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A bem da Nação

JABUTICABA

 

 

Para quem não conhece, jabuticaba é uma fruta brasileira, deliciosa. Quem quiser provar... venha ao Brasil!

 

O Brasil não é só o país do Carnaval, caipirinha, praias e mulheres lindas. Infelizmente, do futebol... por enquanto, já era.

 

Quase tão funesto quanto o horrendo vírus ébola, as câmaras legislativas, senado incluído, estão contaminadas, TODAS, por uma série de vírus perigosíssimos. Começa talvez pelo da corrupção, que faz sumir larguíssimos biliões das contas públicas para bolsos pessoais, mas seguido de perto por outro chamado de analfabetismo, estupidência, incompetência, ignorância, etc.

Até o actual des-governo tem dois ministros, oriundos dos sindicatos, que dominam o país, com currículos impressionantes: um deles era ferramenteiro numa metalúrgica e outro pintor de automóveis. Olha o nível!

 

Mas no senado federal (letras minúsculas) aparecem propostas de fazerem cair os dentes a quaisquer desdentados. Até a crocodilo! Basta lerem o texto abaixo, da conceituada escritora Ana Maria Machado, membro da prestigiosa Academia Brasileira de Letras.

 

Mas atenção: antes de começarem a ler, sentem-se. O choque pode ser fatal!

 

JABUTICABA NO SENADO

 

Não faz muito tempo, você comprou uma torradeira e em casa não conseguiu li­gá-la. A legislação agora exi­ge três pitocos nos plugues dos novos aparelhos, que não servem mais nos dois buracos da tomada de sempre. Foi preciso comprar um adaptador. Uma chatice, mas mais seguro. Progresso tecnológico.

 

É para o bem de todos, o governo sabe o que faz. Mesmo quan­do o novo padrão é tão original quanto jabuticaba, que só tem no Brasil. Não serve para qualquer aparelho importa­do que por acaso você tivesse. E tome adaptador. Você acabou chamando um electricista e trocando todas as to­madas da parede, ufa!

 

Pois aí vem nova surpresa. Você nem imagina o que o Senado anda debaten­do a sério, considerando a hipótese de mudar geral. Sem ao menos reparar no ridículo da esquisitice. Se for aprovado, vira lei. Só que, desta vez, não vai haver electricista que dê jeito. Discute-se uma reforma ortográfica brasileira.

 

Brasilei­ríssima, que nem jabuticaba. Ainda que sem as delícias da fruta.

 

"Mas não fizeram uma reforma ain­da outro dia? Para quê outra?" – talvez você pergunte. Vamos esclarecer. O que se fez há pouco tempo (aliás, num processo que ainda não se encerrou) foi um acordo ortográfico entre países de língua portuguesa. Não uma refor­ma. O objectivo foi que se escreva da mesma maneira o português falado em qualquer parte do mundo. Assim, passa-se a ter um padrão unificado em documentos internacionais que se queira redigir no idioma. E os leitores de todos os países lusófonos passam a se acostumar com a grafia única, que nos permitirá ler livros uns dos outros com menos estranheza (já bastam as do próprio vocabulário, por vezes tão diferente).

 

Precedido por outros acor­dos e protocolos em busca desse en­tendimento, o processo foi ampla­mente discutido durante 18 anos, em negociações entre filólogos e institui­ções responsáveis. Venceu impasses e divergências de todo tipo. Foi aprova­do pelo legislativo dos países interes­sados. Foi assinado e promulgado pe­los presidentes do Brasil e de Portugal em 2008, Entrou em vigor em Janeiro de 2009, com prazo de adaptação es­tendido no Brasil até Dezembro de 2012. Em Portugal, até 2016.

 

Sabe-se lá por quê (ou por quem), na semana antes de terminar nosso prazo oficial, entre o Natal e o Ano No­vo de 2012, a presidente Dilma resol­veu prorrogá-lo. Não chegou a fazer nenhuma diferença prática. No Brasil, como já estávamos fazendo, continua­mos todos usando a ortografia que se­gue o acordo — é como se escreve nes­te jornal e nos livros publicados no pa­ís e como se ensina nas escolas. Todo mundo entende. A experiência poderá, eventualmente, revelar a necessi­dade de pequenos ajustes. Mas não é disso que se trata agora.

 

A jabuticaba que está na Comissão de Educação, Cultura e Desporto do Se­nado é outra. É uma proposta de re­forma ortográfica, para que se passe a escrever como se fala, "para simplifi­car e aperfeiçoar a ortografia” de mo­do a facilitar a alfabetização. Sem le­tras que não se pronunciam e sem duplicidade de grafia para o mesmo som. A justificativa populista é ajudar as crianças, ensinando-as a escrever, por exemplo, "O omen xora porqe qer caza para abitar”(sic).

 

Nem vale discutir os detalhes dessa ideia estapafúrdia. Questiona-se é a premissa, em nome de uma pretensa inclusão social. Nada disso é necessário.

 

O linguista Marcos Bagno lembra que as línguas mais faladas e escritas internacionalmente (como o inglês e o francês) têm ortografias complicadas e nem por is­so deixaram de se difundir. Não precisaram de jabuticabas simplificadoras. Será que as crianças deles são mais capazes que as nossas?

 

O filólogo e académico Evanildo Bechara insta a CE do Senado a não levar adiante a proposta de "simplificação” um equívoco talvez baseado em ''amnésia ou ignorância”. A professora Marília Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Linguística, encaminhou aos senadores documento em que sublinha que o que dificulta o processo de alfabetização de crianças oriundas de segmentos sociais de pouca familiaridade e contacto com a língua escrita não é a ortografia. É a falta de uma experiên­cia letradora significativa anterior e pa­ralela ao processo escolar.

 

Há casos em que essa vivência falta também a muitos professores, lembro eu.

 

Sinal de melhora: gente vinda de um ambiente iletrado está chegando à alfabetização nas últimas décadas. Algo a se celebrar. Mas também sinal de alerta: a formação dos nossos pro­fessores precisa ser de melhor nível, capaz de incorporar alternativas pe­dagógicas mais eficientes, de corrigir eventual falta de intimidade com a cultura escrita e de compensar desi­gualdades de origem.

Precisa capacitá-los a alfabetizar.

 

Tomara que o Senado consiga perceber isso. Mais clareza nas prioridades, gente. O remédio é qualidade na educação. Não é jabuticaba.

 

 Ana Maria Machado

 

22.09.14

 

 Francisco Gomes de Amorim

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