"Nasceu em Tavira, extremo sul de Portugal, no dia 15 de outubro de 1890. Teve uma educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro Mecânica e depois Naval. Todavia não exerceu a profissão por não poder suportar viver confinado em escritórios”. (Fernando Pessoa)
ANIVERSÁRIO
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
Como diria Monsieur de La Palisse, comecemos pelo princípio. E o princípio é o nome.
Verdade, verdadinha, «A ver o mar» não é terra do interior e antes de ser absorvida pela malha urbana que por ali cresceu, era uma das aldeias pertencentes à Freguesia de Amorim, Concelho da Póvoa de Varzim. E porque aos naturais de «A ver o mar» se lhes chama averomarenses, mais fácil foi o Senhor Francisco Gomes associar-se a Amorim. Assim foi que, de ajuda geográfica, passou a nome. Nome dinástico, posto que o ora biografado foi o fundador do nome, o filho foi o II, não houve neto adulto que se chamasse Francisco, o bisneto é o meu Amigo Francisco Gomes de Amorim, o III, cujo filho do mesmo nome é o IV e neto é o V. A mais ver… que não apenas o mar.
E foi muito mais o que Francisco Gomes de Amorim I viu.
Criança de 9 anos, quase analfabeto apesar dos cinco anos de escola, foi para o Brasil acompanhando outra criança, o irmão de 11 anos. Chegados ao destino, Belém do Pará, foram vendidos como escravos e separados por dois donos diferentes. Mas o dono de Francisco I não deve ter sido muito mau pois que lhe deve ter dado a alforria, lhe terá permitido aprender mesmo a ler e a escrever e, muito importante, o terá deixado entusiasmar-se pelas artes literárias. O resto foi a força de vontade.
Foi com essa tenacidade que se relacionou com vultos confirmados da nossa cultura, nomeadamente Almeida Garrett que lhe escreveu informando que não o poderia ajudar estando ele tão longe.
Tinha 19 anos quando regressou a Portugal e, com a ajuda de Almeida Garrett, empregou-se como aprendiz numa alfaiataria em Lisboa. Não tardou a ficar conhecido como o «poeta operário». Seguiram-se colaborações em jornais tanto em poesia coimo em prosa e foi ficando cada vez mais conhecido.
Escreveu, escreveu, escreveu - prosa, poesia, teatro, folhetins… Os anos foram passando, fez-se homem e casou. Correspondente em Lisboa de jornais brasileiros, a produção literária, as crónicas sociais e políticas, tudo foi oportuno para hoje o termos como um homem que viveu intensamente, testemunha dos seus tempos, personalidade notável.
Eis o resumo duma vida plena de entusiasmo e muito inspiradora para quem o leia directamente nos seus escritos ou indirectamente como eu fiz numa pequena obra de pouco mais de 90 páginas intitulada «Francisco Gomes de Amorim – revolucionário e repórter de rua» da autoria de José Rodrigo da Costa Carvalho e editada pela Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim.
Last but not least, uma nota de muito apreço pela iniciativa editorial da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim que, através da sua Biblioteca, edita a colecção “Na linha do horizonte” onde congrega obras de Autores poveiros e de forasteiros sobre temas poveiros. Se todos os municípios seguissem este exemplo, a vida cultural seria ainda mais rica.
Sim, refiro-me a Pôncio Pilatos, o Governador romano da Judeia, figura histórica sobre quem pouco estudei mas que fui encontrar a pág. 76 da edição portuguesa do livro de Sue Prideaux «EU SOU DINAMITE – a vida de Friedrich Nietzsche» (Círculo de Leitores, 1ª edição, Abril de 2019) donde transcrevo com algumas explicações entre parênteses:
(…) as vistas transcendentes de cada janela de Tribschen (a casa que o rei Luís da Baviera pusera à disposição de Wagner) poderiam desencadear uma inspiração sublime tanto em Wagner como em Nietzsche, independentemente de para onde olhassem. Através das janelas viradas para oeste, onde o Sol se punha, erguiam-se as neves eternas do Monte Pilatos, originalmente um [templo pagão] de dragões e duendes lendários, rebaptizado numa época posterior e cristã, com o nome de Pôncio Pilatos que, banido da Galileia após a crucificação de Cristo, fugiu para Lucerna. Aí, esmagado pelo remorso, subiu os dois mil metros até ao cume do monte (…) donde se lançou para o pequeno lago, escuro como breu, que se pode ver no sopé. Aqui vive o seu fantasma num silêncio e numa imobilidade totais.Os guias locais dir-lhe-ão [a Nietzsche] que a própria água está morta, referindo como prova o facto de a sua superfície se manter sempre imóvel e incapaz de ser agitada mesmo pelo vento forte. (…)
De acordo com o apócrifo "Evangelho de Nicodemos" também conhecido por “Actos de Pilatos”, a responsabilidade sobre a condenação de Jesus recai sobre os judeus e o papel de Pilatos é minimizado. Assim, na Igreja Ortodoxa e na Igreja Ortodoxa Etíope fez-se a reabilitação de Pilatos ao ponto da sua canonização pela Igreja Etíope e da canonização da sua mulher, Santa Prócula, por ambas as ditas Igrejas.
NAÇÃO,são muitos homens e mulheres que se alimentam do mesmo reservatório de língua e de cultura, que se submetem sem esforço a um complexo de tradições idênticas, que se reclamam duma história comum e dum futuro convergente.
Maimónides - nome latinizado do judeu Moisés Ben-Maimon
InO MÉDICO DE CÓRDOVA – Herbert le Porrier – Bizâncio, 5ª edição, Junho de 2016, pág. 161
Esta frase pode dar a ideia de que se trata de um livro bem humorado mas, pese embora alguma graça que possamos encontrar aqui ou ali, o tom geral da obra é duma seriedade absoluta raiando mesmo a sisudez histórica. Não chega às profundezas mórbido-fantasiosas de Edgar Alan Poe mas ultrapassa-o durante algumas cenas, em especial as relacionadas com os «mimos» dispensados pelo KGB e pela Gestapo aos respectivos «hóspedes».
São 1070 páginas de texto nesta edição que refiro e por isso mesmo sugiro ao futuro leitor que se equipe de alguma ajuda física para suporte do livro, a menos que queira logo de início ficar com uma dor na mão direita e, a partir da metade, sentir a dor passar para a mão esquerda.
De maneira a não estragar a leitura dos futuros leitores, apenas refiro que se trata da história duma belíssima jovem espanhola loira, magra e alta (o que só por si foge ao padrão por que esperávamos numa espanhola) que começa durante a Segunda República espanhola, passa pela II Guerra Mundial e pela Guerra Fria estendendo-se até à queda do Muro de Berlim.
Nem sei como classificar os personagens pois são vários os de importância central. Trata-se de um bisneto que foi encarregue por uma tia de desvendar a vida duma misteriosa bisavó que durante várias gerações foi tabu na família. Os narradores são vários e todos são importantes pois sem eles nada saberíamos. Sim, é uma tessitura do mais curioso que tenho lido e que, para nosso grande espanto, não conduz ao labirinto. Pelo contrário, tudo é rectilínio na marcha do tempo e a cada página nos sentimos mais interessados pelo que irá decorrer ao longo da História da Humanidade neste período do séc. XX.
É na página 924 que encontro um enigma pelo que desafio o leitor a descobrir como é que a visita entrou na casa se o visitado, paralisado e agarrado a uma poltrona, estava sozinho e longe da porta. Ou estaria numa cadeira de rodas?
Sim, é um romance mas é tão verosímil que só perderá em cultura histórica quem o não ler.
E não se esqueça, leitor: são 1083 páginas contadas.
Mais: assim como com a diva, de uma espanhola também não se espera que passe pela vida a cantarolar; espera-se que cante a plenos pulmões correndo a pauta por completo.
Durante cinquenta e seis anos – desde que terminou a última guerra civil – o coronel não fizera outra coisa senão esperar. Outubro era das poucas coisas que chegavam.
Gabriel García Márquez
In «Ninguém Escreve ao Coronel», Abril Controljornal, Edipress, Junho de 2000, pág. 5.
Para não estragar leituras futuras, recorro à sinopse do filme (não a do livro) que encontrei na Internet:
«As pontes de Madison County» é a história de Robert Kincaid, fotógrafo famoso e de Francesca Johnson, mulher de um agricultor do Iowa.
Kincaid, de 52 anos, é fotógrafo da National Geographic — um estranho e quase místico viajante dos desertos asiáticos, dos rios longínquos, das cidades antigas, um homem que se sente em desarmonia com o seu tempo. Francesca, de 45 anos, noiva italiana do pós-guerra, vive nas colinas do Iowa com as memórias ainda vivas dos seus sonhos de juventude. Qualquer deles tem uma vida estável, e no entanto, quando Robert Kincaid atravessa o calor e o pó de um Verão do Iowa e chega à quinta dela em busca de informações, essa estabilidade desaba e as suas vidas entrelaçam-se numa experiência de invulgar e estonteante beleza, que os marcará para todo o sempre.
* * *
Mas não resisto a transcrever algumas frases que chamaram a minha atenção…
Ela desejou-lhe comboios a vapor a sair de estações no Inverno. (pág. 196)
Está-se sempre a lidar com os mercados e os mercados, que são mercados de massas, destinam-se a satisfazer gostos medianos. (…) O mercado mata mais paixão artística do que qualquer outra coisa. É um mundo de segurança para a maioria das pessoas. Querem segurança, as revistas e fabricantes dão-lhes segurança, dão-lhes homogeneidade, dão-lhes o familiar e confortável, não os desafiam. (pág. 220)
- Chamam a isto um prado ou pastagem? – perguntou ele e ela respondeu que era uma pastagem alertando-o para ter cuidado com as bostas. E ele, de apaixonado que estava, achou que nas palavras dela até a bosta da vaca era uma inspiração de grande romantismo… (pág. 223)
(…)vinte minutos intensos do tipo que só os soldados, cirurgiões e fotógrafos compreendem. (pág. 230)
Com o tempo, os computadores e os robôs ficam com o poder. Os humanos ocupar-se-ão dessas máquinas mas isso não requer coragem nem força, nem qualquer característica semelhante. Nós renunciámos à nossa liberdade de acção, organizámo-nos, abafámo-nos, abafámos as nossas emoções. Há a eficácia, a produção e todos os outros conceitos artificiais. Juntamente com a liberdade de acção, desaparece o «cowboy», ao mesmo tempo que o leão-da-montanha e o lobo-cinzento. Não resta muito espaço para os viajantes.
(…) as hormonas masculinas são a causa derradeira da discórdia neste planeta. Uma coisa era dominar outra tribo ou outro guerreiro. Outra é possuir mísseis e destruir a Natureza da maneira que estamos a fazê-lo. Temos de sublimar de alguma maneira essas hormonas masculinas, ou pelo menos controlá-las. (pág. 245)
Transcrições de «O SANGUE DOS INOCENTES», de Júlia Navarro, ed. BERTRAND EDITORA, 1ª edição Junho de 2017.
* * *
[os cátaros] odeiam a cruz por ser o símbolo do sofrimento, dizem que Jesus não pertence ao mundo visível, crêem que existe um Deus bom e outro mau. De que outro modo se pode compreender a existência de tanta iniquidade e sofrimento? Como explicar que, se Deus criou tudo, tenha trazido o mal ou pelo menos permita que o mal exista? Que tem Deus a ver com a morte de tantos inocentes? O Demónio existe e tem um poder imenso. Nós chamamos ao mal uma coisa, eles outra. As diferenças não são assim tão grandes.
(pág. 55)
Rezava a Jesus, que pregara a mensagem de Deus na Terra. No entanto, não acreditava que tivesse morrido na cruz para salvar os homens. Jesus não era de carne, não podia sofrer nenhum mal porque era Filho de Deus. Também considerava uma aberração a liturgia em que os sacerdotes enganavam o povo, fazendo-o acreditar que convertiam em vinho o sangue de Jesus e o pão na sua carne. Que horror, devorar Jesus! Será que se apercebiam do que isso queria dizer?
São João deixara-o claro no seu Evangelho: «O meu reino não é deste mundo», ou «não são do mundo, tal como eu também não o sou».
O único sacramento que permitia salvar a alma era o «consolament», o baptismo espiritual. Sim, João Baptista baptizava com água, mas Jesus pousava as mãos para assim receber o Espírito Santo, rezando a única oração que agradava a Deus, o «Pai nosso».
[ela achava que era] absurdo deitar água sobre uma criança e dizer que está baptizada. O baptismo, como bem ensinava o Bispo (…), apenas era possível na idade adulta, já que receber ou não o Espírito Santo era uma decisão individual.
(…) Não faltava muito para que ela mesma fosse queimada nessa fogueira e se desprendesse da sua casca, do seu corpo, libertando-separa se encontrar com Deus.
(pág. 89)
A crise que assola a Europa [1] faz com que muitos acreditem que existiu um tempo passado em que as coisas correram melhor. É em momentos destes que astrólogos, espíritas e charlatães se aproveitam do medo. Do medo que percorre a Europa perante a incerteza do futuro. Há pessoas dispostas a crer no incrível porque se sentem mais tranquilizadas do que se enfrentarem a realidade. (pág. 107)
(…) o medo do futuro não se pode combater com a repressão ou culpabilizando os estrangeiros.
(pág. 109)
Fala uma muçulmana progressista:
- Nós, os crentes, não podemos continuar a olhar para o passado. O mundo muda a cada segundo que passa e não há maneira de voltar a trás. Outras religiões, embora contrariadas, tiveram de aceitar isso. O importante é o espírito, não a palavra. Acredito que existe um Deus, a vida não teria sentido sem Deus e os seres humanos, desde o princípio dos tempos, têm intuído a Sua presença, interpretando-O à sua maneira. Até O manipulámos em função de interesses terrenos. O importante não é apenas que Maomé garanta que o arcanjo Yibril lhe apareceu, o importante é que soube unir os árabes e canalizar a nossa espiritualidade, ensinando-nos que existe apenas um Deus e afastando-nos de ídolos importados de outras terras. Ele interpretou Deus à sua maneira, tal como os cristãos interpretam Deus à sua e os judeus fazem outro tanto. Interpretamos Deus segundo a nossa cultura, segundo o meio em que nascemos, em que nos desenvolvemos mas Deus é o mesmo e o que é uma monstruosidade é matar em nome d’Ele.