Este ano de 2013 tem sido um ano chuvoso o que tem algumas vantagens mas também alguns problemas. O enriquecimento dos aquíferos e uma razoável distribuição das chuvas foram, duma maneira geral, benéficos para a agricultura. O enchimento das barragens – que estiveram algo desfalcadas nos últimos anos – é importante para o abastecimento de água às populações, para os regadios e para a produção de electricidade barata.
As cheias que ocorreram nalgumas zonas causaram prejuízos embora, nalgumas áreas de várzea também tenham tido a vantagem de depositar uma camada de bons elementos de solo, trazidos das zonas mais altas. Nas terras mal drenadas causaram encharcamento dos solos, geralmente prejudicial.
Ao longo de muitos anos e baseado nos estudos do saudoso Eng.º Agrónomo Sardinha de Oliveira, tenho chamado a atenção para a necessidade de drenar o solo, importante em toda a parte mas particularmente importante no Alentejo.
O Eng.º Sardinha de Oliveira mostrou que a produção cerealífera no Alentejo sofria mais nos anos muito chuvosos do que nos anos de média ou até baixa pluviosidade. O problema é grave nesta província porque aqui a Primavera é geralmente muito curta e passa-se rapidamente da estação fria e chuvosa para a estação quente e seca. Num solo mal drenado os cereais sofrem uma asfixia nas raízes, que as impede de crescer em profundidade e, quando vem o calor e a seca, não conseguem defender-se e a produção é escassa. Se o Inverno for pouco chuvoso ou se o solo estiver bem drenado, de forma a fazer sair a água em excesso, as raízes desenvolvem-se em profundidade, o que lhes permite aproveitar a água que existe nessa parte do solo e defender-se muito melhor quando chega o tempo quente e seco. Os estudos do Eng.º Sardinha de Oliveira foram amplamente confirmados, ao logo de vários anos depois do seu falecimento, como relatei em diferentes escritos.
Por estas razões, é importante aplicar o sistema de drenagem mais apropriado para cada caso. Acredito que quando o Alentejo drenar convenientemente as terras para não haver os casos – que ainda são relativamente frequentes - de searas em solos alagados, a média de produção de trigo subirá significativamente. Quando se puder resolver um outro problema em que tenho insistido, de encontrar melhores rotações de culturas – os meritórios estudos que existem são insuficientes – talvez o Alentejo volte a ser o celeiro de Portugal.
Miguel Mota
Publicado no Linhas de Elvasde 24 de Abril de 2013
Considerando que por todas as partes deste Reino haja falta de pão, de que entre todas as partes do mundo soi a ser muy abastado, e vendo como agora está posto em tamanha carestia, que não há quem se sustente, e isto por falta de homens de lavrarem as terras...
(Provisão de D. Fernando, dada em Santarém aos 26 de Junho de1375).”
Para a humanidade dividida em nações de interesses diferenciados e até opostos, há um princípio na política económica – o maior enriquecimento nacional– não pela acumulação de stocks monetários, mas pelo desenvolvimento das forças produtivas.
Com tantas leis e decretos sobre o trigo e farinhas, em Portugal, em 1914/15, efeito da guerra, o trânsito de farinhas e do trigo foi então enredado em exigências de justificações e guias. Reviveu a economia medieval.
E quanto mais apertadas foram as regulamentações e maior o número de imposições legais, mais a fraude alastrou e contaminou a tudo e a todos, frustrando os melhores intentos.
O primeiro passo de uma nação, para aproveitar suas vantagens, é conhecer perfeitamente as terras que habita, o que em si encerram, o que de si produzem, o que são capazes.
Abade Correia da Silva – 1750-1823.
(*)
No começo do século XIX já cientistas excluíam Portugal das zonas tipicamente cerealíferas, afirmando que a cultura dos cereais é contrariada pelo clima.
Andam os desviados da nossa missão agrícola de país hortícola e pomícola, admiravelmente dotado pela natureza para as culturas arbóreas e arbustivas.
Já não era pequeno mal que apoquentassem a lavoura, manietando-a a alta das rendas e, sobretudo, a falta de capital. Além da alta taxa de juros que absorve a grande parte dos proventos que a empresa poderia dar. Pode-se dizer que ainda hoje a usura tem nas suas mãos a sorte da agricultura portuguesa.
Além disso, não sabemos produzir, nem sabemos vender.
A consciência nítida do interesse geral encontra-se apenas nas sociedades bem constituídas e num grau de força e prosperidade tal que a consideração do bem público pode abafar os egoísmos que surgem.
Nos povos em decadência enfraquece o espírito nacional, o que quer dizer que a consciência dos laços de solidariedade se apaga ou desaparece, como se deixasse de existir o interesse comum.
A nação não existe já como um todo vivo, mas como uma soma inerte de elementos quase independentes.
Não havia decerto necessidade de provações tão duras como a desta guerra (e desta crise), para o convencimento da decadência portuguesa. Tornou-se infelizmente bem patente o relaxamento dos laços sociais.
É exactamente um tal estado que nos explica como neste povo em que subsistem os defeitos de uma organização comunitária no que respeita à falta de confiança e dependência do poder público para a solução de todos os problemas, o Estado de quem tudo se espera, é precisamente o menos apto a fazer alguma coisa.
Produz-se por interesse, não por patriotismo nem por filantropia.
- Terá ainda solução a crise?
Tem-se em geral uma impressão errada de resistência e vitalidade dos povos, quando estas se comparam à fraca resistência individual.
Há um tão natural e poderoso instinto de conservação e de vida no fundo das sociedades, quando porventura atacam pelo espírito as instituições vitais para qualquer povo. É afinal difícil desorganizar por completo; e pode um povo descer na escala dos povos fracos, improgressivos, até à ínfima miséria social, mas não ultrapassando um limite mínimo as suas condições de vida, porque é nela tenaz e poderosa a resistência a toda a dissolução.
Por outro lado, nestes termos, são escusados temores.
Mesmo abandonado a si próprio, às suas decisões tradicionais, aos seus hábitos inveterados, ao seu trabalho, à monotonia do seu viver diário, mesmo portanto sem ministros, sem sábios, sem legislações complicadas – o povo conseguiria viver.
- Terá ainda solução a crise?
O que pelo menos se pode desde já asseverar é que, pelo caminho que as coisas levam, e convertidos afinal em novas causas do mal, os remédios com que se tem procurado diminui-lo, tudo se irá agravando, porque certamente ainda há pior que o estado actual.
A nossa preparação para o futuro tem já neste momento todos os defeitos contrários ás qualidades exigidas.
Provavelmente nós sofreremos a guerra... quando começar a Paz.
(Texto retirado da “Questão cerealífera” e da “Crise das Subsistências” escritos por António de Oliveira Salazar em 1914 e 1918).
Foi com grande prazer que li o artigo do Senhor Presidente da República (PR), Prof. Aníbal Cavaco Silva, no Expresso de 10 de Junho bem como o que ouvi no seu discurso sobre a agricultura, essa importante actividade económica que os últimos governos têm destruído.
O primeiro passo para a nossa recuperação económica, absolutamente necessária para conseguir o equilíbrio financeiro, será a reconstrução da agricultura. Só assim deixaremos de importar - algo que é mais fácil do que exportar mais - os milhares de milhões de euros de produtos agrícolas que aqui devemos produzir. E uma agricultura desenvolvida exportará ainda mais do que actualmente.
Para desenvolver a agricultura é necessário que o Ministério da Agricultura possua uma excelente investigação agronómica, a fonte da tão apregoada inovação (o que havia e tanto deu ao país tem sido destruído) e um serviço chamado de extensão agrícola, precisamente aquilo que o PR sente a falta quando refere "a insuficiência de acompanhamento e apoio técnico".
Esses serviços, pelo que rendem ao país e, portanto, ao orçamento, não são encargos mas sim valiosos investimentos.
Se o próximo governo não inverter a perniciosa acção dos últimos tempos em relação a esses dois serviços, não conseguirá tirar o país do pântano.
Depois de escrito o artigo publicado na semana passada, encontrei num supermercado uvas brancas de boa qualidade, de origem portuguesa. Porque na embalagem estava a indicação do produtor, contactei-o pelo telefone e perguntei pela uva D. Maria. Disseram-me que também a produziam e vendiam, por exemplo, para os supermercados Modelo. De facto ali a encontrei e pude comprar (a 1,99 €/kg) pois nos outros não havia, embora abundassem, como referi, as variedades importadas que, para mim, são de inferior qualidade.
Entre os muitos produtos agrícolas que Portugal não devia ter de importar encontram-se as uvas de mesa. Ninguém pode alegar essa desculpa (esfarrapada, em muitos casos) que "as nossas condições naturais não nos permitem competir". Por esse facto, só posso compreender o que vemos nos supermercados como uma qualquer deficiência da parte dos agricultores em termos de produção e comercialização (havendo, como vimos, algumas honrosas excepções) ou uma melhor e mais agressiva acção dos importadores.
Não podemos esquecer que alguns indicadores semelhantes para outros produtos agrícolas sofrem do mesmo mal. É esse o caso dos rabanetes vindos da Holanda (que recentemente voltei a referir) e dos alhos vindos da China. Repetidamente – mas sem êxito - tenho chamado a atenção para a importante e benéfica acção duma boa agricultura no PIB, no défice orçamental, no desemprego, na inflação, na balança comercial e até na indústria e no comércio, a montante e a jusante. Se não fosse a destruição operada na nossa agricultura e os milhares de milhões de euros gastos todos os anos a importar produtos que aqui devíamos produzir, a nossa economia e as nossas finanças não estariam no estado miserável em que as puseram.
Entre os muitos produtos que Portugal não deveria ter de importar estão, como disse, as uvas de mesa. É chocante ver os supermercados a abarrotar de uvas estrangeiras, quase todas bem inferiores a muitas variedades nacionais, entre as quais se destaca essa excelente 'D. Maria', aliás um produto da investigação agronómica portuguesa.
Miguel Mota
Publicado no Linhas de Elvas de 30 de Setembro de 2010
Uma grande parte da investigação agronómica não gera resultados de imediata utilização pelo agricultor. Muitos estudos de Genética, de Fisiologia, de Pedologia, de Estatística, etc. não conduzem directamente a resultados aplicáveis. Eles são necessários para outros que, esses sim, ajudam o agricultor a melhorar a economia da sua exploração.
O mesmo se passa com a investigação médica, muita da qual não produz medicamentos novos nem melhores técnicas de curar ou prevenir doenças.
Mas os resultados de mais directa aplicação, logo que obtidos, devem generalizar-se o mais cedo possível, para deles se obter o maior rendimento. E quando se contabilizam os resultados, a nível nacional, verifica-se que o investimento feito rendeu juros que os nossos economistas não acreditam que existam, mas são reais.
Um dos trabalhos da investigação realizada na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, com grandes resultados directos na produção agrícola, foi a obtenção, pelos processos clássicos de cruzamentos e selecção, duma variedade de uva de mesa de enorme qualidade. Foi trabalho do meu infelizmente já falecido colega, Eng.º Agrónomo José Leão Ferreira de Almeida, que lhe deu o nome de sua mãe: D. Maria.
É uma uva branca, de bagos muito grandes, muito doce. Certamente muitos a conhecem, embora lhe ignorem a origem.
Há uns anos era normal, nesta época, encontrá-la em grandes quantidades em todos os supermercados. Estranhamente, tenho reparado que se vai encontrando cada vez menos uvas D. Maria nos supermercados, embora ali se encontrem à venda outras, de muito inferior qualidade, provenientes do estrangeiro.
Dada a excelência do produto, gostava de saber as causas desse desaparecimento. São os agricultores que se desleixaram e estão a produzir menos uvas D. Maria? São os comerciantes que, colaborando na destruição da agricultura portuguesa, não a querem adquirir?
Lembro o caso, que ainda recentemente mais uma vez denunciei (1) dos rabanetes vindos da Holanda.
Certamente há algo de errado, que urge corrigir, a menos que Portugal não queira, deliberadamente ou por enorme incapacidade, desenvolver a sua economia e prefira que a grande massa dos portugueses continue a ver a diminuição do seu poder de compra, como tem sucedido nesta última meia dúzia de anos.
Associo este caso com algo que sucedeu, há tempos, com o mesmo produto. No Pingo Doce encontrei à venda "Passas de uva D. Maria". Como seria de esperar, eram magníficas, muito superiores a outras que se encontram à venda. Sobre isso publiquei um artigo (2) em que chamava a atenção para esse caso, que era mais um a mostrar as potencialidades da agricultura portuguesa. Acontece que, algum tempo depois, não mais encontrei à venda passas de uva D. Maria. Escrevi ao Pingo Doce a perguntar a causa desse desaparecimento. Não tive resposta. Foram os produtores dessas excelentes passas que deixaram de as produzir? Mais nenhum dos nossos agricultores se lembrou de fazer algo tão simples que é a secagem, utilizando a energia solar? Ou são as forças dos que tanto ganham com o atraso da nossa agricultura que impõem esse desaparecimento e os agricultores, passivamente, nada fazem?
O que dizem a estes casos - e a tantos outros semelhantes - as nossas organizações de agricultores?
Miguel Mota
Publicado no Linhas de Elvas de 9 de Setembro de 2010
(1) Mota, M. – Mais rabanetes da Holanda. Linhas de Elvas de 26 de Agosto de 2010
(2) -------- - Passas de uva D. Maria. Jornal de Oeiras de 21 de Novembro de 2006