ENVELHECER
Envelhecer... corolário de estar vivo.
Por vezes há quem pergunte porque lhe dói agora as costas, o joelho ou a anca, se nunca lhe doeram antes...
Esquecem, contudo, que os óculos de leitura que têm no bolso, o cabelo branco ou já ausente, ou o controlo da impetuosidade juvenil também os não acompanham há tanto tempo assim.
O processo de envelhecimento cobra inexoravelmente essas contas.
Quantos dos que connosco privaram, nos fizeram rir ou coleccionar memórias, já hoje não estão por cá.
A muitos essa evolução natural não cobrou conta nenhuma.
Foi outra qualquer "secção de finanças" que os fez serem retirados de cena antes do Sol se pôr naturalmente.
Há porém, por vezes, uma conta cobrada pelo passar dos anos que pesa bem mais que o lumbago ou as cataratas: O Declínio Cognitivo.
Este, mesmo que só moderado, corresponde a uma fase da demência senil em que já se tornam bem evidentes algumas deficiências.
O indivíduo não pode recordar os detalhes de eventos recentes ou ainda em curso.
Tem mesmo dificuldade em lembrar de sua própria história pessoal.
A retirada social voluntária é comum, se o declínio ainda não é demasiado para impedir o próprio indivíduo de se sentir desconfortável nessas situações.
Criemos uma figura pública (FP) imaginária qualquer.
Atribuamos-lhe um passado rico em factos e vivências políticas e sociais. Registemos no seu CV cargos importantes como por exemplo ministro dos negócios estrangeiros, da descolonização, primeiro-ministro em três governos e Presidente da República com dois mandatos.
Imaginemos FP esquecendo detalhes da sua história pessoal, como por exemplo uma entrevista sobre descolonização ao Der Spiegel (Nº 34/1974).
Imaginemos FP esquecendo que a democracia parlamentar, por que supostamente sempre lutou, tem mecanismos próprios de controlo do executivo.
Imaginemos que, mesmo havendo quem tome FP por grão-mestre dos parlamentaristas, esta esqueceu a figura da Moção de Censura. (Iniciativa parlamentar, instrumento de controlo político do Governo à disposição da Assembleia da República, que pode ser sobre a execução do programa do Governo ou sobre qualquer outro assunto de relevante interesse nacional e cuja aprovação por maioria absoluta implica a demissão do Governo).
Imaginemos FP no ridículo de sair a terreiro para bradar despautérios invocando 88 anos de idade como parte da qualificação para os mesmos. Imaginemo-la continuando a dispor e usando tribunas que lhe são facultadas por gentes de inconfessáveis intenções.
Imaginemos que FP esquece coisas do passado recente, como por exemplo que já há seis anos apenas lhe ligavam 778781 portugueses (8,81% da população inscrita para as presidenciais) e, mesmo assim, segue insultando e ameaçando gratuitamente quem cumpre mandatos populares, com comparações com o passado de mais de meio século, que só a senilidade desculpa.
E esquecendo coisas como as suas participações na liderança do país, da descolonização exemplar ao FMI, das presidências opulentas e perdulárias (viajando por esse mundo fora com uma corte incomensurável) à aceitação de múltiplas reformas douradas, de privilégios hediondos, ou dos custos, sustentados por todos, duma vampiresca Fundação.
Imaginemos que FP vai continuando a tecer considerações sobre temas de política internacional mesmo depois de internacionalmente auto ridicularizado após, por despeito, ter insultado Nicole Fontaine, para quem perdeu a eleição quando foi candidato a presidente do Parlamento Europeu, chamando-a de «dona de casa» com sentido pejorativo.
E essa figura pública imaginária escreve num diário de grande tiragem que uns europeus (?) terão ficado muito alegres com aquilo a que chamou a "Primavera Árabe", que mais não é que a violenta instabilidade social e política vividas ultimamente nos países islâmicos, patenteando uma ridícula falta de discernimento em todo o arrazoado desse comentário.
O entendimento que tem das gentes e das culturas dos países do Magreb e do Médio Oriente só pode ser comparado ao da Companhia de Jesus na América quinhentista.
Venha lá mais um Paraguai para contento dos Jesuítas e só falta vê-lo defender o banir dos Keffiyeh e Hijab e passar tudo a andar de gravata e saia e casaco; já houve quem o fizesse antes com os índios da Amazónia...
A senilidade e a soberba juntas têm resultados imprevisíveis.
O Natal está a aproximar-se. Será que, de toda a pilantragem a quem deu a ganhar fortunas, não há quem lhe ofereça umas pantufas e uma mantinha?
Dezembro de 2012
António Sabbo
Algures na Arábia Saudita