimento de uma regra de segurança. Estima-se que foram disparados mais de 40 mísseis.
Que se terá passado então, para que o Comandante de Guileje tivesse apenas resistido quatro dias – com mais meios do que o seu camarada de Guidage – o TCor Correia de Campos, que se veio a revelar um valoroso Comandante - que chegou a estar no limite das munições e dos víveres?
Aqui parecem entrar o que se designa por factores imponderáveis da guerra, tão ou mais importantes que os outros…
20/6/13
(continua)
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Amílcar Cabral foi, sem dúvida, o mais capaz líder guerrilheiro de todos os que combateram contra Portugal.
[2] O que, a ser verdade - convenhamos – seria mais do que legítima…
[3] Foram abatidos um Fiat, um T-6 e dois DO-27. Só a 8 de Abril se teve a certeza de que a nova arma era o SAM-7. Outros disparos foram efectuados, mas não se considera relevante a sua discriminação.
[4] O COP 5 dispunha de uma companhia de caçadores; um pelotão de milícias; um pelotão de Artilharia, com peças de 11,4 e algumas autometralhadoras “Fox”.
[5] É importante referir que o Comandante do COP5 foi lá colocado, também, com a missão de disciplinar e levantar o Moral a uma tropa considerada fraca e desmotivada.
Desde Afonso Henriques que há assuntos, na História de Portugal, mal arrumados. Alguns, até, de tão mal descritos, resultam em distorções e mentiras grosseiras.
É o caso das últimas e ainda recentes campanhas ultramarinas em que a Nação Portuguesa esteve envolvida entre 1954 e 1975.
E assim é, apesar do espaço temporal ser curto; haver muita gente viva que foi protagonista nos eventos; ampla documentação e excesso de meios de comunicação social.
Entre os multifacetados aspectos que este longo conflito encerra, ganhou especial preponderância o teatro de operações da Guiné e, dentro deste, as operações que se desenrolaram no 1º semestre de 1973, em que se assistiu à maior operação da guerrilha, em toda a guerra. Esta ofensiva foi desencadeada pelo PAIGC e planeada e coordenada por instrutores soviéticos e cubanos e destinava-se a fazer “ajoelhar” militarmente, as forças portuguesas.
Naturalmente o facto de o MFA ter nascido na Guiné; o protagonismo que o General Spínola – que acabou por ser o principal responsável pelo abaixamento do moral das nossas tropas na Província – veio a ter em todos os eventos ligados ao 25/4 e posteriores; e ao mito que se veio a criar que a guerra na Guiné estava perdida são, seguramente, responsáveis por tal facto.
No meio da ofensiva referida veio a ter destaque, pelas piores razões, o abandono do quartel e povoação de Guileje, no dia 22 de Maio.
Piores razões, porque marca uma página negra da História Militar Portuguesa, dado que uma guarnição que estando longe de estar batida, quebrou o dever militar, ao abandonar a sua área de operações sem ordem para o fazer e sem razão que o justificasse. A única que o fez em 13 anos de combates.[1]
O responsável directo por esta retirada foi preso em Bissau, ficando a aguardar julgamento em tribunal militar.[2]
Desse julgamento, livrou-o o Golpe de Estado de 25 de Abril e o desnorte que se lhe seguiu, acabando o arguido amnistiado em tal processo. Ou seja, juridicamente a responsabilidade penal deixou de existir.
O oficial em causa continuou a sua carreira militar e chegou a coronel.
Depois de abandonar o serviço activo, escreveu um livro, profere conferências e entra em debates, no sentido de descrever o que se passou, explicar as razões por que tomou a decisão que tomou e insurgindo-se contra o processo de que foi alvo.
Antes de entrar nesta última parte é mister fazer um brevíssimo enquadramento da situação ocorrida em Guileje.
20/6/13
(continua)
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] O Quartel de Copá, no Nordeste da Guiné, também foi abandonado, em 30/1/73, por metade da guarnição, mas a mesma foi obrigada a regressar, pela notável acção do Comandante do Batalhão, Ten-Cor. Jorge Matias.
[2] O militar ficou preso cerca de um ano, o que se estima ser um exagero - mesmo tendo em conta a situação da altura – para se instruir o processo e levá-lo a julgamento. E, possivelmente, não deveria ter sido o único a quem devia ter sido dado ordem de prisão…
A Instituição Militar está aiÀ laia de introdução:nda longe de ter recuperado completamente das sequelas do 25/4 e do “PREC” (só isto dá um programa televisivo de várias horas);
As Forças Armadas (FAs) deixaram de ter qualquer responsabilidade directa na condução dos destinos do País após o fim do Conselho da Revolução e da entrada em vigor da Lei 29/92[1];
O país ainda não está devidamente reconciliado com o seu passado mais próximo;
O conjunto das forças políticas entendeu que Portugal ia ser amigo de todos e todos iam ser nossos amigos e portanto não haveria ameaças. Se, por remota hipótese, houver algum conflito lá estaria a NATO para “resolver” a questão…
A incultura cívica (quando não a subversão ou simplesmente a estupidez natural) faz com que não se entenda a necessidade de FAs, a especificidade da condição militar e os rituais, tradições e cerimonial daqueles abencerragens, algo arqueológicos, que teimam em gastar do mesmo barbeiro e do mesmo alfaiate; (mais umas horas de programa…)
Os Partidos Políticos, os órgãos de comunicação social, comentadores, entidades e instituições várias têm mostrado a sua irresponsabilidade ao tratarem as questões militares e bastantes deles não se coíbem de lançar verdete e, até, ódio sobre uma Instituição séria, estruturante da Nação (embora não isenta de erros) e cuja história se confunde com a de Portugal.
Ou seja, e em síntese, existe uma convicção alargada – e idiota – de que as FAs são um gasto supérfluo para o país e uma maçada!
Com isto dito podemos passar ao corpo da coisa.
Assim:
As FAs, ao contrário do resto do país, rapidamente se disciplinaram e reorganizaram, reconvertendo-se para os novos cenários de actuação, armamentos, tácticas, técnicas, etc. e, ao longo dos últimos 30 anos conseguiram um grau de desempenho que iguala as mais avançadas forças militares do mundo e ultrapassa a maioria das restantes;
E, neste espaço de tempo não deixaram por cumprir qualquer missão de que tenham sido incumbidas e que passaram por projetar forças para cerca de 30 teatros de operações diferentes (mais de 30.000 homens aviões navios, viaturas e diverso equipamento), que já efecturam quase todas as missões possíveis, incluindo o combate.
Não houve, no mesmo período de tempo, qualquer entidade do Estado – e arrisco-me mesmo a dizer no sector privado (salvo alguma devida proporção) – que se tenha reformado e racionalizado no verdadeiro sentido do termo (e reduzido), mais e melhor do que a Instituição Militar (IM);
Mesmo assim, e sobretudo a partir do consulado do Ministro Fernando Nogueira, nunca nenhum governo se satisfez com nada, passando a aplicar o "slogan" dos 3 “Rs” que, na prática, apenas quis dizer reduzir, reduzir e reduzir! Trataram as FAs como se estas fossem um bocado de plasticina (que se moldava a esmo) e desrespeitaram constantemente todas as regras de Ética e de metodologia adequadas às mesmas;
Os responsáveis políticos quase nunca assumiram claramente as responsabilidades fosse do que fosse, não definiram prioridades, mantiveram todas as missões (e até acrescentaram outras) sem sequer as priorizar, ao mesmo tempo que iam obrigando a cortar capacidades, não raras vezes lançando os Ramos uns contra os outros;
Nunca foram claros a alocar recursos nem nunca actuaram lealmente relativamente ao cumprimento das Leis de Programação Militar (nenhuma foi cumprida);
O próprio Ministério da Defesa Nacional foi sempre uma mentira pois nunca existiu – na medida em que nunca nenhum ministro, ou governo, olhou para a defesa nacional como tal – limitando-se a ser um ministério para as FAs, o mesmo se passando com o ministro cuja única característica que se vislumbrou até hoje – além de ir às reuniões internacionais do que deveria ser o seu âmbito – foi o de, eufemisticamente, pôr a tropa na ordem e esmifrá-la…
Por tudo isto não espanta que a sua quase exclusiva actividade até agora, tenha sido a de asfixiar financeiramente e em termos administrativos e de pessoal o que foi restando da IM.
Haver preocupação em comparar a percentagem do PIB dos países europeus ou outros, gasta na Defesa, com o que se passa connosco é um exercício deletério de pertinência duvidosa. De facto cada país tem uma geopolítica própria e diferente dos demais e aquilo que cada um gasta na defesa deve ter a ver com as suas opções, necessidades e capacidades, não em copiar exemplos alheios.
Por outro lado comparar percentagens é enganador já que 1% do PIB holandês, por ex., pode permitir comprar 1000 aviões de um certo tipo, e 1% do nosso PIB só dar para 50…
Finalmente é necessário estar atento para ver se as contas não estão viciadas pois, e também como ex., o Governo português é useiro e vezeiro em incluir os gastos da GNR nas contas da defesa…
Quanto à questão da “austeridade ser para todos” há que dizer claramente que, em primeiro lugar, as FAs não têm qualquer responsabilidade na crise, não andaram a desbaratar dinheiro, não usufruíram de prebendas, não andaram metidos em corrupções medonhas, nem se endividaram para além do que podiam pagar (vão pedir contas a quem tem culpas no cartório, primeiro…);
E quanto a apertar o cinto já o andam a fazer vai para 20 anos enquanto o resto do país folgava como cigarra, com os responsáveis políticos em destaque! Por isso não venham dizer que a austeridade tem que ser para todos (insinuando nas entrelinhas), pois as FAs estão fartinhas de dar para este peditório (e nunca se eximiram a fazê-lo, nem nunca pediram excepções à lei) – quando mais alguém as igualar que atire a primeira pedra!
*****
Segundo capítulo do “Corpo”.
Por outro lado os ataques à condição militar e ao “Ethos” da IM têm – se sucedido no tempo e são devastadores. ´Trata-se de uma agressão constante, que vai acumulando uma revolta surda e que transformará, brevemente, a tropa num fardo inútil. A desconsideração é vasta.
O silêncio sobre as barbaridades feitas tem sido ensurdecedor.
Ilustremos:
A IM perdeu qualquer capacidade de interferir na escolha das chefias militares;
O vencimento deixou de estar sintonizado com as outras profissões de referência do Estado, havendo uma desproporção negativa muito acentuada;
As chefias militares têm vindo a perder a autoridade de poderem decidir sobre quase tudo;
Os militares têm sido enxotados (é o termo) de todas as funções fora da estrutura das FAs, como se tivessem lepra;
A IM não possui qualquer representação política;
As chefias militares raramente são chamadas ao Parlamento ou à Presidência da República;
A justiça Militar (com foro próprio) foi destruída;
O Serviço Militar deixou de ser universal e obrigatório (um erro de lesa Pátria…);
Institui-se o “duplo voluntariado” no pessoal contratado – uma aberração;
Permitiu-se as mulheres na tropa – uma demagogia dispensável e escusada; permitiu-se, de seguida, o acesso a especialidades relacionadas directamente com o combate – uma demagogia perigosa e anti natural;
A Disciplina Militar está despedaçada e ferida, depois da aprovação do novo Regulamento de Disciplina Militar;
O MDN está invadido de "boys e girls" dos partidos;
Assistiu-se à “invasão” do ensino militar pelo ensino civil;
Tenta-se, constantemente, transformar os militares em funcionários públicos de manga – de - alpaca; e insiste-se na submissão em vez da subordinação;
O estatuto da reserva tem sido destruído paulatinamente;
A reforma da saúde militar é um “molho de brócolos”;
Insistem em misturar os estabelecimentos de ensino militar – como se pudessem fazer omeletes com ovos cozidos;
As FAs foram diminuídas e algo achincalhadas em termos de protocolo de Estado;
As FAs estiveram cerca de 30 anos afastadas de poder participar no Dia de Portugal, a 10 de Junho;
Não há defesa política e institucional das FAs a não ser em palavras de circunstância;
O poder político faz leis para as FAs e os militares, que depois não cumpre: uma altura houve, em que havia cerca de 40 diplomas em incumprimento!
Por último “emparedaram” a carreira militar retirando aos militares a única coisa que lhes restava, com a redução constante dos quadros; mudança aleatória, no tempo e no modo, das regras existentes e congelamento inaudito das promoções.
O Decreto - Lei 373/73 – que deu origem ao 25 de Abril – em comparação com este último parágrafo, é apenas um conto de fadas…
Em súmula, o desrespeito e desconsideração institucional tem sido enorme: generais e almirantes achincalhados na praça pública; ministros pornograficamente ignorantes e impreparados para a função (houve um que só aguentou duas semanas); outro que nunca chegava a horas a lado nenhum (e até chegou a escolher um Secretário de Estado da Defesa num clube de oficiais!); outro, ainda, que resolve ir a uma cerimónia militar que já se efectuara e depois mandou repetir; a lista podia continuar.
Talvez o único ministério que durante anos e anos tinha as contas em dia era o da Defesa, as FAs sempre pagaram a horas, pois não descansaram enquanto não acabaram com isto. Quiseram rebaixar-nos ao nível deles!
O MDN devia, sem dúvida, mudar de nome, devia chamar-se aquilo em que na verdade se tornou: a comissão liquidatária das FAs.
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Em Conclusão:
Gentinha arrivista e ignorante que tem passado pelos paços do poder tem-se comportado como sociopatas e militaricidas. São perigosos.
Transformaram os militares em cidadãos de terceira categoria e as FAs num apêndice do Estado, mal tolerado.
Por isso já se compreende muito mal, que quem é chamado (ou tem oportunidade) a pronunciar-se sobre o estado das coisas castrenses, se refugie no maldito do politicamente correcto e não fale, naturalmente, na realidade das coisas; saiba ao menos explicar quais são as missões e razão de ser das FAs e não se encolha – quase em retirada estratégica – a dizer que ainda há coisas que podem ser racionalizadas. Além de não ser verdade, dão tiros nos pés e passam um atestado de incompetência aos chefes anteriores…
E também já chega de haver quem ande a agitar espantalhos de indisciplina ou insubordinação e depois concluir que agora como é tudo democrático, toda a gente vai portar-se bem…
A Democracia não é para aqui chamada (e até me parece ser mais fácil que ocorram problemas em Democracia do que em ditadura…) e não tem nada a ver com o que se passa.
O que se passar tem a ver com decência…
O que tiver que ocorrer ocorre em função de três coisas: haver um conjunto suficientemente alargado de disparates; ambiente, maturado, em que se possa reagir aos mesmos e um “ignidor”. É uma espécie de triângulo do fogo…
As coisas são como são e acontecem quando têm de acontecer.
Foi sempre assim e sempre assim será.
Por isso juízo.
O conjunto da IM tem suportado estoicamente todo este rol de agressões inomináveis tendo como único escape o abandono do serviço activo.
Os militares têm carregado a cruz da servidão militar, agarrados ao espirito de serviço e do dever, no mais da vez de boa mente, quiçá com alguma esperança. Com sentido de estado e a encaixar danos, faz décadas (eu, confesso, que há muito – mesmo muito - que me desiludi e lhes perdi o respeito).
A paga que têm tido é a que está à vista e confluíram nestas miseráveis medidas que andam no ar.
Convém, ao menos, que os militares morram como as árvores, de pé. E ser disciplinado não tem o mesmo significado de ser castrado.
Resolver os problemas do país não passa pela destruição da IM[2]. Nem o governo está mandatado para o fazer. Muito menos a “Troika”, ou quem ela representa.
Com o fim do Conselho da Revolução, em 30/09/1982, o Poder Político ficou totalmente nas mãos das forças políticas – surgidas na sequência do 25 de Abril de 74 – que as sucessivas pugnas eleitorais colocavam nos órgãos de soberania, segundo o figurino constitucional entretanto aprovado.
Para trás ficavam anos conturbados que se iniciaram com a perda de controlo da situação originada no golpe de estado do MFA; numa transição político/social caótica e numa descolonização traumática e muito vergonhosa, cujas consequências estão a revelar-se piores das que se seguiram à entrada do Duque de Alba e do Marquês de Santa Cruz, em Lisboa, em 1580, e das Cortes de Tomar de 1581, que foram o seu epílogo.
Em poucos meses o melhor e mais poderoso aparelho militar que a Nação Portuguesa conseguiu montar desde Afonso Henriques, ruía como um baralho de cartas e ainda hoje – quase 40 anos volvidos – ainda está longe de ter recuperado.
A estabilização político/social/ económica levou cerca de 10 anos a estabilizar, passando-se por duas ameaças de banca rota, em 1977 e 1983 (que levaram a intervenção do FMI), apesar de a guerra ter acabado, do país estar a crescer 6,9% ao ano, em 1973 e o anterior regime ter deixado uma das moedas mais fortes do mundo e vastas reservas de ouro e divisas.
Os novos governantes – a maioria dos quais formados no estrangeiro ou lá emigrados – profundos desconhecedores do país, mas assumindo-se como opositores fundamentalistas das anteriores políticas (até da História), parece que tinham como elemento fundamental de actuação, fazerem tudo ao contrário do que era norma.
Podiam ter tido, ao menos, o bom senso de fazer uma leitura pragmática do que representava para a Nação Portuguesa ter sido despojada de um modo violento e dilacerante, de 95% do seu território e 60% da população, com as enormes consequências geopolíticas e geoestratégicas que tal implicou.
Mas não, ignorantes das coisas e dos homens decretaram o direito à felicidade de todos e dever a coisa nenhuma.
De todas as grandes decisões, político/estratégicas postas em prática, não se vislumbra uma única que se possa apelidar de correcta, senão pela mesma, pelo menos na sua execução. Para as analisar são necessários vários livros.
Interessa, todavia, reter duas: o sistema político e a adesão à CEE.
Não havendo sistema político nenhum perfeito e sendo a melhor forma da sua legitimidade e representatividade, uma discussão sem fim, optou-se por um modelo semi - presidencialista que não é carne nem peixe, organizando-se todo o Estado num sistema de equilíbrios que não geram resultantes. Ou seja tudo está montado para não funcionar.
A piorar as coisas, a classe política organizou-se para defender ideologias e negócios e “esqueceu-se” dos interesses do país como um todo. Deixaram de se sentir portugueses e muitos escorregaram para as malhas de estruturas internacionalistas de poder.
A qualidade dos actores políticos tem, por outro lado, decaído a olhos vistos e não há o menor critério para os preparar e selecionar.
Abandonado o grande projecto nacional e humanista, de ser Portugal em todo o mundo que os portugueses criaram e se sentissem como tal, não restou à classe política emergente, mais do que se entregar nos braços da CEE, já que tinham desistido ou nunca acreditaram, de poderem ser uma CEE sozinhos…
Mandaram-se de cabeça, ponderando pouco…
Direi apenas isto (e podia ser outro livro): os órgãos de soberania consideraram a adesão como sendo um objectivo nacional permanente histórico – que jamais o será – em vez de considerarem essa adesão como um objectivo nacional importante, mas circunstancial – que devia ter sido a opção feita. A diferença é de substância e o modo de actuar idem.
Agora sim, o futuro iria ser luminoso e nem seria preciso trabalhar muito – conceito entretanto desaparecido do léxico público…
Num curto espaço de tempo chegou a Portugal uma soma de riqueza tal que, possivelmente, suplantou os proventos de todas as riquezas da India, dos Brasis e de África, juntas.
A voracidade e o deslumbramento foi tal e tanto que, apesar de toda a riqueza vertida (da qual nunca ninguém prestou contas), não foi “suficiente”, tendo-se assistido a um endividamento, interno e externo, galopante e criminoso.
Com a poeira assente, restou um aumento do nível de vida (e do consumo) com riqueza que não produzíamos, restando agora muito cimento, quase nenhumas mais-valias para o futuro, e uma dívida a crescer exponencialmente. Dava vários compêndios.
A nível da sociedade passou a imperar a “ditadura” dos direitos, sem a menor noção que estes adquirem-se e devem derivar dos deveres cumpridos; fez-se tábua rasa da hierarquia social e instalou-se o facilitismo, o nivelar por baixo, a irresponsabilidade.
Em termos morais impera o “relativismo”…
Fiquemos por aqui, pois 24 horas de emissão televisiva não davam para enumerar os erros cometidos.
Pode-se argumentar que muito do que aconteceu foi feito com boa intenção e com a informação e crenças, que os protagonistas dispunham na altura. Poderá ser assim, mas os erros não deixam de ser erros (que tardam sempre a ser reconhecidos e emendados) nunca se fazendo um “mea culpa”; e de boas intenções está … o inferno cheio!
*****
E, deste modo, chegámos ao momento presente onde se pode constatar, sem grande margem para dúvidas, que:
O País está com soberania limitada, a caminho do estado exíguo e de ser um protectorado; a “Troika”, que nunca deveria ter sido chamada, é pior do que ter a Duquesa de Mântua no Palácio Real, protegida pela “Guarda Alemã” aquartelada no Castelo de S. Jorge;
O actual sistema político está bloqueado e sem soluções;
O Governo está condenado pois não dá o exemplo, perdeu o rumo e a coligação está ferida de cancro; apenas se mantém por não haver alternativas credíveis e ser prejudicial desencadear uma crise política;
O País jamais conseguirá pagar a dívida, tão pouco os juros da mesma, se parte dela não for “perdoada”, os juros deixarem de ser leoninos e os prazos não forem dilatados. E, claro, não passar a haver “superavit” nas contas públicas ao fim de cada ano;
Se o programa da “Troika” chegar ao fim, a única coisa que se conseguirá – além de estarmos todos mais pobres – será a de juntarmos mais dívida àquela que já tínhamos;
O País está a parar e a desintegrar-se e caminha, a passos largos, para que a taxa de desemprego chegue aos 98% (os restantes 2% pertencem à classe política);
As tensões sociais irão descontrolar o País e existe uma probabilidade muito elevada do Poder vir a cair na rua; em tal hipótese o PCP continua a ser a única força organizada capaz de tomar conta da coisa;
A criminalidade irá subir; os “esquemas” vão-se multiplicar e o contrabando vai passar a ser rotina;
As Forças de Segurança estão desmotivadas, divididas e “infiltradas”;
Os Serviços de Informação não funcionam desde 1974;
A Justiça é um sofisma;
A Essência do Sistema Educativo (e seus resultados) é medíocre;
O Sistema Nacional de Saúde é incomportavelmente caro e o desperdício é enorme;
A Diplomacia limita-se ao exercício deletério das Relações Internacionais - não existe a menor ideia do que são os interesses nacionais a defender;
Não há Defesa Nacional, apenas existe um ministro para as FAs - para, eufemisticamente, colocar “a tropa na ordem”;
As Forças Armadas estão reduzidas a quadros, crescentemente chateados como perús em véspera de Natal; tirando acorrer a catástrofes, a Constituição da República inibe qualquer outra intervenção interna;
O aparelho produtivo é uma manta de retalhos;
A Economia é vista como um fim em si mesma (erro) e não como tendo de derivar de uma Política e ser instrumento de uma Estratégia (certo);
As Finanças são encaradas como um meio de engordar banqueiros e “gestores financeiros” (erro) e não como um instrumento para financiar a economia e atender a preocupações sociais (certo);
Não existem meios eficazes de controlo – veja-se, por ex., o que se passa com a actuação do Banco de Portugal e com os relatórios do Tribunal de Contas;
Nem Governo, Parlamento ou PR tem mostrado ter estratégia seja para o que fôr – está demonstrado à evidência – sobra-lhes, contudo, receios;
O Governo não consegue pôr ordem em interesses instalados;
Toda a gente, todos os dias, fala demais; o ruído é enorme;
A Comunicação Social (que, como tudo virou negócio) carece de melhor regulação, exigência deontológica e de deixar de se comportar como combustível no meio de uma fogueira e em explorar os piores instintos humanos em vez de puxar pelos melhores;
Os Partidos (nome horrível), nem querem ouvir falar em medidas que possam prejudicar os seus apaniguados mais chegados, ou seja o que fôr que possa pôr em causa o financiamento dos seus cofres;
O património do país está a ser vendido ao desbarato, para se tentar aliviar os problemas de tesouraria, ao mesmo tempo que vai enriquecer os grandes “trusts” internacionais; por este andar vamos acabar sem anéis, sem dedos e sem alma…;
Não é possível recuperar um país que se auto – destruiu e endividou durante mais de três décadas, em meia dúzia de anos… nem sequer é sensato pensá-lo; só a abjecta inclinação dos políticos de serviço, pela ditadura da caça ao voto, justifica a mentira do discurso;
No balanceamento da política de alianças estratégicas, está-se a cometer o gravíssimo erro de nos colocarmos ao lado da “continentalidade”, contra a “maritimidade”; tal é sobretudo visível dentro da UE;
Tudo aquilo que se passar no Mundo, que nos possa vir a afectar, sobretudo naquele que nos é mais próximo, deve merecer a maior atenção, não o ambiente no balneário do Benfica;
Neste particular toma especial relevo a situação em Espanha que caminha a passos largos para uma situação insurrecional próxima da que antecedeu a guerra civil, em 1936;
Existem muitas “guerras” cruzadas, no mundo, que nos afectam ou podem vir a afectar e nós temos que procurar sobreviver no meio delas, e não persistirmos em destruir todo o Poder Nacional de que dispúnhamos.
Finalmente, quem pensar que os mesmos actores políticos que nos trouxeram a este ponto calamitoso, servidos pelo mesmo sistema político, são os mesmos que nos vão tirar da “crise”, ou não percebem nada da vida ou não estão no seu juízo perfeito.
Vai ter que haver rupturas.
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Com a manifestação a nível nacional, de 15 de Setembro de 2012, quebrou-se a ténue fronteira de esperança e confiança entre a população (e não a Intersindical) e o Governo – diria as forças políticas; mais do que tudo quebrou-se um vínculo psicológico: daqui para a frente a revolta ficou latente;
O mesmo pode acontecer no seio das FAs e ninguém sabe prever se, e quando, se dará esse clique mas, a partir de agora, o caldo de cultura passou a existir, não só pelo que ficou dito, mas por muitas asneiras contumazes e especificas.
Há que ter juízo.
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De facto e lamentavelmente, os principais actores do Estado, que elegemos na 3ª República, têm -se comportado, maioritariamente, não como os fautores que nos conduzissem às aspirações utópicas da Segurança, da Justiça e do Bem-Estar, mas apenas com simples destruidores do Poder Nacional. E, ainda, – o que acontece pela primeira vez na nossa vetusta História – como agentes subversivos da Nação dos Portugueses.
Esta é, sem sombra de dúvida, o momento mais perigoso da História de Portugal e aquele em que dispomos de menos recursos para lhe fazer face.
Se teremos ou não saber e coragem para o ultrapassar é o que o futuro nos dirá.
“Em muitas coisas não pareces sucessor de Pedro, mas sim de Constantino” – S. Bernardo, ao Papa Eugénio
No fim do século XI, princípios do XII, a Europa Cristã estava cercada.
A Norte pela calote polar; a leste por eslavos hostis e pela ameaça constante de Mongóis e Tártaros; a Sul e SE pelos povos islamizados, em rápida expansão. Esta expansão tinha, até, ocupado toda a Península Ibérica em poucos anos, a partir de 711, sendo travados por Carlos Mardel, em 732, já no actual Sul de França.
Uma pequena bolsa de cristãos resistiu, porém, nas Astúrias e foi a partir daí que a Reconquista teve inicio, a partir do séc. IX. A navegação desde o Mediterrâneo até à Corunha não era dominada por nenhuma das partes e os conflitos eram constantes.
Bernardo de Claraval
No princípio do século XII um magistral personagem que ficou conhecido na História por S. Bernardo, abade de Claraval (1090-1153) – a quem devemos muito da Europa que herdámos – ajudou a delinear uma estratégia para aliviar e resolver este sufoco (cerco): atacar directamente o Islão no seu coração – e libertando a cidade santa de Jerusalém – e conter ou expulsar as ameaças nos flancos.
Esta estratégia já vinha do tempo em que o Papa Urbano II pregou a Cruzada (o que aconteceu pela 1ª vez, em 1095, no Concilio de Clermont Ferrand) e incentivou a saída dos sarracenos da “Ibéria” – a Cruzada do Ocidente (que só se concluiu com a queda de Granada, em 1492). Tudo isto se veio a apoiar na criação e desenvolvimento das Ordens Militares e Religiosas, em que se distinguiram a Ordem Teutónica (fundamental para conter as hordas bárbaras vindas de leste) e os Templários. Estas Ordens organizavam e enquadravam a colonização das terras libertadas e garantiam a sua defesa.
D. Afonso Henriques correspondeu-se com o Abade de Claraval – e é possível que ainda fosse seu parente – e Portugal muito deve a este monge (e estratega), depois Santo e doutor da Igreja, a sua independência.
Toda esta estratégia teve um sucesso parcial (não conseguiu destruir o Islão nem segurar Jerusalém), mas garantiu, com o desenvolvimento dos estados/nações europeus, a segurança das fronteiras da Europa, com uma zona de fractura nos Balcãs.
O declínio dos povos árabes e assimilados do Norte de África, bem como dos Persas, foi compensado com o Império Otomano cujo alargamento foi parado em Lepanto, em 1571 e às portas de Viena, em 1525 e 1683 (sendo atacado pela “retaguarda”, pelos portugueses, a partir de 1497), e circunscrito basicamente à Península da Anatólia, após os turcos terem sido derrotados na IGG. Durante 500 anos a guerra marcou sempre a sua presença.
A expansão europeia pelas quatro partes do mundo e o seu poderio crescente, levou a que várias das suas potências ocupassem a maioria dos territórios islamizados do Norte de África e do Médio Oriente, durante o século XIX e princípios do XX.
Na sequencia da II GM e com a evolução do Direito Internacional e os “ventos” de autodeterminação dos povos, cada um destes países foi ganhando a sua independência baseada nas fronteiras coloniais e herdando todas as vicissitudes da sua atribulada História.
A complicar toda esta situação foi criado na Palestina, em 1948, o Estado de Israel, acabando assim um vácuo político da “nação” judaica que durava há cerca de 2000 anos. Um evento único na História da Humanidade.
Esta ocorrência deve-se, fundamentalmente, à acção do movimento Sionista fundado pelo húngaro Teodor Herzl (1860-1904), e cujo primeiro congresso teve lugar em Bale, Suíça, em 1897; no sentimento de culpa europeu e sequelas por causa do “Holocausto” e, sobretudo, pelas promessas do governo inglês feitas durante a IGG (declaração de Balfour, de 1917), entregue ao Barão de Rotchild, um dos principais apoiantes da causa sionista, em troca do apoio desta à entrada dos EUA na guerra, contra os alemães. Um facto muito pouco estudado e evidenciado por historiadores, políticos e diplomatas…
Ajudava ao caso, o facto da Grã – Bretanha deter o mandato para a administração da Palestina, outorgado pela defunta Sociedade das Nações, em 1922.[1]
Ora a instauração do Estado de Israel, do modo como foi feita e pela não resolução adequada da situação dos povos que por lá habitavam havia séculos, levaram à não aceitação do “status quo”, por parte da grande maioria do mundo muçulmano, o que tem originado, desde então, várias guerras, terrorismo internacional e uma instabilidade permanente.
Jerusalém é, por via de tudo isto, um epicentro que está sempre na linha da frente de uma deflagração bélica a nível mundial.
A decadência de séculos, a memória de uma antiga civilização florescente, a ocupação colonial europeia, as sucessivas derrotas militares e a pobreza endémica em contraste com a opulência malsã das cliques de governantes, transformaram a reconhecida resignação do árabe num sentimento de profunda humilhação e revolta.
O único traço de união e esperança é a religião, a que se agarram como tábua de salvação e coesão por não lhes restar mais nada. Mas, por outro lado, é a própria religião, pelas imposições dogmáticas que faz e por querer dominar o pensamento, a vida social e o próprio Estado, que impede qualquer progresso e evolução. Por isso a investigação científica quase desapareceu, as artes plásticas não têm expressão, a literatura é pobrezinha, enfim a cultura e o engenho definharam. O mundo muçulmano não inventa nem cria nada que se veja, desde o século XII…
A baralhar ainda mais as coisas existem divisões religiosas profundas entre muçulmanos, as mais visíveis das quais são entre Sunitas e Xiitas.
Como pano de fundo actual, devemos ainda considerar duas realidades da maior importância: a primeira é a dicotomia entre a “UMA” e os regimes políticos que governam os respectivos povos; a outra é a geopolítica do petróleo (e gaz natural).
A UMA representa a comunidade dos crentes, ou seja a irmandade de todos os povos submetidos ao Islão. Esta ideia é universalista e não entende a necessidade de fronteiras ou de estados diferenciados. Aspira a um novo “Saladino”que una todos os crentes numa única humanidade…Esta ideia percorre transversalmente todos os povos islamizados e torna-se, por vezes, antagónica da existência de poderes diferenciados e locais. A realidade politica definida pelas fronteiras coloniais apenas serve para exacerbar este conflito.
A geopolítica do petróleo torna o Ocidente refém da sua importância, dado que as sociedades desenvolvidas basearam a sua riqueza e progresso material nos combustíveis fósseis. E deixaram desenvolver-se, no seu seio, verdadeiros “estados dentro do estado” que são os colossos das grandes companhias que exploram e negoceiam o produto. Ao ponto dos interesses destas multinacionais chegarem a sobrepor-se ao interesse dos países ocidentais. Agora também da Rússia.
Ou seja não se faz o que se deve, mas sim o que interessa a este negócio/dependência.
Por outro lado os povos dos países muçulmanos produtores não se sentem tocados, na sua generalidade, com os benefícios que esta enorme riqueza e “arma” estratégica lhes poderiam proporcionar.
O resultado é o aumento das tensões sociais, a pobreza arrastada e a falta de qualidade de vida; a demografia galopante, cuja tradição social, imperativos religiosos e interesses políticos, potencia, vai obrigar à emigração em massa, por causa do desemprego existente.
As maiores vitimas deste fluxo migratório, que se descontrolou, foram os países europeus da margem norte da bacia mediterrânica.
A situação está prestes a gerar conflitos insanáveis devido ao excesso de permissividade das leis das sociedades ocidentais e porque as comunidades islâmicas não se integram, por norma, nos países de acolhimento.
As tentativas dos países da UE em os integrar falharam redondamente e as tentativas para dourarem a realidade com o “multiculturalismo”não resistem à mais leve análise. A recente confissão da Srª Merckel deu – lhe o golpe de misericórdia.
Mesmo iniciativas políticas para melhorar o comércio e o desenvolvimento económico e social, como foram as 5+ 5 e a Declaração de Barcelona, respectivamente em 1990 e 1995, foram tardias e pouco lograram e os recentes eventos mataram-nas de vez.
Finalmente a constituição de duas forças militares da UE, para o Mediterrâneo, a Euroforce e a Euromarforce, criadas em 1995 (em que participam forças da França, Espanha, Itália e Portugal), foram vistas pelos países do Magreb, como uma ameaça.
E foi assim que chegámos à actual sucessão de eventos de revolta político/social, que varre todo o mundo islâmico de Marrocos ao Iémen, com um efeito de dominó notável. E que, tanto quanto se sabe, “ninguém” provocou ou previu. E não parece ir parar por aqui…
Para a Europa a que pertencemos, estes eventos além de irem evidenciar, mais uma vez, as perplexidades europeias e a falta de entendimento crónico e atempado dos “27”, vão ter reflexos previsíveis em quatro áreas fundamentais:
Aumento do preço do petróleo/gaz e perturbação no seu mercado;
Aumento, por arrastamento, de todos os restantes bens, de que os mais graves parecem vir a ser, os alimentos;
Instabilidade/ameaça relativamente ao investimento já efectuado, ou a efectuar, nos países atingidos;
Aumento da emigração e possível exacerbar das tensões entre as comunidades de emigrantes, já existentes.
Acresce a todo este quadro as incógnitas em catadupa relativamente à estabilização político/social em cada um dos países ora afectados pelas sublevações populares. Cada um irá ter o seu “processo revolucionário em curso”…
E não é estimável que se venham a estabelecer regras de estado de direito democrático, como são entendidas no Ocidente (embora a sua prática deixe muito a desejar), em virtude das tradições politicas, culturais e religiosas dos povos em questão. E é difícil de prever o grau de influência do “Fundamentalismo Islâmico”…
A perigosidade do momento aconselhava a que os países europeus (já que persistem na ideia da União), abandonassem a única coisa que têm sabido e tido a coragem de fazer, que é a de aproveitar as crises ou o seu intervalo, para fazerem uns negócios e tentar resolver as crises politico/sociais com subsídios a esmo. Não tem sido bonito nem eficaz.
Melhor seria imporem regras estritas dentro dos seus territórios, relativamente ao comportamento dos emigrantes. Quem chega integra-se e cumpre a lei; quem não quer não entra ou é expulso na hora. Ponto final. A emigração tem, aliás, que ser parada, por uma simples razão demográfica: com os números actuais a Europa desaparecerá em poucas décadas. É tão simples quanto isto e não há “direitos humanos” que nos valham!
A Europa, isto é, os países europeus, têm que voltar a querer defender-se. Têm que ter uma estratégia e esta não existe sem Forças Armadas a sério. Os conflitos e as guerras não vão desaparecer.
O modelo de desenvolvimento tem que voltar a ser baseado em valores (respeitar o dos outros não quer dizer destruir os nossos…), e não no negócio a qualquer preço. E já se devia ter, há muito, começado a encarar seriamente alternativas aos combustíveis fósseis.
Os problemas dos países muçulmanos têm que ser confinados e resolvidos por eles próprios. E as relações têm que ter reciprocidade, isto é, se não deixarem construir igrejas nos seus países, por ex., nós não podemos fechar os olhos a isto e facilitar os pedidos das suas comunidades…
Ter estadistas que entendam o que se passa e tenham nervo para tomar medidas sérias e difíceis, parece ser uma miragem enquanto os políticos forem escolhidos maioritariamente nos oriundos das juventudes partidárias e eleitos em pugnas circenses de grande visual e medíocre substancia.
Entre nós, portugueses, passámo-nos a julgar “pequeninos” e por isso nos tornámos indigentes e saloios. Senão atalharmos caminho, brevemente teremos os nossos dias de “raiva”. O país, com muçulmanos ou sem eles, irá para o fundo.
25.02.2011
João J. Brandão Ferreira
TCorPilAv (Ref.)
[1] Outro ponto pouco conhecido, mas curioso, tem a ver com o facto de se ter pensado instalar o Estado de Israel, no planalto angolano…