TRETAS #11
4, AND COUNTING….
Hoje, já ninguém pode ter dúvidas quanto ao seguinte:
(i) gerir Bancos sem deitar tudo a perder, parece não ser connosco;
(ii) supervisar com um mínimo de proficiência Bancos (e outras Instituições Financeiras), também não é para nós;
(iii) resolver capazmente os problemas que um Banco em crise sempre coloca é coisa para a qual não estamos obviamente fadados;
(iv) e a vender património, mesmo que a preços de saldo, também não somos melhores.
Que tal contratar na estranja quem tenha provas dadas? Especialistas não faltam - e não creio que, no final, a conta ultrapasse escandalosamente aquilo que, por junto, têm custado os Conselhos de Administração cá da rapaziada.
Agora, é o BANIF.
A confirmar-se o que acaba de ser anunciado, a factura incluirá, em primeira estimativa, uma entrada de dinheiros públicos ligeiramente superior a € 1 mM, mais uma garantia de € 750 M a prestar pelo Estado para cobrir qualquer perda que o património vendido venha a registar.
Sim, porque só a parte “boa” (leia-se, menos má) do Balanço actual do BANIF é vendida - e, pelo módico preço de € 150 M (espera-se que seja pago a pronto). O restante ficará arrumado numa sociedade-veículo ainda a constituir - para que “longe da vista, longe da aflição”.
Isto, lido às avessas, revela:
(i) que o valor considerado realizável dos activos vendidos é inferior aos Depósitos (igualmente alienados) em cerca de 870 M;
(ii) que esse valor realizável é bem capaz de ser optimista (daí a garantia do Estado);
(iii) que do património destinado à sociedade-veículo pouco ou nada se espera apurar em fecho de contas, apesar de os accionistas e alguns outros credores perderem tudo.
Uma vez que o grosso do dinheiro com que o Estado entrou (em 2013) ainda por lá anda (entre capital e empréstimos, € 825 M), forçoso é concluir que, à data da recapitalização, o BANIF teria, não uma insuficiência de Capitais Próprios, não uma insuficiência de liquidez, mas, mais singelamente, uma situação líquida negativa não inferior a € 2.5 mM. Pondo em perspectiva: cerca de 39% do Total dos Depósitos à época (€ 6.3 mM) - ou apenas um pouco menos dos fundos captados junto do BCE (€ 2.9 mM).
Duas perguntas se impõem, desde já: Como foi possível, em 2013, acreditar que um Banco com este (mau) aspecto poderia, alguma vez, ser recuperado? Como foi possível que as coisas chegassem a esse ponto?
É claro que a situação do BANIF, no final de 2012, poderia não ser tão grave assim, e que o descalabro só teria ocorrido de então para cá. Mas, que diabo! tratava-se de um Banco que se sabia em crise, cujo processo de recuperação tinha sido totalmente financiado por dinheiros públicos - e, para mais, em que o Estado era o accionista maioritário (com 61% do capital). Não deveria ter havido uma vigilância um pouco mais atenta?
Ou haverá aqui algo mais?
Olhemos para o BES. Mais exactamente para o Novo Banco (NB). Desde logo, um ponto em comum: tal como no BES, o que determinou a impossibilidade absoluta de o BANIF continuar a operar foi o facto de o BCE ter-lhe vedado o acesso às facilidades de liquidez e exigido o imediato reembolso dos fundos que emprestara.
Em ambos os casos, conhece-se a decisão do BCE, conhecem-se de sobra as consequências dessa decisão, mas as razões que a fundamentam continuam fechadas a sete chaves. E sem conhecê-las nada disto faz sentido. Na CPI ao caso BES desperdiçou-se uma oportunidade única quando os deputados se esqueceram de exigir ao BdP e ao Governo que revelassem as razões que o BCE aduzira para decidir como decidiu. Passou-lhes, coitados.
O NB, presume-se, foi constituído com o que o património do BES teria de melhor - no entender do BdP, que conduziu a operação de cisão. Todos os activos que cheirassem a GES, mais outros activos igualmente “tóxicos” foram despejados no BES “mau”. E, no entanto…
Decorridos menos de 3 meses (logo em OUT2014) o NB chumbava no exame à qualidade dos activos que o BCE estava a levar a efeito. No fecho do exercício de 2014 era já evidente a insuficiência de Capitais Próprios, apesar dos € 4.9 mM com que o Fundo de Resolução o capitalizara. E, ao completar um ano de vida, crédito malparado e menos-valias colocavam-no à beira da crise.
Como é possível? Será que o BdP não soube avaliar o risco latente nos diversos elementos que compunham o Balanço do BES? Será que o BdP soube avaliar esse risco, mas fez vista grossa na esperança de que o tempo tudo viesse a curar? Será que os gestores nomeados para o NB não estavam à altura da missão, prova de que o BdP também não sabia distinguir o trigo do joio no capítulo da competência profissional?
Se o BdP não soube avaliar o risco - era óbvio que não estava à altura de supervisionar o sistema bancário. O mesmo se diga, se não soube seleccionar gente competente. E se jogou aos dados com o futuro, foi de uma imprudência indesculpável.
Pode muito bem ter acontecido que o BES não dispusesse de activos de qualidade suficiente que cobrissem o Total dos Depósitos (€ 33.4 mM). E uma vez mais a pergunta fatal: como foi possível permitir que as coisas chegassem ao ponto a que chegaram?
Mas, se chegaram, a solução não era fingir que os activos eram “bons” - e injectar os tais € 4.9 mM para equilibrar o Balanço. A solução tecnicamente escorreita era, sim, integrar no NB apenas os activos comprovadamente realizaveis e o Estado (através do Fundo de Garantia dos Depósitos) entregar em Títulos de Dívida Pública o que faltasse para cobrir a totalidade dos Depósitos (ressarcindo-se através do produto da liquidação do BES “mau”).
Uma pergunta fica a pairar: Tem a economia portuguesa condições que suportem, sem sobressaltos de maior, a recuperação de um Banco em crise?
Quando uma economia só tem para oferecer à intermediação bancária empresas excessivamente endividadas (graças a um regime fiscal que favorece o endividamento), um mercado de trabalho rígido que tende a perpetuar o desemprego, um sistema judicial disfuncional e um processo de insolvência aberrante - a resposta só pode ser: não, não tem!
Quando os Bancos não revelam, nem capacidade técnica, nem vontade, para oferecerem soluções de financiamento adaptadas ao comércio transfronteiriço - a resposta só pode ser: não, não tem!
Vitor Bento, há dias, lançou um grito de alerta: por este caminho, não irá restar nenhum Banco de raiz portuguesa! Não vejo que isso seja necessariamente mau - sempre que a supervisão for competentemente exercida (a regulação, essa, é assegurada, há muito, pelas instâncias comunitárias: EBA, ESMA, BCE).
O drama é que a fraca sofisticação da nossa vida financeira, conjugada com as actuais exigências prudenciais, só justifica, quando muito, duas redes de Banca universal de média dimensão - e, talvez, um ou outro Banco “boutique” (especializado nesta ou naquela Linha de Negócios e de reduzida dimensão). Tudo o resto estará a mais. É uma questão de tempo.
DEZEMBRO de 2015
PS1: Consta que o Fundo de Resolução irá entrar com € 489 M para capitalizar a sociedade-veículo. Como esta sociedade tem por objectivo único liquidar o património residual do BANIF, extinguindo-se em seguida, não se percebe porque necessitará de um capital acima do mínimo simbólico. Mais uma singularidade que o BdP nem sequer se dá ao cuidado de explicar.
PS2: M - Milhões; mM - Milhares de Milhões.