O CONTROLO DA VELOCIDADE EM PORTUGAL
A ESTRATÉGIA OU A FALTA DELA
Tenho vindo a abordar a questão da velocidade, perspectivada por diferentes actores: condutores, investigadores e, ainda, por aqueles que teorizam sobre a visão zero, isto é, os que acreditam ser possível, um dia, podermos usufruir de transportes de tal forma seguros que evitem mortes ou feridos graves, em caso de acidente.
Dito isto, entendo que é chegada a hora de lançarmos um olhar para a realidade portuguesa.
Sabemos que a velocidade é uma das componentes fundamentais que determina a maior ou menor incidência na sinistralidade viária, no nosso país e, a gravidade e o grau de lesões das vítimas em caso de acidente.
Daí, a importância de controlar, de forma continuada, a velocidade a que se circula em todas as vias em que ocorrem a maioria dos sinistros com mortos e feridos graves. Se tal não acontece, não é por falta de estatísticas que nos dêem a conhecer os locais onde ocorrem os acidentes.
Além disso, Portugal possui um Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, aprovado no ano de 2003, que sistematiza a metodologia necessária para uma actuação consistente, com objectivos ambiciosos para a redução dos acidentes de viação mas a realidade, infelizmente, tem vindo a demonstrar que estamos a afastar-nos das metas nele preconizadas.
Para melhor compreensão desta problemática, recuemos ao ano de 2008, ano em que foi aprovada a Estratégia Nacional de Prevenção Rodoviária; paradoxalmente, o mesmo ano em que o Governo decidiu extinguir a Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, integrando os seus Destacamentos nos Comandos Territoriais, com as consequentes perdas de unidade de comando, uniformidade de doutrina e formação técnico-profissional.
As consequências decorrentes de tal decisão estão à vista de todos nós!
A notória falta de efectivos está a ter reflexos, quer na cobertura dos itinerários principais, quer na dinâmica de patrulhamento móvel, quando comparada com estratégia operacional que a extinta Brigada de Trânsito vinha adoptando e que consistia numa vigilância apertada às manobras e situações perigosas.
A manutenção da actual situação só pode ser entendida à luz da falta de coragem política para “emendar a mão”, reactivando a Brigada de Trânsito.
Uma Polícia de Estrada moderna terá, necessariamente, que ter dimensão nacional, ser flexível e possuir mobilidade de modo a poder ajustar o seu papel à dinâmica do tráfego rodoviário e ser acessível e transparente na forma como executa as suas missões e na maneira como se relaciona com os cidadãos.
Recentrando o tema da velocidade, parece-nos fundamental que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) assuma, em definitivo, as responsabilidades de coordenação das acções de prevenção rodoviária implementando, no que concerne ao controlo de velocidade, uma verdadeira estratégia a nível nacional que incremente a eficiência e a eficácia da fiscalização.
Ao mesmo tempo, a actuação das Forças de Segurança deverá ser reorientada para as vias com maior índice de sinistralidade e os radares reafectados às estradas onde, efectivamente, ocorrem os acidentes, isto é, nos troços classificados como zonas de acumulação de acidentes, também conhecidos por “pontos negros ” e não, como acontece na maior parte das vezes, em que os aparelhos são colocados em locais de eficácia preventiva duvidosa.
Um outro aspecto não menos importante, prende-se com a necessidade de uniformizar e publicitar o limite de tolerância com que actuam os radares, de modo a que, independentemente da zona geográfica em que se circule, o condutor saiba qual é a velocidade a partir da qual o radar o pode sancionar, independentemente
da pertença dos equipamentos (PSP ou GNR).
Dito de outra maneira, pretende-se que todos os radares operem, com a mesma margem de tolerância, de forma a evitar a possibilidade de que possa existir descriminação para o cidadão, dependendo do lugar onde comete a infracção e da Força de Segurança que o controla.
Por outro lado e tendo em conta que a Administração tem obrigação de estabelecer uma relação de lealdade e confiança com os administrados, neste caso os condutores, os radares devem ser posicionados de forma visível e não escondidos, como quase sempre acontece.
O controlo de velocidade deverá ser efectuado em períodos de curta duração e em múltiplos locais, ao longo da mesma estrada para fazer crer que se trata de uma realidade incontornável, especialmente em razão da perigosidade objectiva da infra-estrutura viária onde circulamos. Só prosseguindo uma política de transparência na gestão do controlo de velocidade, conseguiremos o objectivo final, isto é, sermos capazes de levar os condutores a respeitar os limites de velocidade.
Um outro aspecto muito importante tem a ver com a necessidade da ANSR assumir a coordenação efectiva da estratégia nacional de controlo de velocidade, chamar a si a publicitação das vias ou troços de estrada em que pretende intensificar esse controlo com radares móveis, iniciativa que a Polícia de Segurança Pública vem prosseguindo há vários anos mas à qual a Guarda Nacional Republicana ainda não aderiu, o que faz com que os condutores fiquem sujeitos a “dois pesos e duas medidas”.
Os critérios de colocação dos radares devem ser o resultado da análise dos locais onde ocorrem os acidentes graves com vítimas mortais ou feridos que necessitam de hospitalização, o numero de acidentes em geral e a velocidade média nesses troços.
Consequentemente, as entidades fiscalizadoras, salvaguardando a segurança dos agentes, devem posicionar os meios de forma a serem visíveis para os condutores fazendo que essa presença na estrada sirva como medida de dissuasão e prevenção.
A visibilidade nas acções de controlo de velocidade deverá constituir uma preocupação permanente a ter em conta, na perspectiva de que só, dessa forma, se consegue transmitir aos cidadãos o sentimento de segurança de que carecem e têm legitimidade para exigir.
A finalidade última desta estratégia, para além de levar os condutores a respeitar os limites de velocidade, em particular naqueles troços identificados como potencialmente perigosos, deverá decisivamente contribuir para que o princípio da transparência de actuação das Forças de Segurança se torne realidade.
Neste contexto e em termos de conclusão, importa ainda deixar aqui bem claro que a autuação nunca, em caso algum, deverá ser o objectivo final das Polícias, mas sim, a consequência dos erros cometidos deliberadamente pelos condutores, só assim, se poderá ajudar a dissipar a ideia de caça à multa, interiorizada por muitos daqueles que circulam, diariamente, nas estradas do nosso país.
1 - Ver estatísticas das Estradas de Portugal e da ANSR
2- “Ponto negro” - troço de estrada com cerca de 200m onde ocorrem, pelo menos, 5 acidentes com vítimas.
Amadeu Rodrigues
Coronel/GNR