Alberto Gonçalves, um herói dos novos tempos, na determinação dos seus princípios, na coragem com que os afirma, certamente que arrostando os insultos, tantas vezes obscenos dos tais “patriotas” dos novos tempos, aqueles para quem a designação “pátria” continua a limitar-se ao povo esmagado, à maneira sensível das personagens de Gorki, pelo menos as de que me lembro do livro “A Mãe”, lido nos tempos impressionáveis da juventude. Foi uma obra que até parece ter motivado os russos para a execução em bloco da realeza reinante, em função, é certo, de futuras ditaduras russas igualmente de grande rigor executivo, embora de pendor mais proletário, pelo menos enquanto se não consolidou a aristocratização dirigente, fruto das naturais ambições de contínua melhoria do status pessoal. Essas ideologias também por cá estão em pleno destaque, frisando uma ditadura do proletariado não só através dos chefes sindicais, como através das greves e das marchas reivindicativas que, aliás, os sindicatos e os partidos próprios impõem. E o país vai esmorecendo, com as exigências dos benefícios sociais constantes, como direitos próprios e sem estímulo ao trabalho, na inveja dos “ricos” – a suprimir - segundo Alberto Gonçalves, «os ricos que trabalham no sector privado, os ricos que auferem mil euros, os ricos que fumam, os ricos que bebem, os ricos com carro, os ricos com filhos, os ricos sem filhos, os ricos com conta bancária, os ricos que comem tostas, os ricos que pagam os feriados, os ricos que pagam IRC, os ricos que pagam os juros da dívida, os ricos que pagam um manicómio com a capacidade de atrair investimento do Butão, os ricos que vão pagar um isolamento orgulhoso e triste.» Faltou acrescentar os que usam gravata, que nos meus tempos de outrora distinguia, sobretudo, o “doutor”, e que os Varoufakis de hoje desdenham democraticamente, causando diminuição na venda do produto.
E a diatribe sobre o “castigo dos ricos” é uma pequena definição que mereceria ser recortada – como, aliás, todo o artigo – e reproduzida por toda a imprensa não manipulada por sectarismos obtusos e vilipendiosos da tolice nacional. Um artigo, para mim, “o máximo dos máximos”, para usar um recurso de superlativação ao modo salomónico do “Cântico dos Cânticos”. Por ser corajoso. Por ser suficientemente erudito, sintético e crítico. Por defender valores e sentimentos sem se deixar intimidar pelas opiniões contrárias, dos tais para quem a anarquia e a licença representam o nec plus ultra da modernidade e da virtude.
Lembro um filme que revi ontem, e que revejo sempre que a televisão o mostra, nos canais próprios. É com Roberto de Niro, no papel de um oficial do exército cego que se faz acompanhar por um jovem estudante num fim de semana em Nova York, antes de se suicidar. O jovem, sensível e bom, (Chris O’Donnell), tudo arrosta para o tornar feliz e o fazer perder a ideia do suicídio. O jovem frequenta uma instituição escolar que o catapultará para a Universidade se ele denunciar uns colegas prevaricadores. Durante o seu julgamento e o do filho do pai importante, como únicos que presenciaram o desacato dos colegas, contrariamente à pusilanimidade do “filho de papai”, o jovem Charlie (Chris O’Donnell) mantém-se firme no seu estatuto moral que o impede de denunciar os colegas, apesar da ameaça de expulsão. Mas Frank Slade (Al Pacino), entretanto aparecido na sala do julgamento, ergue-se em veemente defesa do seu jovem protegido, lembrando a extraordinária força moral por este revelada, contrariamente ao colega do “parecer que viu” indeciso, mas apesar de tudo denunciante. Um filme que, ao contrário da doutrina moderna que, na defesa da liberdade anti dogmática, relativiza todos os conceitos, pondo verdade e mentira no mesmo cesto, se atreve a defender o conceito moral como princípio fundamental da racionalidade humana.
Também Alberto Gonçalves se não acobarda perante os vendedores de banha da cobra, vendedores de pseudo-patriotismos, sempre aptos a erguer a férula contra a governação «à direita», perante a complacência dos que fingem acreditar que não é a pátria que eles atingem mesmo, nas tintas para essa. De toda a maneira, o risonho A. Costa promete mundos e fundos e isso é um dado que nos aquece a alma, ansiosos pela inversão do provérbio “São mais as vozes que as nozes”. Costa promete, sempre rindo, contente de si, as nozes em número superior às vozes. E nós gostamos.
Berta Brás
Os patriotas que vão acabar com a pátria
Um inglês célebre afirmou que o patriotismo é o último refúgio dos pulhas. Esqueceu-se de acrescentar que às vezes é o primeiro. Duzentos e tal anos depois, há aqui uma espécie de governo e uma espécie de maioria tão empenhados em arruinar-nos quanto em acusar de deslealdade os críticos da empreitada. É o velho método "gonçalvista" do "quem não está connosco está contra nós", naturalmente aliado ao velho método salazarista da aversão à malévola influência "estrangeira".
A ideia, hoje e ontem, é a de que as alucinações do PS e da extrema-esquerda, desculpem a redundância, passariam incólumes na "Europa" se não fosse a acção subversiva e o espalhafato da cáfila de "vende-pátrias" (termo curiosamente utilizado há meses pelo Avante!). Aliás, um conselheiro de Sua Ex.ª, o Senhor Primeiro-Ministro, esticou há dias a corda e a cabecinha para chamar precisamente isso aos "vendidos" que discordam desta vergonha: traidores, quase de certeza ao serviço da Alemanha.
Não admira que os jagunços do dr. Costa se prestem a tal papel. Admirável é haver jornalistas dispostos ao mesmo. No i, uma senhora com carteira profissional, Ana Sá Lopes, deixou fluir a imaginação e até lembrou a "quinta coluna" nazi, os míticos infiltrados de Berlim que, supostamente, derrotariam a partir do interior a Inglaterra na II Guerra. Nas televisões, vêem-se diversas glosas à tese por parte de comentadores isentos, liderados por Pacheco Pereira em matéria de isenção. Em alvoroço, garantem-nos que somos controlados por entidades não eleitas. E nem sequer se acalmam se lhes dermos razão e os recordarmos do 4 de Outubro.
Tudo isto a propósito do Orçamento do Estado e das respectivas exigências da Comissão Europeia. A troika, se quiserem chamar-lhe assim, reclama no fundo que gastemos de acordo com o que produzimos, ou só um pouco acima. O governo e a extrema-esquerda, se quiserem distingui-los, insiste na existência de uma alternativa à "austeridade". Por acaso, como qualquer chefe de família perceberá, existem várias: o empréstimo a longo prazo, o roubo a curto prazo, o suicídio ou uma mistura dos três antecedida de ruidosa fanfarronice, género agarrem-me ou eles espancam-me.
Na semana anterior, o berreiro preparou o caminho. O horror suscitado em Bruxelas pelo rascunho de OE elaborado por rascunhos de economistas provocou, cá dentro, uma divertida pândega. Para consumo interno, o PS atacava a "direita" e o BE e o PCP avisavam o PS de que não tolerariam desvios à linha justa. Para consumo externo, sujeitos anónimos ameaçaram a "Europa" com referendos, "bombas atómicas" e outras armas cujo impacto era proporcional à brutal irrelevância dos guerrilheiros. Os que, por fé ou infantilidade irreversível, acreditaram nas bravatas depararam-se com uma autêntica demonstração de patriotismo: maluquinhos convencidos de que Portugal é tão maravilhoso que a União não vive sem ele. Após engraçadas correcções e vexames (de que o elogio da sra. Merkel a Passos Coelho nas barbas do dr. Costa constituiu a punch line), a CE lá tolerou o OE e os maluquinhos correram a proclamar o fim da "austeridade" e a agitar euforicamente o consentimento dos senhores da Europa, de súbito promovidos de tiranos do capital a avaliadores consagrados.
A realidade? O recurso a um arremedo da estratégia do inspirador Syriza, com os espectáveis resultados do Syriza. Através do Hélder Ferreira, que escreve no Diário Económico e que Pacheco Pereira apresentou na Quadratura do Círculo como exemplo das vozes que ultrapassam os limites (tradução: insultou os patriotas, pelo que é outro insanável traidor), soube que a negociação grega foi considerada a mais desastrada de 2015 pela Harvard Law School. Não é para menos: começa-se por falar grosso com aqueles de que se depende e termina-se a aceitar tudo e um par de botas de modo a não se ser escorraçado. Pelo meio, avança-se com esmero rumo à miséria.
Na prática, a "vitória" diplomática do dr. Costa traduz-se no castigo dos ricos, os ricos que trabalham no sector privado, os ricos que auferem mil euros, os ricos que fumam, os ricos que bebem, os ricos com carro, os ricos com filhos, os ricos sem filhos, os ricos com conta bancária, os ricos que comem tostas, os ricos que pagam os feriados, os ricos que pagam IRC, os ricos que pagam os juros da dívida, os ricos que pagam um manicómio com a capacidade de atrair investimento do Butão, os ricos que vão pagar um isolamento orgulhoso e triste.
O PS apenas ganhou na medida em que aguentou no poder a criatura que manda naquilo. O PCP ganhou porque satisfez as clientelas da função pública. E o BE ganhou porque continuou a desgastar o PS. Evidentemente, perdemos todos: com os seus inúmeros defeitos, receios e desvios, a "austeridade" de PSD-CDS tinha um fim; o "tempo novo" do governo e da extrema-esquerda (peço perdão pelo pleonasmo) é o próprio fim, mas não o da "austeridade". Os patriotas de agora são os que, em prol da sobrevivência imediata, afundam deliberadamente o país de acordo com delírios pessoais. O último a fazê-lo acabou na cadeia. O candidato actual à proeza anda à solta, para desgraça dos traidores, que são muitos. Somos.
Quando era criança, costumava brincar aos médicos, às donas de casa, às lojas, com as amigas da vizinhança e colegas da escola que nesse tempo íamos chamar às casas de cada uma, numa liberdade de espaço que dificilmente hoje é concedida às crianças, não só por receio do mundo, mas também porque a interacção se faz por via telefónica ou através do skype. Eram brincadeiras de ficção, que metiam bonecas, uma balança feita pelo meu pai, arroz de areia, bacalhau das folhas das árvores. É certo que recordo também outras brincadeiras mais reais, que incluíam bolas ou as andas que o meu pai talhara com o podão, dos galhos das árvores do passeio, nas épocas da poda, que os trabalhadores da Câmara deixavam algum tempo espalhados em torno das árvores, andas que o meu pai construiria mais tarde com pregos e madeira aplainada, com as quais percorríamos os nossos espaços, como o fazem, em maior amplitude hoje, os rapazinhos nos seus skates. Mas o tempo das mercearias foi talvez anterior, brincadeiras de ficção em que as contas não tinham que bater certo, limitadas ao “quanto custa?” E ao “custa tanto” dos nossos cálculos espontâneos.
Lembrou-me esse passado de brincadeira e de cálculos arbitrários o artigo de Alberto Gonçalves «Uma experiência chamada Portugal», de tal modo este consegue sintetizar – com a indignação que o caso merece – o que se passou com o rascunho do OE enviado à Comissão Europeia, e a resposta desta, ao descrevê-la como «horrorizada com tamanho caldo de inépcia, trafulhice, alucinação e certificada desgraça», tendo devolvido «o papel acompanhado de uma carta que se esforça por manter a polidez protocolar embora não esconda certa falta de paciência para as artimanhas de burgessos.»
Mas não foi por brincadeira, foi mesmo a sério, que o OE foi esboçado, por um governo engasgado, e que vai tentar refazer os cálculos furados, pressionado pelo compromisso perante a Europa, entalado pelos compromissos com a esquerda da sua aliança irresponsável, esquerda astuciosa que não quis ser governo, pois no cais é que está bem, chefe da estação encarregado apenas do apito, bem refastelado no cais, enquanto o maquinista tenta orientar a locomotiva para não haver descarrilamento ao longo do percurso.
Alberto Gonçalves descreve magistralmente o caso. Só nos resta a indignação.
E entretanto, a Europa – e nós, por arrastamento servil e vil – vai rebaixando-se abjectamente ao Islão, tapando as suas estátuas por respeito à “pudicícia (!?)” islamita. Parece, de facto, ficção. Bem haja Alberto Gonçalves que o desmascara brilhantemente.
Berta Brás
Uma experiência chamada Portugal
Alberto Gonçalves
DN, 31/1/16
Se bem percebi, o alegado governo que nos caiu em cima enviou à Comissão Europeia um rascunho do Orçamento do Estado, o qual, segundo quem sabe do assunto, ganharia em ter sido produzido por dois cangurus munidos de uma "folha" de Excel. A CE, horrorizada com tamanho caldo de inépcia, trafulhice, alucinação e certificada desgraça, devolveu o papel acompanhado de uma carta que se esforça por manter a polidez protocolar embora não esconda certa falta de paciência para as artimanhas de burgessos.
O dr. Costa e os serviçais do governo reagiram através da desvalorização da carta, até porque, garantiam eles, as objecções da CE prendem-se com ligeirezas técnicas e, por favor não se engasguem, "não têm relevância política".Em simultâneo, um teórico do "costismo" (o equivalente em sofisticação ao atendedor de chamadas do professor Bambo) acusou a CE de "tentar tramar o governo português". A acreditar nos socialistas, o Conselho Económico e Social, o Conselho das Finanças Públicas, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, quatro agências de rating, a UEFA e um vizinho meu também aderiram à conspiração.
No que toca aos partidos comunistas que de facto mandam no circo, e que nem com a queda do muro aproveitaram para fugir do hospício, instigam o dr. Costa a enfrentar a "Europa dos interesses" com, engasguem-se à vontade, firmeza. Catarina Martins avisa que a CE "está a assaltar-nos", mas na verdade o arranjinho que a dra. Catarina integra é que o fez em Outubro - e agora julgasse ser igualmente fácil assaltar os contribuintes alemães. Para distinguir o PCP do Bloco, o sr. Jerónimo repete a lengalenga do Bloco.
De seguida, o dr. Costa, cuja fluência na própria língua de facto levanta interrogações acerca da comunicação com estrangeiros, voltou à carga com redobrado delírio, mais a consideração de que as previsões do governo são "conservadoras e realistas" e a denúncia de que Passos Coelho - o "senhor primeiro-ministro", nas palavras do alegado - enganou Bruxelas.
Entretanto, há infelizes que com as melhores intenções vão à televisão comentar a "situação" como se a "situação" merecesse comentários. É, evidentemente, uma trabalheira inglória: nada que saia das infantis cabeças que nos governam (força de expressão) exibe um pingo de racionalidade e pode ser levado a sério. Séria só a desgraça em que concorrem para nos deixar, de que eles escaparão com típica impunidade. E que nós pagaremos com típica resignação e, desconfio, sofrimento inédito. Portugal é hoje uma experiência, à escala real, para averiguar quanto tempo um país resiste nas mãos de transtornados. Eis uma previsão conservadora e realista: pouco.
Sexta-feira, 29 de Janeiro
Vestidos de preconceitos
Sinceramente percebo que o primeiro-ministro italiano, além de esconder o vinho, tenha encaixotado as deusas e os guerreiros despidos dos Museus Capitolinos para a visita do presidente iraniano. Afinal, quando se convive com patrocinadores do terrorismo internacional (ou da resistência ao "sionismo", para não cairmos no "racismo" e na "xenofobia") é aconselhável que alguém, nem que sejam as estátuas, se cubra de vergonha.
Além disso, a cautela foi menos religiosa do que patrimonial. Em várias cidades europeias, os acontecimentos da passagem de ano provaram que certas culturas (dizer quais é "racismo" e "xenofobia") reagem com natural efervescência à nudez alheia. Algumas pessoas (atenção ao "racismo" e à "xenofobia") tomam uma orelha destapada como um convite a bacanais de consentimento unilateral. Imagine-se a excitação do sr. Hassan Rouhani na presença de criaturas, ainda que de mármore, em pelota integral. E é melhor não imaginar os danos que o homem infligiria à arte clássica se, para cúmulo, tivesse bebido. No fim de contas, a sensatez impôs-se, as esculturas salvaram-se, a honra dos castos manteve-se e tudo acabou bem.
Excepto o que promete acabar mal. É que as sábias mesuras de Roma infelizmente ainda não contaminam todas as autoridades do continente. Há dias, o preconceito levou à detenção na Eurodisney de um inocente com duas armas e um exemplar do Corão. Na sua pequenina escala, o episódio traduz o recorrente desrespeito pelas tradições do Outro, incluindo a matança de transeuntes.
Numa dimensão superior de intolerância - "nazi", importa acrescentar de imediato - temos a Finlândia e a Suécia, que gostariam de deportar milhares de imigrantes (caso os apanhassem). Temos a Alemanha, que começa a ceder à incapacidade dos eleitores em verem os refugiados como a massa dócil que enfeita interlúdios na SIC Notícias e na TVI24. E temos a habitualmente desumana Dinamarca (lembrar os cartoons de Maomé), que para desanimar novos refugiados pondera confiscar parte dos bens aos actuais.
A propósito de tal ultraje, o nosso PS, atento, chamou o embaixador dinamarquês ao Parlamento com carácter de urgência. Decerto vai exigir-lhe a abertura total das fronteiras, a participação em 16 vigílias ecuménicas e uma confissão de amor imoderado ao lendário islão moderado. Na próxima semana, o PS convocará o representante local da Disney e reivindicará que vista um par de calças ao Pato Donald. Nem toda a Europa enlouqueceu. O "racismo" e a "xenofobia" não podem vencer, excepto o "racismo" e a "xenofobia" deles: como na história dos nus, é questão de cortesia. Brindemos, sem álcool, à harmonia universal.
O tempo passa a correr, Janeiro acabou, um artigo de Alberto Gonçalves me escapou, que reponho antes do desta semana, tão prazeroso é para mim guardar estes pequenos frescos sobre o nosso mundo torcido, como ferro de carruagem após descarrilamento.
Que é de descarrilamento que se trata, em despenhadeiro de ravina, diria mesmo de fiord, caso os houvesse por cá, e caso não sentisse quanto devem ser ainda mais arrasadores e sem esperança os momentos que se vivem lá pelas bandas do Médio Oriente e tantos outros sítios dum mundo descontrolado, que exigem solidária contenção no nosso lamuriar. Apesar de tudo, o ridículo é algo de humilhante e o saber desmascará-lo algo de profundamente didáctico, caso fôssemos sensíveis a ensinamentos de inteligência e bom senso. Não é assim por cá. Mas os textos aí estão, vivos e acutilantes, como bichas de rabear, comentário este puramente figurativo, que nada significa mas com que apetece agradecer ao autor dos textos, que nos fazem, hélas! prever uma continuação visceral nesta colossal carreira do asnático e da vaidade de um “finis patriae” da nossa constância fatalista.
Berta Brás
O braço esquerdo da barbárie
Alberto Gonçalves
DN, Janeiro 19, 2016
A fim de justificar o voto em Marisa Matias, a jornalista do Público Alexandra Lucas Coelho começa por louvar o empenho da eurodeputada nas "relações com Síria, Líbano, Egipto e Jordânia", nos "direitos dos refugiados" e no combate à "violência contra os territórios palestinianos ocupados". De seguida, destaca a "coragem pessoal" necessária para se ser candidata à Presidência da República "num país machista como Portugal". Nem por um instante Alexandra Lucas Coelho repara no ligeiro absurdo que é resistir ao "machismo" caseiro e deixar-se fascinar por culturas em que o mero "machismo" seria um alívio para as mulheres. Por isso é que o feminismo anda pelas ruas da amargura.
Em compensação, na passagem de ano foi outra coisa a andar pelas ruas de diversas cidades europeias. As primeiras notícias falavam em bandos de indivíduos que assaltaram, agrediram e violaram as senhoras que lhes apareceram pela frente. As segundas notícias, escassas e tímidas, notavam que os indivíduos eram, na quase totalidade, de origem árabe e, nalguns casos, asilados recentes. As terceiras notícias transmitiam os conselhos da presidente da câmara de Colónia, onde os agressores chegaram a mil e as agredidas a cento e tal: ou as fêmeas guardam um "braço de distância" de possíveis atrevidotes ou não se venham queixar. As últimas notícias davam conta da posição (sem trocadilhos) de diversos movimentos feministas, os quais naturalmente tomaram o partido dos violadores sob o pretexto de que estes, na medida em que pertencem a uma "minoria", já são discriminados o suficiente.
O estatuto minoritário desses infelizes é apenas questão de tempo e demografia. Quanto à discriminação, não percebi. Por sorte, uma feminista alemã explicou: as pessoas centram-se nos (insignificantes) delitos cometidos por muçulmanos porque são racistas e esquecem-se que os ocidentais também abusam das mulheres. Na minha ignorância, desconhecia que hordas de cristãos, ateus e animistas alemães costumavam violar dezenas de concidadãs por recreação. E que recusar a selvajaria à solta em certas sociedades é "racismo". E que ocultar crimes é a melhor forma de alcançar a harmonia.
De qualquer maneira, o importante é que o feminismo militante se apressou a organizar manifestações. Contra tarados? Era o que faltava: contra a "islamofobia", o grande perigo desta história. Pelos vistos, é possível que alguns europeus não apreciem o estupro das respectivas esposas e desatem a adoptar atitudes fascistóides. Ou no mínimo a suspeitar que quem embrulha a cônjuge em farrapos tende a interpretar mal a liberdade da cônjuge alheia. Há biltres capazes de tudo. E tudo depende de nós.
Por mim, logo que termine de admirar a "coragem pessoal" da dona Marisa, que se arrisca a sofrer piropos e horrores similares às mãos (salvo seja) do marialva lusitano, tenciono sair por aí a berrar apelos à concórdia universal e ao extermínio do homem branco, razão de todas as tragédias. E a mulher branca não pense que escapa: daqui a apedrejarmos as galdérias que atraem e transtornam as vítimas da "islamofobia" é um passo. Ou um braço.
O BOM
Sound and vision
Na morte de David Bowie, que venerei na adolescência e quase esqueci após um concerto fracote em 1990, os obituários repetiram o mito da "inovação". De facto, o mérito dele consistiu em farejar "tendências" e transformá-las em matéria digerível pelas massas. Pelo meio, houve poses, talento e a esporádica jóia. Hunky Dory, de 1971, é uma abençoada colecção de canções, e uma rara ocasião em que o "conceito" não afoga a substância. Nada mau, embora não tão bom como dizem.
O MAU
O desrespeitinho
Ricardo Costa, irmão de um PM sem votos nem vergonha, pergunta na televisão ao candidato presidencial Vitorino Silva: "O que é que você está aqui a fazer?" Resposta: "Estou aqui porque a SIC me convidou." Não tenho simpatia por "Tino" de Rans ou ilusões sobre os "homens simples", mas pior que a boçalidade óbvia de uns é a soberba infundada de outros. Ricardo Costa podia ter dedicado a arrogância a pelo menos mais seis ou sete candidatos. Não o fez, e essa cautela é o retrato de um País triste.
O VILÃO
Um estadista
Com a classe e a subtileza que o celebrizaram, o dr. Costa acusa a "direita" de estar "raivosa" porque "o Governo não só existe como também funciona". Então não? Após entregar a educação ao ministro Mário Nogueira e os transportes ao ministro Arménio Carlos, atirar para o contribuinte novo desastre da banca, demolir qualquer hipótese próxima de investimento estrangeiro e encaminhar o País rumo ao Terceiro Mundo, o Governo funciona. Sucede apenas que, como a cabeça do dr. Costa, não funciona bem.
Os pupilos do senhor reitor
Alberto Gonçalves
DN, Janeiro 26, 2016
Não me interessa saber se Sampaio da Nóvoa se licenciou em teatro, ou rendas de bilros. A julgar pelas suas intervenções públicas, a única coisa que estudou na vida foram as cantigas concorrentes ao Festival RTP nos anos 70, sobretudo as letras de Ary dos Santos. À época, uma pessoa ouvia aquilo e perguntava: de que diabos estão para ali a falar? Ninguém respondia. O mesmo desconforto é suscitado no século XXI pela retórica do candidato presidencial, a qual partilha o tom presunçoso, saloio, desconchavado e em última instância infantil de versos como "Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia" ou "Meu irmão, minha amêndoa, meu amigo".
Não há apenas o anatómico "Tudo no meu corpo é Minho, todo o meu corpo é Norte". Há também a vinícola imagem do "saca-rolhas" que "puxa" por um "país sem amarras", decerto ajudado pelos "cavalos-potência do conhecimento". Há o presidente "que tem na cabeça o mapa do futuro" e é "das palavras e das causas" e, talvez a horas impróprias, "quer acordar Portugal". E há as verdades indesmentíveis da "democracia que se faz na democracia" e do "cada pessoa aqui presente será um de nós". E o apelo desesperado a não sei o quê que devemos agarrar "com as mãos inteiras e com o coração inteiro". E há a misteriosa aversão a certo tipo de recipientes, já que o prof. da Nóvoa detesta "caixas de pensamento", "caixinhas de formalismos" e "caixas clássicas" (?). Nesta linha, exige que se pense "fora da caixa" e agradece "contributos fora da caixa". Literalmente, o homem não dá uma para a caixa.
Donde a necessidade de nos perguntarmos que espécie de gente, entre a população adulta, é capaz de levar a sério semelhante colectânea de pateguices. Agora a resposta existe, e é fácil: gente igualzinha ao prof. da Nóvoa. No site oficial da candidatura, diversas "personalidades" que presumo célebres (não conheço 95%) explicam o que as leva a apoiar tão patusca figura. Dúzia e meia de exemplos chegam e sobram para se perceber com quem estamos a lidar.
Um cavalheiro apoia-o "pela sua humanidade". Outro porque "é um presidente de futuro". Outro ainda porque ele "faz a diferença que [sic] Portugal necessita para se reencontrar". E não esqueçamos os que votam no prof. da Nóvoa "pela sua leveza", por "incorporar a irreverência do artista, que usa as palavras como matéria-prima essencial", "pela forma como fala da liberdade e do sonho", por ser "um homem ousado que nos trás [sic] alegria e esperança", por ser urgente "ver a cultura tratada como merece", por possuir "uma ampla mundividência", porque "com ele o futuro tem futuro", porque resiste ao "austeristarismo" [sic], porque nos resgatará do "pântano anímico", porque "dá lugar a amplos horizontes", porque é "um amante de livros e bibliotecas", porque é "uma luz", porque regenera a "nação, apoucada e traída por arteiros e serviçais de uma Europa plutocrata", porque é contra "as políticas fascizantes", porque "é Abril na presidência", etc. A terminar, o meu depoimento preferido, o da jovem que quer, "como quer a juventude, perder a vergonha em deixar brilhar os olhos. Os olhos querem brilhar, o coração quer bater", eira de milho, luar de Agosto, quem faz um filho fá-lo por gosto, lá lá lá.
Se, catastroficamente, viesse a realizar-se, o tempo Nóvoa, perdão, novo seria isto. E isto é um manicómio a céu aberto.
O BOM
Espectacular O sonho de sociólogo de Augusto Santos Silva é assistir a um espectáculo de Tony Carreira. Há coincidências espantosas: o meu é assistir a um espectáculo de Augusto Santos Silva. Principalmente aqueles realizados no ministério dos Negócios Estrangeiros e que incluem, logo a abrir, a compra de um faqueiro por 100 mil euros ou de um serviço Vista Alegre por 43 mil. Por azar, são restritos a convidados. E a segurança à entrada é severa com quem, como eu, não possui consciência social.
O MAU
Um fantasma
Durante anos, referi-me por diversas vezes a Assunção Cristas como a "ministra da UDP". Notório exagero: a senhora é apenas uma socialista comum, do género que castiga com multas os "excessos" dos mercados. Numa entrevista, aliás, a dra. Assunção confessa partilhar com a esquerda o valor da liberdade, prova cabal de que não sabe o que isso é. Não espanta a sua chegada à liderança do CDS. Espanta que, num País assombrado pela ideia da "direita", a direita nem sequer exista.
O VILÃO
Manter o nível
O Podemos espanhol distingue-se pelos dreadlocks de um deputado e o rabo-de-cavalo do líder. O rabo-de-cavalo veio apoiar a candidata do Podemos português. E disse que Marisa Matias é "uma pessoa normal". Dez segundos depois disse que ela tem "algo mágico": "nós, pessoas normais, caminhamos – a Marisa avança". Ou seja, não disse coisa com coisa. Logo, integrou-se perfeitamente na campanha das "presidenciais", uma coisa indigna de eleições para o condomínio.
O primeiro sobre os “pândegos” da candidatura à presidência da República e os motivos por que, apesar das suas farsas de alinhamento à esquerda, com o deprimente abandono do seu partido, sob o pretexto irrisório da assumpção de um cargo presidencial abrangente na questão das empatias, pairando, pois, acima de quaisquer partidarismos – (na minha interpretação desconfiada, um posicionamento significativo, antes, de indiferença, desdém, vaidade pessoal, traição a valores antes admitidos, ou pura matreirice eleitoralista) – apesar pois de todos esses dados e outros que envolvem um temperamento popularucho ao modo do nosso D. Pedro I, que não se limitou a amar a linda Inês e a matar os seus assassinos, pois também dançou nas ruas, Marcelo Rebelo de Sousa ainda parece superiorizar-se – pelo menos na capacidade expressiva e na rapidez de raciocínio a que nos habituou – aos demais “pândegos” da expressão de Alberto Gonçalves, o que faz que seja o que menos nos envergonhará como representante máximo, face aos desconchavos ou aberrações a que tal campanha nos tem sujeitado, pobre pátria ao que chegou.
Trata o segundo texto das relações de dependência do partido no poder face aos que aparentemente o apoiam, pau mandado de todos, até mesmo dos comentadores de futebol. O futuro a Deus pertence, não sei se a nós também.
Mas é, sobretudo, a referência ao Charlie Hebdo, aquando do massacre pelos jihadistas há um ano e ao apoio de todos os que então vibraram no repúdio a esse e na fraternidade bem gritada no conceito da defesa da liberdade de expressão, em identificação com os seus defensores mortos, que trata o terceiro texto de Alberto Gonçalves, no esvaziamento, um ano após, dessa empatia, em que por toda a parte se alinhou, até mesmo por cá, num “Je suis Charlie” de puro arrebatamento mediático e inconsequente. Mas a liberdade de expressão, ao ferir a religiosidade de uma seita sem religião nenhuma, como essa do Estado Islâmico, que só espera pretextos para usar da sua própria liberdade de manifestação, em cenas de crueldade e ameaça constante ao mundo, por toda a parte se infiltrando e alastrando, em vingança selvática e sinistramente encoberta, revela-se, afinal, um chamariz de adeptos, mais do que os defensores de Charlie Hebdo.
E até mesmo os muitos desenhos e escritos da revista Charlie Hebdo, festejando-a e apoiando-a, no aniversário do massacre, no seu “Numéro Spécial”, parecem tristes amostras de uma impotência ocidental, como ocos chavões defensores de uma liberdade que é apenas chamariz do caos.
Berta Brás
Qualquer coisa que não seja de esquerda
Alberto Gonçalves
DN, 17/1/16
"Diz qualquer coisa de esquerda" é qualquer coisa que a esquerda gosta muito de dizer. A frase é retirada de Abril, filme do italiano Nanni Moretti, cuja personagem assiste a um debate televisivo entre Berlusconi e o socialista Massimo d"Alema. A prece destina-se naturalmente a D"Alema e naturalmente não adianta de nada. Moretti enerva-se. Não precisava de se enervar: se viesse para Portugal teria imensa dificuldade em descobrir frases que não fossem do seu agrado (por isso é que nós somos o que somos e a Itália é uma potência mundial).
Exemplos são inúmeros, mas para não fugirmos da "actualidade" basta lembrar que, por cá, temos a suprema originalidade de uma campanha presidencial em que nove dos dez aspirantes são de esquerda e o restante finge que também não anda longe. Desde a peregrinação à Festa do Avante! que Marcelo Rebelo de Sousa tomou por garantidos os votos da direita (com e sem aspas) e, entre a bajulação da espécie de governo em funções e a vergonha das próprias origens políticas, partiu à conquista dos outros. Antes de se consagrar como o presidente de todos os portugueses, o prof. Marcelo quis tornar-se o candidato de quase todos. Pelo meio, deixou desamparados os eleitores menos entusiasmados com a golpada do dr. Costa e mais convencidos, inicialmente, de que o ex-comentador da TVI devolveria num instante o país à normalidade democrática.
A ilusão do povo "reaccionário", digamos uns 40% dos cidadãos, era infundada e durou pouco. Quanto às ambições do prof. Marcelo, que a certa altura pareceram tremidas, sobreviveram e talvez se prolonguem por um ou dois mandatos em Belém. Porquê? Por duas razões.
A primeira é o carácter exótico das criaturas que o desafiam. Por muito que o regime já se arraste com dificuldade, ainda não estão criadas as condições de completo desconchavo suficientes para se imaginar Maria de Belém, o reitor Nóvoa ou algum dos demais pândegos no lugar de chefe de Estado. É claro que à esquerda haverá sempre gente disposta a votar na primeira curiosidade antropológica que o partido ou a desdita lhes ponham à frente. Com sorte, porém, essa gente não chegará a metade da população.
A segunda razão prende-se com a opinião pública e publicada. Quando se percebeu que as vénias do prof. Marcelo à esquerda não o resguardariam dos ataques desta, boa parte da direita (com e sem aspas) decidiu subjugar a desconfiança em favor do empenho. Isto é, cada insulto dos adversários recorda às pessoas que pior do que um presidente provisoriamente resignado ao dr. Costa seria um presidente que lhe venerasse a incompetência pela eternidade afora.
Não sei a quantidade de potenciais abstencionistas assim arregimentados. Sei que, por mim, nunca me ocorreu nenhuma vantagem na vitória do prof. Marcelo até ponderar os perigos da sua derrota. E que mesmo que ele não diga nada de "direita", tudo é preferível a ouvirmos a única coisa de esquerda que nos falta: apertem os cintos, senhores passageiros, que dentro de momentos aterraremos em Caracas. Ou o Portugal do futuro, nas palavras do reitor Nóvoa.
Quinta-feira, 14 de Janeiro
Pressão baixa
É um disparate achar-se que o governo só atende a ordens do PCP. E do Bloco de Esquerda. E dos sindicatos. E de economistas gregos. E de visionários bolivarianos. E de astrólogos devidamente habilitados. Ao que tudo indica, o governo também obedece a comentadores de futebol.
Veja-se o caso do popular Eduardo Barroso, o qual tem o poder de anular decisões do ministro da Saúde. Este havia feito determinados convites para a direcção de um hospital lisboeta. Por razões decerto imperiosas, as escolhas não agradaram ao dr. Barroso, pelo que, segundo os jornais, o ministro naturalmente voltou atrás e optou por nomes simpáticos ao fervoroso adepto do Sporting.
Daqui em diante, é de admitir que algumas decisões governamentais aguardem pelo aval de Rui Santos, daquele sujeito forte que gosta do Benfica e de dizer "Ó Sousa Martins!" e do rapaz do Porto que canta numa banda de tributo aos Pearl Jam. Desde que, escusado acrescentar, todos possuam competências técnicas reconhecidas, como uma relação de parentesco com Mário Soares ou assim.
A palavra final a Ana Catarina Mendes, senhora vista com assiduidade nas imediações de António Costa: "O PS mostrou em apenas um mês que é possível governar de forma diferente." Se alguém conseguir desmentir tamanha evidência merece um lugar no Conselho de Ministros ou no Trio d"Ataque.
Sexta-feira, 15 de Janeiro
Checkpoint Charlie
Dos milhões que se diziam "Charlie" há um ano sobram uns poucos distraídos, quaseninguém. Sobretudo após o semanário publicar, há dias, um cartoon que transforma a criança síria afogada numa praia turca num muçulmano adulto que persegue mulheres na Alemanha. Mau gosto? Possivelmente. Mas nunca devia ter sido o "gosto", mau ou bom, a motivar a defesa da revista, aliás fraquinha. O que em Janeiro de 2015 estava em causa era o direito a dizermos o que quiséssemos, que tarados quiseram abolir e que o Ocidente pareceu defender. Pareceu. Afinal, o que se exibiu em vigílias e nas ditas "redes sociais" não passou de sentimentalismo contagioso. Afinal, as inúmeras profissões de fé na liberdade de expressão esvaíram-se no exacto momento em que a expressão excedeu os limites que impomos à liberdade. Afinal, embora não partilhemos os meios, partilhamos os princípios dos assassinos. Os fins não prometem.
Nunca um escrito foi tão directo na crítica, tão objectivo nos dados que fornece, que vão da referência à falcatrua de todo o processo eleitoral, como a casos pontuais de ignorância linguística portuguesa, com erros de palmatória, no novo elenco governativo, que inclui António Costa, e a Ministra da Educação, além de outros exemplares que o Facebook denuncia, de arrepiar os cabelos - mas convenho que nos tempos que passam por nós, há muito tempo que os pruridos ortográficos ou fónicos deixam de fazer sentido no país – em suma sintetizadas as figuras “políticas” do elenco governativo na frase insultuosa ditada pela indignação, mas certamente que credível nas suas afirmações, porque escritas por pessoa intelectualmente e moralmente idónea, não tenho dúvidas em o afirmar, pelos princípios que sempre tem defendido de uma ética escrupulosa e de formulação arguta: «Não vou ao ponto de dizer que a nova ordem é a consagração dos clientes da taberna: é a consagração dos indivíduos que, expulsos da taberna, desataram a frequentar caves maçónicas compatíveis com o seu nível. Privados de uma reles ideia, a não ser a da impunidade "natural", exibem petulância directamente proporcional à rudeza que os define. Por cá, a espécie é igualmente apelidada de "elite". E ninguém se ri, até porque dá vontade de chorar.»
Um país de mentirinha, dirigido por novos “guardadores de rebanhos”, deitados na sua realidade comezinha de «pensamentos que são todos sensações”, e que pensam «com as mãos e os pés» e outras partes do corpo, muito anti metafísicos, porque a sua realidade, que embora só por brincadeira tenha a ver com a de Alberto Caeiro, excluída a intelectualidade deste, parece deslizar também numa de sensacionismo ambicioso e doentiamente falso ou fútil.
Berta Brás
A nova ordem nacional
Alberto Gonçalves
DN, 29/11/15
Recapitulemos. A 4 de Outubro, a vitória da coligação de "direita" e da "austeridade" provou que o povo é masoquista e retardado. Horas depois, ou o tempo necessário para contar os deputados, apurou-se que afinal a maioria do povo derrotou a "austeridade" nas urnas e concluiu-se, com alívio, que o povo masoquista e retardado é minoritário. O exercício, então, consistiu em parodiar na internet e na nobre arte do comentário político a falta de competência aritmética da "direita", já que 122 lugares na AR são mais do que 107 - "Qual é a parte que não percebem?", repetia-se por aí. Dada a suprema importância dos parlamentares, exigia-se que o PR indigitasse a aliança de esquerda sem ouvir nenhum. Enquanto isso, insultava-se "o Cavaco", que por sua vez indigitou Passos Coelho. Derrubado Passos Coelho, reclamou-se a nomeação imediata do Dr. Costa, ameaçou-se com baderna pública e decidiu-se que "o Cavaco", entretanto ocupado a receber meio mundo, não respeita a Constituição e o eleitorado, embora o homem agisse de acordo com a primeira e tivesse sido eleito em duas ocasiões pelo segundo (a parcela masoquista e retardada). Tudo, da sagrada "lei fundamental" à plebe, existe apenas para ser torcido a benefício da vanguarda esclarecida.
Hoje, com a cedência do PR à piedosa mentira da "inevitabilidade" do governo PS, enterrou-se (entre insultos) "o Cavaco" e passou-se a biografar os membros da coisa como se os ditos fossem para levar a sério. Não são. Desde logo, são, sem excepção ou dúvida, cúmplices de uma golpadazita - inteiramente "conchcinal", dirá o Dr. Costa -, o que por si define o respectivo carácter. À lupa, são no máximo antigos serviçais da autarquia, zombies "socráticos", favores, flores, emissários de interesses, em suma ninguém. Dissecar o currículo formal de cada um, mesmo agrupando os diversos agregados familiares que por lá andam, tem utilidade reduzida e não será grande contributo para prever o futuro e a essência do novo tempo, do novo homem, enfim da nova ordem emergente. A nova ordem está nos pormenores, e nem se esgota no rancho que tomou posse há dias.
Está, por exemplo, num primeiro-ministro que troca o jargão político por um jargão pessoal vagamente aparentado ao português (se ler conforme fala, o "brilhante negociador" ainda irá a meio do clássico Anita Vai ao Circo). A nova ordem está num ministro das Finanças que parece saído dos flashbacks de Family Guy e entrado no circo a que a Anita foi. Está num candidato presidencial oficioso que promete "puxar por Portugal" e, juro pela minha saudinha, ser "um saca-rolhas". Está no ex-governante suspeito de múltiplos crimes que palmilha o território nacional em missão evangélica. Está numa ex-ministra da Cultura, e vibrante entusiasta da "situação", que avisa no Twitter: "Há [sic] direita prefere-se que não se emitam opiniões." Apesar disso, é "há" esquerda que as opiniões incomodam mais.
A nova ordem está na fresquíssima secretária de Estado da Igualdade ou da Fraternidade, que em tempos explicou no Facebook: "Como sabem eu [sic] não tenho por hábito fazer sensura [sic], mas não tulero [sic] insultos (...)". E está no sensor, perdão, censor que saltitou da ERC para a tropa, com escala pedagógica a norte. E está na sugestão do Sr. Seixas da Costa, personalidade conhecida por zelar pela educação parisiense do Eng. Sócrates e por se indignar com a falta de "estrelas" Michelin em Portugal: "A ideia não será popular, mas não seria a ocasião para se introduzir uma transparência total nas redes sociais acabando com o anonimato?" E está no assombroso Dr. Ferro. E no nobilíssimo Dr. César dos Açores. E em sujeitos que passeiam títulos e pêlos nas orelhas em simultâneo. Quem é essa gente, Deus do céu?
Não vou ao ponto de dizer que a nova ordem é a consagração dos clientes da taberna: é a consagração dos indivíduos que, expulsos da taberna, desataram a frequentar caves maçónicas compatíveis com o seu nível. Privados de uma reles ideia, a não ser a da impunidade "natural", exibem petulância directamente proporcional à rudeza que os define. Por cá, a espécie é igualmente apelidada de "elite". E ninguém se ri, até porque dá vontade de chorar.
Ao que tudo indica, a "direita" ficou sinceramente escandalizada com a jovialidade com que o PS traiu os próprios "princípios", aliou-se às beatas de Lenine e, após 40 anos de ténue civilização, enxovalhou a data fundadora do regime. Ou a "direita" perde a virgindade ou não volta a levantar-se. O único "princípio" do PS é a convicção profunda e feroz de que nasceu para mandar nisto, custe o que custar. E, se custa muito resignarmo-nos à arrogância de rústicos, a eles custa pouco partilhar o poder com quem partilha a descrença na democracia e a crença na superioridade inata. Só espanta que o arranjinho demorasse tanto. A nova ordem, feita de brutalidade, retórica de 4.ª classe (sem exame), intolerância, comparsas, falências, delírios, respeitinho e a terminal anexação do país pelo Estado, é um projecto velho.
Jeremy Bernard Corbyn (n. 26 de Maio de 1949, Chippenham de Wiltshire) é um político britânico e líder do Partido Trabalhista desde 12 de Setembro 2015, deputado pelo círculo de Islington North desde 1983.
Destacou-se no movimento anti-guerra. Jeremy Corbyn, mais próximo dos movimentos contra a austeridade, grego Syriza e espanhol Podemos do que do reformista Tony Blair, conseguiu consolidar o seu estatuto junto dos jovens e velhos militantes e sindicatos. Ele ganhou a liderança do Partido Trabalhista à primeira volta com 59 % dos votos.
Um auto-proclamado socialista democrático, Corbyn defende a renacionalização de serviços públicos e estradas, re-abertura das minas de carvão, combate a evasão fiscal como alternativa a austeridade, abolição da cobrança de mensalidades nas faculdades e restauração das bolsas de estudo, uma política unilateral de desarmamento nuclear e cancelamento do programa de armas Trident, uso do quantitative easing ("flexibilização quantitativa") para financiar a infraestrutura e projetos de energia renovável, além da reversão de corte de gastos no setor público e no sistema de assistência social aos mais pobres, em vigor desde o início do governo de David Cameron.
Corbyn vive em Londres com sua terceira esposa, Laura Álvarez, uma mexicana e importadora de café. Já foi casado outras duas vezes.
É sobre este Corbyn, entre outras referências das citações de Alberto Gonçalves a um percurso aparentemente dinamizador trazido pelo 25 de Abril à nossa cultura lusa, ao que parece soterrada nas trevas mediévicas que sempre dominaram a nossa formação intelectual, desde os tempos inquisitoriais até aos tempos que Salazar protagonizou, é, pois, sobre o chefe trabalhista britânico defensor de causas poderosas que o texto anterior cita, que Alberto Gonçalves se debruça, por via das relações amistosas do Dr. Costa com o líder britânico, cheio, ao que parece, de intenções humanitárias, em defesa dos atacantes de Charlie, entre outros casos. A propósito deste feito, transcrevo um passo do artigo «DAESH, A EUROPA E… TODOS OS OUTROS» de Francisco Gomes de Amorim (in “A Bem da Nação”), revelador da eterna instabilidade das relações humanas, herdada, sem dúvida, do “varium et mutabile sempre femina”, de Virgílio, que não conhecia ainda bem os sofismas da política de todos os tempos e das rapaziadas democráticas dos tempos de agora, preferindo atribuir tal inconstância apenas à mulher, sempre vítima do credo machista. Escreveu, pois, Gomes de Amorim: «Os franceses eram todos “Charlie”, muito amigos dos muçulmanos, depois já não eram tanto, agora estão afogados com ondas de refugiados, entre os quais, um deles, participou deste último massacre!
Depois, juntam-se, cantam “La Marseillaise” ... « Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons! Marchons, marchons…»
Realmente, lembro-me do Charlie Hebdo, com toda a gente - e daqui também, que sempre gostamos de participar nas coisas da exaltação televisiva - sentindo-se ofendida pelo ataque jihadista à liberdade de opinião que os do Charlie simbolizavam, e logo a seguir revelando uma cooperação de teor religioso com esses tais, continuando a cantar a Marselhesa mas abrindo o sentimento ao lenço e à burka, com todos os seus direitos fraternalmente acolhidos, ninguém mais se identificando com os Charlies mortos uns meses antes pelos tais da burca e do cutelo.
António Costa, na esteira do seu amigo trabalhista também não será Charlie, amistoso em relação a uma inversão de leis para novas ditaduras.
Como homem esclarecido, Alberto Gonçalves entende que estas questões pontuais sobre os seus próprios ditames deviam ser postas ao Dr. Costa por um jornalismo corajoso e mentalmente são, mas parece que não há cá disso. A omissão por desconhecimento, a submissão por aviltamento predominam. No jornalismo também.
Quanto à questão do piropo sujeito a pena, originou mais um texto engraçado de Alberto Gonçalves, que nos faz sentir a inépcia de leis preconceituosas de cariz devoto e tacanho, como é essa que foi votada, ao que parece, no anterior Governo. Numa época de liberdade e de liberalização dos costumes, não parecem sensatas tais leis contra a criatividade do despudor, como essa do armazém e da montra, quando o despudor é coisa tão insanamente generalizada, sem criatividade e apenas com libertinagem.
Berta Brás
O Dr. Costa também tem amigos
Durante o Verão Quente de 1975, não havia dia em que não pousassem na Portela um ou dois "intelectuais". O termo usava-se para exaltar os maoistas, estalinistas, trotskistas e marxistas em geral que, de Sartre a Böll, de Touraine a Krivine, desciam ao Rossio e aos Aliados a fim de decifrar o futuro do comunismo internacional. Em parte, era um exercício antropológico; em parte, um esforço evangélico. Tudo somado, tratava-se da estranha atracção que os malucos sentem pelo manicómio. E o engraçado é que, neste final de 2015, o manicómio volta a seduzir "personalidades" do género. É a troca do turismo do pé-descalço pelo da cabeça oca.
Em Outubro, nos alvores do "acordo" de esquerda, andou por aí o senhor Varoufakis, o homem do casaco de cabedal, do brunch na varanda e da irreversível recuperação grega. Agora que o "acordo" chegou ao poder, é altamente plausível que a peregrinação de chalupas tenda a aumentar. Parece estar já assegurada uma pequena digressão do novo (no sentido em que foi resgatado do Paleolítico Superior) líder trabalhista britânico, que segundo os jornais "fez amizade com António Costa em Bruxelas" e virá apoiar o "programa anti-austeridade do PS". Não vou duvidar da afinidade de ambos os grandes estadistas pela economia da mezinha e do bruxedo. Limito-me a notar que, para lá de evidente competência técnica (a criatura defende um "salário máximo" e nacionalizações em abundância - coincidência das coincidências, o senhor Varoufakis é um dos seus conselheiros), Jeremy Corbyn possui outras virtudes que talvez o aproximem do Dr. Costa.
Desde logo, o senhor Corbyn é o género de visionário que, nas questões de "género", pondera a imposição de transportes colectivos com separação de sexos de modo a reduzir violações e abusos em geral. Em matérias menos (?) folclóricas, é admirador de Hugo Chávez e do regime venezuelano, incluindo, presume-se, os presos políticos, os assassínios de opositores e a miséria subjacentes. Em simultâneo, defende a saída do Reino Unido da NATO, responsabiliza a Inglaterra e os EUA pelos actos do Estado Islâmico e, pormenor irrelevante, apela a relações de amizade com movimentos humanitários como o Hezbollah e o Hamas. Neste particular domínio ecuménico, é partidário de boicotes a Israel, colaborou em tempos com "negacionistas" do Holocausto e exibe com frequência o exacto tipo de anti-semitismo, perdão, anti-sionismo que deixa dois terços dos judeus britânicos apreensivos quanto ao futuro.
É típico que os secretários-gerais do PS tenham amigos interessantes.Teria certo interesse que, à semelhança do que fazem com o Eng. Sócrates, os jornalistas questionassem o Dr. Costa sobre o seu compincha estrangeiro. Até que ponto o Dr. Costa partilha das impecáveis convicções do senhor Corbyn? Infelizmente, não imagino muitos entrevistadores fazerem-lhe perguntas assim. É verdade que, dada a sua eloquência verbal, não estaria garantido que alguém compreendesse as respostas. É igualmente verdade que, a julgar pelos amigos que recentemente arranjou em Portugal, o amor do Dr. Costa pela democracia e pela liberdade não careça de grandes esclarecimentos. Mas esses já não seriam problemas do jornalismo. A omissão é. E a submissão também.
Quarta-feira, 30 de Dezembro
Pena agravada
É absurdo pensar-se que só quer abolir o piropo quem nunca ouviu nenhum. Os deputados que votaram nesse sentido estão habituadíssimos a levar com galanteios diversos, desde o célebre "Vai mas é trabalhar" ao popularíssimo "O que tu queres é tacho". Não é desses piropos que falamos? Se calhar, não. Mas convinha esclarecer as massas.
E esclarecer a sério. A nova redacção da lei, aliás aprovada sem votos contra em Agosto e divulgada há dias pelo DN, avisa que "Quem importunar outra pessoa, (...) formulando propostas de teor sexual (...) é punido com prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias" (a coisa sobe para três anos nos casos de menores). Já numa dimensão técnica, Carlos Abreu Amorim informa que "não se criminalizou o piropo", o qual, para o deputado do PSD, é um comentário como "és tão bonita".
Em que ficamos? Sinceramente, não sei. O Parlamento acredita mesmo que os assalariados da construção civil - para recorrer a uma figura mítica - interpelam transeuntes aos gritos de "És tão bonita" ou de "A sua cútis, prendada donzela, é digna de um Vermeer ou dois"? O Parlamento acredita mesmo que os recorrentes "Comia-te toda" ou "Com uma montra dessas imagino o armazém" são propostas sexuais de facto? O Parlamento acredita mesmo que os cidadãos o financiam a fim de regulamentar palermices?
Se sim, conforme parece, estamos feitos. E confirmamos a tese de que mais urgente do que diminuir o número de deputados é aumentar a respectiva idade mental. Estas crianças crescidas dão pena. E, de agora em diante, pena agravada, se lhes mandarmos os piropos que merecem.
Charlie Hebdo e as farsas da sensibilite social, Syriza e as farsas dos pretensiosismos individuais, Sócrates e os seus amigalhaços da rede, o “abcesso” Tap, a irrupção de Sampaio da Nóvoa no tablado das banalidades protegidas, a bacoquice de uma comunicação que faz de Jorge Jesus tema de discussão nacional, as manifestações em favor da Grécia, outra bacoquice alvarmente perpetrada por quem se prepara para furar as malhas do bom senso e da ética no capítulo da auto eleição governativa, e essa farsa e esse governo, e a firmeza de um corajoso ataque de alguém que troça e que sofre, reconhecendo a inutilidade das suas farpas neste país pequenino.
Berta Brás
O balanço em síntese de Alberto Gonçalves:
O ano de todos os perigos (e mais alguns)
Alberto Gonçalves
DN, 24/12/15
Janeiro
Em Paris, terroristas islâmicos matam meia redacção do jornal satírico Charlie Hebdo. Os europeus reagem à altura: espalham dísticos pelo Facebook a jurar "Je Suis Charlie" e, em simultâneo, empenham-se em evitar e até a condenar o exacto tipo de "blasfémias" que suscitaram a matança. Só não é a homenagem mais disparatada possível porque, numa espécie de concurso de malucos, também há - há sempre - aqueles que culpam o capitalismo e a "exclusão social".
Fevereiro
A palavra do momento é "Syriza", o partido grego que desafia a austeridade decretada pela Alemanha enquanto roga, por todos os santinhos, que a Alemanha continue a emprestar-lhe dinheiro. Por cá, correm duas teorias. Uma, subscrita por autoconsagrados intelectuais e pelo Dr. Costa, é a de que o Syriza inaugura uma Europa insubmissa e solidária. A outra é a de que, de catástrofe em catástrofe, a Grécia servirá de "vacina" para arroubos extremistas. Chega a espantar que Portugal não exporte videntes, mas em poucos meses se perceberá a razão.
Março
Quem tem amigos não morre na cadeia? Talvez não, mas arrisca-se a viver lá uns tempos. José Sócrates, o preso político mais célebre e imaginário do país, não se livrou de uma temporada em Évora. E tem excelentes amigos, dos que emprestam fortunas, cedem apartamentos de luxo, arranjam empregos de categoria, compram a "tese" aos milhares, amigos enfim como eu nunca tive. Mas também não tive de suportar visitas sucessivas do Dr. Soares, um relativo consolo.
Abril
Enquanto o país se entretém a descobrir eventuais candidatos à presidência, o extraordinário talento de António Costa e o "movimento", algo estático, Não TAP Os Olhos, aproveito a única virtude da "companhia de bandeira" e fujo da pátria amada durante três semanas. Saudades? Aquelas que se têm de um abcesso: embora maçador e escusado, é nosso.
Maio
Sampaio da Nóvoa explica a função do Presidente da República: é o que "abre o futuro quando caminha ao lado das pessoas". Já a função do Prof. Nóvoa é colar palavrinhas umas às outras e produzir o tipo de frases "inspiradoras" que ficam impecáveis nas redacções de crianças de todas as idades. Depois da reitoria, deve haver algum lugar adequado ao homem. Segundo as sondagens, Belém não é um deles.
Junho
Um treinador de futebol troca de clube e o país confunde isso com um assunto. De súbito, toda a gente (não é força de expressão) desata a analisar com detalhe laboratorial as acções, o pensamento, as palavras e os silêncios do Sr. Jorge Jesus. Visto de fora (isto é que é força de expressão), é um espectáculo peculiar. E impossível de acompanhar até ao fim, quer por não haver fim aparente quer por não haver tradução para português do que diz o homem e do que dizem os seus estudiosos.
Julho
Através de referendo, a Grécia volta a dizer "não" à ditadura do capital. No dia seguinte, volta a dizer "sim" a cheques ao portador ou transferências em numerário. Em Portugal, multiplicam-se as manifestações de solidariedade para com a valentia helénica. Escritores partilham o prémio (mas não o respectivo dinheiro) com os gregos. Deputados levantam cartazes (mas não depositam verbas) pelos gregos. "Personalidades" organizam conferências (mas não peditórios) em favor dos gregos. Imperturbável, a realidade avança.
Agosto
Arranca, oficiosamente, a campanha eleitoral ou, no caso do PS, uma sucessão de rábulas cómicas. A tendência nas sondagens leva os media a notar, com espanto, que os socialistas ainda podem vir a perder as "legislativas". Eu também noto espantadíssimo que, com um ex-líder na cadeia e um líder que parece foragido da creche, além da fabulosa bancarrota "socrática", o PS ainda era tido por muitos "analistas" como o vencedor "natural". Subjugar a análise ao desejo causa transtornos assim.
Setembro
Perante a vaga crescente de refugiados do Médio Oriente e arredores, apurou-se com perspicácia que, embora sendo em grande maioria muçulmanos em fuga dos excessos (?) do islão, a solução ideal consiste em culpar a "resposta" europeia, acolhê-los a todos e observar rigoroso respeito pela exacta cultura que transformou as respectivas vidas num inferno. Nos intervalos de tanta lucidez, há vigílias e noticiário sentimental.
Outubro
A "direita" ganha as eleições, facto que confirma de vez a idiotia do povo. Felizmente, em poucas horas percebe-se a iminência de uma golpadazinha a cargo da alegada maioria parlamentar, pelo que o povo volta a ser soberano, lindo e avisado. Passada a surpresa inicial, a "direita" acredita na sensatez dos deputados do PS, exercício semelhante a acreditar na costela feminista do ayatollah Khomeini.
Novembro
Cavaco convoca dois terços da sociedade ao Palácio de Belém. O Dr. Costa conspira com os partidos comunistas a fim de derrubar muros. E a esquerda, que chama coisas irreproduzíveis à "direita", acusa esta de mau perder e má-criação. Nos tempos livres, os comentadores que começaram por achar o arranjinho perigoso e que depois passaram a achá-lo impossível, agora explicam que tudo é normal e democrático. No fim do mês, o Dr. Costa é "primeiro-ministro" (os venezuelófilos ficam dispensados das aspas).
Dezembro
Portugal entra no Terceiro Mundo com galhardia. O Dr. Costa decide afugentar qualquer sombra de investimento estrangeiro ao jurar anular à força o negócio da TAP. De seguida irrompe o "caso" Banif e acabamos o ano a suspeitar que temos um governo do PCP representado por relíquias do PS e suportado pelo PSD, com o BE a providenciar bombos e exotismo. Em 2016 não haverá quem nos apanhe. Até porque todos correm na direcção oposta.
Dois estudos que, divergindo, se complementam: o primeiro, de Vasco Pulido Valente, revelador do que há muito se sabe a respeito da nossa penúria intelectual e de princípios éticos, justificativa da eterna atrofia em que nos remexemos, sempre manipulados por circunstâncias e seus aproveitadores na condução dos destinos pátrios, pondo e dispondo de acordo com a doutrinação ou os interesses próprios das diferentes chefias. Mas se Vasco Pulido Valente o historia, desde os circunstancialismos que ditaram a mudança do regime absoluto em regime pretensamente liberal, e que resultaram na indignidade de uma irresponsabilidade contínua, o artigo de Alberto Gonçalves mais uma vez põe o dedo na ferida revelando um tal guia de acolhimento segregativo dos refugiados feito pela DGS – julgo que por ordem de comandos alheios – que apontam bem a abjecção e a indignidade de uma Europa a ser manipulada por um Islão de repugnantes leis rácicas, que pretendemos aplicar a esses, no respeito solidário pelos seus fundamentalismos que, todavia, reprovamos. O guia alternativo do sociólogo, de evidente exagero, é, todavia, uma lufada de ar fresco na hipocrisia do mundo – o oriental como o ocidental. Quanto à questão da TAP e os desígnios de António Costa e seus parceiros, é demasiado perigosa para este mísero país, para que possamos rir das graças de Alberto Gonçalves. Mas admiramos-lhe, como sempre, a coragem e a eficácia do seu humor.
Berta Brás
A educação de um povo
Vasco Pulido Valente Público, 12/12/2015
O primeiro regime supostamente “representativo” que houve em Portugal não foi o resultado de nenhum movimento interno. Foi resultado da guerra contra os franceses, do exílio de D. João VI no Rio e da perda do monopólio colonial. Um pronunciamento militar, o “24 de Agosto”, conseguiu impor aos portugueses uma Constituição “radical” e a burocracia, a Igreja e o exército escolheram os deputados, depois de um simulacro de eleições. Nem a “classe média”, nem evidentemente o povo que vivia da terra participaram no exercício. Entre tentativas de rebelião armada, as Cortes Soberanas duraram pouco tempo (um ano e uns meses) e não trouxeram a ninguém qualquer educação para a liberdade e o respeito da lei. Portugal voltou ao antigo regime até à morte de D. João em 1825.
Em 1826 começou uma guerra civil que durou até D. Miguel desembarcar em Belém, vindo de Viena. A seguir a uma insurreição armada da gente de 1820, o Infante impôs com dureza as regras da Monarquia tradicional. E, em 1832, o “liberal” D. Pedro apareceu perto do Porto com uma expedição, paga pela Inglaterra e a França, e começou uma guerra que só acabou em 1834 com a derrota do “miguelismo”. A situação que saiu desta “vitória”, perante a indiferença do país, não passou de “uma balbúrdia sanguinolenta”, em que os regimes se sucederam até a uma nova guerra civil, a da “Patuleia”.
(para saber mais sobre a Guerra da Patuleia, ver p.ex. em https://pt.wikipedia.org/wiki/Patuleia)
Em 1851, surgiu por miséria e cansaço um arranjo chamado “Regeneração”, que domesticou o exército e os políticos, pedindo dinheiro no estrangeiro em grandes quantidades. Anos relativamente felizes, com que a crise financeira de 1892-1893 definitivamente acabou.
Ao fim de 70 anos de “liberdade legal”, como se dizia, os portugueses não sabiam ainda o que eram os seus direitos, nem os seus deveres, e o poder permanecia ilegítimo e arbitrário. A dívida custou a Portugal a relativa tolerância da “Regeneração”, a interferência inconstitucional do Rei na política partidária, 15 anos do corpo a corpo geral da República e a ditadura de Salazar e de Caetano. Um preço alto. Pior ainda, entrou na III República sem a mais vaga noção da espécie de cidadania que um Estado democrático implicava e requeria. Uma coisa dessas, para se aprender, precisa de uma longa tradição histórica, que por acaso ou por desgraça a nossa história não nos deu. Em 2015 não devemos esperar muito do futuro, porque nós próprios somos responsáveis pelo nosso destino e a nossa responsabilidade, talvez não por nossa exclusiva culpa, não é muita.
Como receber refugiados: um guia alternativo
AlbertoGonçalves DN, 20/12/15
A Direcção-Geral de Saúde (DGS) concebeu um guia de acolhimento das (aparentemente poucas) dúzias de refugiados que aceitaram mudar-se para cá. Com as melhores intenções, 112 páginas e a colaboração de "nutricionistas, dietistas, médicos, veterinários, psicólogos e especialistas em relações internacionais", o guia diz-se "inovador a nível nacional". Não admira, dado que é também uma das mais violentas manifestações de racismo, xenofobia e segregação que um Estado dito democrático é capaz de produzir.
Dominado por "imperativos de ordem cultural e religiosa", o curioso documento limita-se a reproduzir um pedacinho do fundamentalismo que afugentou os refugiados para a Europa, quer estes tenham ou não tenham consciência disso. Exemplos? Vamos a eles: nas consultas médicas, as mulheres só devem ser atendidas por mulheres. Os alimentos devem estar circunscritos à lei islâmica, leia-se nada de porco e derivados, álcool, sangue. O abate dos animais deve obedecer aos métodos considerados halal. O jejum do Ramadão deve ser equilibrado por uma dieta adequada (o guia inclui receitas e tudo). Etc. E isto versa apenas matéria clínica. Espera-se a qualquer momento que diversos organismos públicos publiquem códigos de vestuário, organização familiar, boas maneiras, hábitos sexuais e o que calhar, sempre com mil cautelas - ou as cautelas necessárias para impedir que os nossos convidados se possam ofender connosco. O guia da DGS, convém notar, destina-se aos indígenas.
Ouvi por aí que semelhante toleima é consequência natural do "multiculturalismo". É uma razão parcial. Sendo verdade que constitui um refúgio (sem trocadilho) de idiotas, é igualmente verdade que o problema do "multiculturalismo" passa pelo modo muito "unicultural" como é entendido: a regra obriga inevitavelmente à compreensão do "outro", mas nunca se lembra de obrigar o "outro" a compreender-nos a nós. Por vários motivos, era útil que o fizesse.
Aliás, já cumprimos a primeira parte do compromisso durante séculos. Portugal e o Ocidente em geral lembram-se perfeitamente do que é proteger por lei o tratamento discriminatório das mulheres. E perseguir criminalmente homossexuais. E legitimar a escravatura. E punir a ciência que questione a "realidade". E executar apóstatas no meio da praça. E, em suma, colocar a religião no centro da existência enquanto se castigavam os ínfimos vestígios de dissidência ou distracção. Experimentámos as actividades referidas e, salvo pelos raros tradicionalistas que terminam a falar sozinhos ou na cadeia, não gostámos particularmente delas e decidimos trocá-las por hobbies menos, digamos, radicais.
Sucede que a vasta maioria dos muçulmanos não beneficiou de oportunidade idêntica. Ao contrário do que acontece connosco, a "cultura" que a DGS exige que respeitemos é a única que eles conhecem. Em nome da hospitalidade, da abertura, da tolerância e de palavras assim lindas, importa ajudá-los a conhecer o resto. Julgo que foi o escritor francês Michel Houellebecq quem sugeriu o bombardeamento das nações islâmicas com minissaias, contraceptivos e pornografia. É um princípio, e cabe-nos garantir que não seja o fim.
Desde logo, a circunstância actual dos refugiados facilita imenso o processo: os muçulmanos encontram-se à mão de semear. Semeemos pois entre esses infelizes o exacto tipo de "licenciosidade" que tanto eriça o Prof. Freitas do Amaral. Há que iniciá-los no prazer da blasfémia, nas virtudes do deboche, nos meandros da pouca-vergonha, no gozo da excentricidade, nos apelos do vício e afinal no pleno exercício da liberdade terrena, que para a celestial não faltará tempo. Se coubesse um pingo de humanidade nas cabecinhas da administração pública, o guia de acolhimento recomendaria médicos de acordo com a especialidade e não com o género, piropos em vez de pudor, pândega em vez de Ramadão, risco em vez de medo, arte em vez de cartilha, Nabokov em vez de castigos, mundo em vez de gueto, século XXI em vez do XI, factos em vez de superstições, cabidela em vez de tofu. É dever de todos os portugueses e ocidentais responsáveis mostrar aos refugiados o que andam a perder. Até porque a alternativa é perdermos nós.
Sexta-feira, 18 de Dezembro
Pelos ares
António Costa, que a Providência colocou ao nosso serviço, garantiu que o Estado tomará posse da TAP a bem ou a mal. Será, naturalmente, a mal, o que além de permitir que possamos voltar a optar por viajar pelo triplo do preço para um vigésimo dos destinos disponíveis, terá o divertido bónus das indemnizações. É que os actuais proprietários, gente decerto mesquinha, não devem encarar o assalto - chamemos-lhe reivindicação patriótica - com bonomia, pelo que talvez recorram aos tribunais por pirraça. E a menos que o Dr. Costa a pague do seu bolso, ou do bolso dos companheiros de luta que o ampararam até ao poder, a despesa recairá sobre o fatal contribuinte. Por sorte, e a dádiva de 60 cêntimos na sobretaxa, não nos custará muito amealhar uns milhões adicionais para reaver a "companhia de bandeira" (sic) e, cito de novo, as caravelas do século XXI. De resto, precisaremos destas para rumar à Venezuela, o inevitável destino de um país entregue a alucinados e que, de futuro, o mundo civilizado tratará com nojo.
Achei o texto de Alberto Gonçalves deste último Domingo de tal modo violento que resolvi pôr-me a ler os comentários com que foi mimoseado. De facto, a imundície comentarista e alarve é triste coisa de ver, embora alguns o apoiem, sem, contudo, o corroborarem, receosos de enveredarem no trilho das afirmações altivas e perigosas, com que corajosamente aquele aponta os desmandos de um governo manipulado por uma esquerda cujo estar no seu mundo português se pauta pelas ressabiadas frases acompanhadas pela entoação em falsete do camarada Cunhal – caso do deputado João Oliveira: ao ouvi-lo, julgo-me embalada como nos anos setenta, pelo disparar aflautado da sua lição decorada, que toda ela apita, fluida e rápida, como a do velho chefe.
Alberto Gonçalves é, naturalmente, uma cabeça pensante que conhece os cordelinhos por que se movem as personagens deste nosso tablado de falcatrua e ódio, que não esmoreceu ainda, pois as greves aí estão, na mesma, prejudiciais e infames – ao país e suponho que aos que as fazem, a menos que o partido indemnize os seus grevistas. Transcrevo da Internet dois dados recentes comprovativos:
«Operadores do porto de Lisboa chamam “irracional” à greve dos estivadores, que se pode prolongar no tempo»
«13/11/2015, Ao mesmo tempo que o sindicato de estivadores admite fazer "greves contínuas", os operadores afirmam que ainda estão a recuperar de paralisações grandes em 2012 e 2013.
«Maior armador do mundo abandona porto de Lisboa devido à greve.»
«15 Dez 2015 Dinamarqueses da Maersk, seguiram Hapag-Lloyd, e fugiram da greve dos estivadores.»
Ao ouvir António Costa, contudo, indiferente a críticas, esclarecendo com bondade os interlocutores de esquerda, exibicionistas fingindo aplicação preocupada pelas coisas do país, não posso deixar de concordar com todos os argumentos que Alberto Gonçalves expende, quer a respeito do PS quer a respeito da plêiade iluminada que o cerca e dispõe, quer de todos nós indiferentes e passivos, à espera de resultados práticos, que melhor é “esperar por D. Sebastião, quer venha ou não”.
Feira de Horrores, se chama o seu texto de indignado repúdio. Quanto ao artigo seguinte – “Tuitar contra a realidade” ele é bem espelho da cobardia ocidental na aceitação deste envolvimento do ocidente por um oriente asqueroso que vai penetrando, a coberto de uma fuga aterrorizada ao seu próprio caos e a cujos desmandos de violência bestial o ocidente poltrão responde com brandas frases de repúdio afectuosamente superior, a merecer imediata explosão tuiteira. Daí que retire um comentário da Internet ao artigo de Alberto Gonçalves, que me parece justo:
Comentário de Alice Veiga
Feira de Horror = Portugal Feira de Hipocrisia = França Feira de Racismo = Reino Unido Feira de Quero posso e Mando = Alemanha Feira de Garoto/Brincadeira = Espanha Feira de Caloteiro = Grécia Feira de Fingir que sou muito Amigo = Suécia Feira que protege os €s do Pulha = Suíça Etc.
Berta Brás
Feira de Horrores
Alberto Gonçalves
DN,13/12/15
Começo a cansar-me de esperar que cada avanço da extrema-direita em França suscite nos nossos media o júbilo dedicado à extrema-esquerda indígena. Com a Frente Nacional, força hoje discutivelmente antidemocrática, tudo é perigo e tudo é sombra. Com a sujeição do PS ao PCP e ao Bloco, forças evidentemente antidemocráticas, há quedas de muros, fins de tabus, respeito pela vontade das massas, foguetório e felicidade a rodos. É curioso que as exactas pessoas que temem pelo futuro dos franceses aplaudam as calamidades garantidas para o futuro dos portugueses. E é ainda mais estranho que sejam portugueses a fazê-lo. Se calhar com razão, não falta por aí gente a achar que merecemos as abundantes desgraças que nos sucederem. E a desejar as desgraças. E a vestir as desgraças com os trajes da "legitimidade" e da "normalidade".
Talvez seja "legítimo", mas não é "normal" que, a troco da sobrevivência de uma nulidade, os deputados do PS renunciem a interesses ou convicções históricas e fujam da celebração do 25 de Novembro como fugiriam da peçonha.
Talvez seja "legítimo", mas não é "normal" que a espécie de governo que nos caiu em cima justifique a subida do salário mínimo mediante um "estudo" (!) coordenado pelo ex--sindicalista Carvalho da Silva, que após lutar durante décadas pela ruína colectiva emergiu com o belo título de sociólogo a serviço de uma instituição empenhada na exaltação das ditaduras "populares" da América Latina.
Talvez seja "legítimo", mas não é "normal" que a carroça que de facto puxa a "maioria parlamentar" - o PCP, escusado acrescentar - lamente publicamente a vitória eleitoral das "forças contra-revolucionárias" na Venezuela, enquanto manifesta inequívoco apoio ao "Grande Pólo Patriótico" (os maluquinhos que tomaram conta daquilo e que, quer o povo goste quer não, continuarão a desprezar o reles voto até à implantação definitiva do comunismo e da fome).
Talvez seja "legítimo", mas não é "normal" que as crianças do Bloco procurem acelerar o obscurantismo que sempre perseguiram através da consagração da homeopatia e da "medicina tradicional chinesa" (?), passo indispensável para acabarmos a ler o destino nas entranhas dos bichos (se o PAN deixar).
Talvez seja "legítimo", mas não é "normal" que, nas escassas semanas que o governo leva em funções, diversas "personalidades" (i.e. criaturas que nunca moveram uma sobrancelha sem subvenção estatal) irrompam a exigir o controlo da opinião publicada.
Talvez seja "legítimo", mas não é "normal" que se engendre um candidato presidencial do calibre do Prof. Nóvoa, o autodesignado "saca-rolhas" que ambiciona semear debates sobre a "cultura" e a "Europa", e cujo corpo, cito, é todo ele Minho e Norte.
Ou talvez tudo isto seja "normal". O que não o devia ser é a descontracção com que o país, das televisões aos transeuntes, contempla tamanha feira de horrores. Não tarda, país e feira não se distinguem.Em declarações ao Expresso, Marine le Pen confessou gostar dos portugueses. A senhora não regula mesmo bem: nem os portugueses gostam.
Segunda-feira, 7 de Dezembro
Tuitar contra a realidade
A estratégia do Ocidente contra o terrorismo evolui sem parança. Até há pouco, digamos até aos crimes de San Bernardino, Califórnia, a técnica utilizada era a tradicional: a cada matança obviamente perpetrada em nome de Alá, media e políticos "responsáveis" começavam por fingir que aquilo era um acontecimento fortuito e adiavam tanto quanto possível referir as ligações dos assassinos ao islão. Quando finalmente se tornava embaraçoso manter o estado de negação, lá aparecia um editorial a culpar a venda livre de armas, um discurso a apelar à fraternidade universal, um ensaio académico sobre o fanatismo religioso em sentido muito genérico e nada ofensivo para uma religião em particular.
As coisas mudaram. Agora, pelos vistos, já não há embaraço que nos impeça de aguentar a negação por tempo indefinido. Há dias, um sujeito que gritara "Isso é pela Síria!" e apunhalara três pessoas numa estação do metropolitano londrino viu-se repreendido por uma das testemunhas: "Tu não és muçulmano, pá." A frase, como usa dizer-se, tornou-se viral. Em questão de horas, o Twitter em peso desatou a publicar a hashtag (não me perguntem) #YouAintNoMuslimBruv. Segundo um frequentador da dita "rede social", tratou-se da "resposta mais londrina ao ataque que se possa imaginar". Outro proclamou a hashtag perfeita, dado que é "real", "inclusiva" e "enfraquece a causa terrorista". No fundo, toda a gente ficou feliz, excepto talvez as vítimas e, com certeza, o terrorista.
Daqui para a frente, sempre que um psicopata, perdão, um jihadista rebentar algures com duas dúzias de inocentes, será corrido a hashtags que lhe recusam a própria identidade. O homenzinho bem poderá berrar que frequenta a mesquita (#IssoQueriasTu) e que venera o Profeta (#NãoHáDúvida) e que recita o Corão (#DevesRecitarDeves) e que vai a Meca uma vez por ano (#SóSeForesANado) e que possui documentos a comprovar a filiação no Estado Islâmico, com estágio remunerado na Síria e tal (#ContaEssaHistóriaAOutro). Nada nos convencerá da sinceridade da sua crença. Claro que, enquanto punimos com a humilhação os homicidas que, coitados, julgam ser muçulmanos, morreremos que nem tordos. Mas vale a pena. Entretanto, proponho lançarmos a hashtag #AosOcidentaisNinguémTomaPorParvos. E, de seguida, acreditarmos nela.
Era nos anos 60 que também cantámos o “S. Francisco”, com o entusiasmo dos anos ainda meio verdes, entendendo facilmente a mensagem de um mundo de amor, embora a realidade mostrasse continuamente o irrisório da pretensão, o terrorismo em África a iniciar o seu foco de conflito com o apoio de doutrinação adequada, condenatória dos colonialismos em nome do altruísmo, coisa que as missões católicas estrangeiras e o próprio papa Paulo VI corroboraram então, com a necessária virtude. E foi assim que, bons discípulos por conveniência, da ideologia antibelicista, soubemos também aplicar as flores não aos cabelos segundo a canção de Scott Mckenzie, mas aos canos das nossas espingardas derrubadoras do governo, em sugestão pacifista prova do nosso seguidismo florido.
Alberto Gonçalves tenta advertir-nos, com sensatez, do novo terrorismo que nos colhe a nós agora, no medo que tentamos disfarçar com as flores em memória dos mortos que os novos terroristas executam em nome da sua religião, os jovens cantando a Marselhesa para se dar coragem e bonitas lições de harmonia ao mundo, as televisões reproduzindo os diálogos enternecedores entre o pai e o filhito assustado, reles pieguice que também ouvi com o mesmo asco que toda a escrita do sociólogo faz transparecer no seu artigo “Flower power”. Alberto Gonçalves adverte para o perigoso da invasão europeia que o Acordo de Schengen possibilitou, afundando o mundo numa guerra em nome de uma religião que quer alastrar, mas afigurando-se mais em nome de um ódio gratuito, de pura propagação do mal.
Admiro a coragem com que Alberto Gonçalves aponta a irrefutabilidade da pieguice reles com que a Europa se deixa tasquinhar, para cumprir a sua obrigação de solidariedade e sair bem no retrato.
O segundo texto de Alberto Gonçalves é sobre o retrocesso do país com a subida ao trono de António Costa. O povo é sereno.
Berta Brás
Flower power
Alberto Gonçalves
DN, 22/11/2015
A nossa sorte é que apenas uma ínfima minoria dos muçulmanos decide castigar-nos à bomba ou à bala. O nosso azar é a imensa quantidade de muçulmanos que, para dizer o mínimo, não se incomodam demasiado com tão simpático passatempo. Na terça-feira, em Istambul, durante um jogo de futebol entre a Turquia e a Grécia, o minuto de silêncio pelas vítimas de Paris foi violado pelos gritos de "Alá é grande". No mesmo dia, em Dublin, homenagem idêntica no Irlanda-Bósnia suscitou nos adeptos "visitantes" um berreiro em louvor da Palestina. É estúpido recusar a existência dos islâmicos moderados? É ainda mais estúpido acreditar incondicionalmente no peso dessa moderação.
Há cerca de um ano, uma sondagem apurava que perto de 40% dos muçulmanos franceses tinham opinião positiva acerca do ISIS. Na Alemanha, 46% da população muçulmana manifestava tendência similar. E no Reino Unido a percentagem subia para 54%. Contas por alto, os três países citados "integram" pelo menos sete milhões de pessoas que, em nome do Profeta ou do que calha perturbar as suas cabecinhas, defendem o assassínio, a tortura, a decapitação, a violação, a escravatura e os massacres em geral de "blasfemos" e "apóstatas". Para cúmulo, note-se que as questões da sondagem estavam limitadas ao ISIS, logo desconhece-se o apoio popular a colectividades recreativas como o Hezbollah, a Al-Qaeda, o Hamas, o Boko Haram e etc.
Em primeiro lugar, estas ligeirezas deviam enterrar em definitivo o mito do islão "moderado".Não importa recuar quinze séculos e descobrir que não há passagem do Alcorão a convocar matanças para concertos rock ou restaurantes: importa que uma parcela suficiente dos seus seguidores actuais comete matanças assim, e que uma parcela assustadora as ache legítimas. E que, salvo especialíssimos casos, os restantes devotos primam pelo silêncio, fruto da indiferença ou do medo ou de razões de que nem suspeitamos.
Depois, convém reparar que, ao contrário do que consta, a ameaça não nos bate à porta: entrou na sala e refastelou-se no sofá com à-vontade. Não é preciso ser grande estratega militar para desconfiar que, perante o brutal crescimento das comunidades muçulmanas neste lado de Bizâncio, bombardear alvos, por exemplo na Síria, não resolve tudo. Mas reagir do modo frequentemente demonstrado nos últimos dias não resolve nada.
Em Paris, perante as câmaras e a multidão que cantava Imagine, uma das maiores aglomerações de banalidades, cretinices e embaraços alguma vez musicados, um homem discutia os atentados com o filho quase bebé. "São homens maus, papá", lamentava o pequeno. "Sim, mas há homens maus em todo o lado", respondia o pai. "Eles têm armas e podem disparar porque são muito maus", insistia o pequeno. "Não há problema, eles têm armas mas nós temos flores", argumentava o pai. "Mas as flores não fazem nada, servem para...", desesperava o pequeno. "Claro que fazem", interrompia o pai, "olha toda a gente a colocar flores ali: servem para combater as armas". "Servem para nos proteger?", pasmava o pequeno. "Sim", triunfava o pai.
O nível da argumentação vigente desceu a tal ponto que até uma criança o acha pateta. Com as melhores ou as piores das intenções, as pessoas repetem clichés apalermados que, longe de ajudarem a Europa a sair da situação em que caiu, dizem um bocadinho sobre a apatia que a deixou aqui. E dizem imenso sobre a tresloucada cegueira que a deixará sabe Deus, perdão, Alá onde.
De acordo com a cartilha omnipresente, é proibido confundir os muçulmanos com o terrorismo. E é obrigatório ignorar que são os muçulmanos, os "maus" e a vasta maioria dos "bons", que respectivamente alimentam e toleram a confusão. Tolhidos por acusações de "discriminação", sofremos em silêncio (ou com cânticos de "paz" e patranhas ecuménicas) uma vaga discriminatória talvez sem precedentes e sem remédio. Enquanto o islão não cumprir a modernidade, o futuro da Europa, talvez do Ocidente, não promete. Esperemos sentados. Ou agachados, para fintar as balas.
Sexta-feira, 20 de Novembro
Não se esqueçam de atrasar o relógio quatro anos
"Eu pessoalmente confio no Dr. António Costa e no PS", diz o Sr. Ulrich, do BPI. Como ainda não endoideci, "eu pessoalmente" confiaria mais em quem me tentasse vender a Torre dos Clérigos. Mas, lá está, por desdita ou feitio não pertenço aos "interesses" que prosperam à conta do poder, ao contrário de significativa parte da nossa banca e "empresariado". Nessa matéria, o meu único interesse é o de que o Estado me deixe em paz. Já o interesse do Sr. Ulrich é justamente o de que o Estado esmifre os cidadãos em geral em proveito de cidadãos em particular como ele e o género de elites económicas e financeiras que honram a nação.
Cheiinho de falhas, o governo de Passos Coelho e Paulo Portas ficou aquém do ideal nas reformas empreendidas (aliás limitadas pelo Tribunal Constitucional e desejadas por muito poucos) e foi além do suportável em matéria fiscal (a consequência fatal da bancarrota de Sócrates e dos limites citados). Alguma coisa, porém, terá feito bem. Caso contrário, a trapaça que o derrubou na AR não mereceria o silêncio conivente de tantos ilustres, aqueles que nestes quatro anos perderam o acesso livre ao banquete orçamental. Com o anunciado regresso do PS, os ilustres esfregam as mãos: agora abrilhantada com acompanhamento leninista, a festa vai recomeçar. E 2011 também.