SITUAÇÕES ESPECIAIS
I
Tenho uma cunhada doutorada em química que é investigadora numa Universidade no Canadá e anda com frequência a fazer conferências em Congressos da especialidade um pouco por toda a parte. Tão depressa está em Tóquio como em qualquer parte dos EUA, na Europa, etc.
Aquando da final do Europeu de Futebol, estava por acaso em Paris num desses Congressos onde teve que botar faladura sendo que a organização do certame decidiu fazer um intervalo nos trabalhos para se assistir à final França – Portugal. Foi ela a última oradora antes do intervalo e, para além de muito louvada pelo conteúdo da sua palestra, concitou também a simpatia geral por ser a única congressista da nacionalidade do «pequeno» País que iria nesse dia disputar a final do Campeonato Europeu de Futebol. Louvores importantes; simpatia por faits divers.
Havendo várias televisões espalhadas pelo recinto do Congresso para que os participantes se pudessem agrupar por centros de simpatia, com a minha cunhada apenas se solidarizaram os poucos italianos presentes; todos os demais congressistas aderiram aos favoritos franceses.
Mas quando Portugal se sagrou Campeão Europeu de Futebol, metade dos congressistas franceses deixou de falar à minha cunhada.
Se isto se passou com uma elite científica, dá para perguntar o que se passa de tão estranho na Nação francesa que inverte valores entre a importância duma brincadeira futebolística e a duma conferência científica de ponta a nível mundial.
Oxalá que não se passe nada de muito grave mas é claramente uma situação especial.
II
D. Manuel II usando as vestes da Ordem da Jarreteira (1909)
Decidiu Sua Majestade o Rei D. Luís condecorar Fontes Pereira de Melo. Reunido o Conselho das Ordens Honoríficas, foi o Rei aconselhado a conceder o grau de Grande Oficial da Ordem da Jarreteira ao seu Ministro.
Como era costume, o Rei concordou com a sugestão do dito Conselho mas logo decidiu que a cerimónia se realizaria no Palácio da Ajuda quase em segredo uma vez que, naquela Ordem, a fórmula de aceitação da condecoração implicava o juramento de fidelidade a Sua Majestade… o Rei de Inglaterra.
Claramente, uma situação muito especial que bem poderia ter sido evitada se o Conselho das Ordens Honoríficas se tivesse contido dentro das hipóteses condecorativas genuinamente portuguesas. Se o Rei tivesse recusado a insensata sugestão poderia ter “arriado uma grande bronca” mas evitaria o absurdo do juramento de fidelidade, perante si próprio, de um seu súbdito a um Rei estrangeiro.
Situação claramente especial se não mesmo absurda e recheada de ridículo. Inversamente, imagine-se o Rei de Inglaterra a condecorar um seu súbdito com o Grande Colar da Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito ou com a francesa Légion d’Honneur...
III
Para acabar, a situação mais especial que me preocupa verdadeiramente é a da «inventona» de Erdogan nesse país formidável que era a Turquia.
Apesar da purga contra a herança laica de Atatürk nas Forças Armadas, Erdogan vê-se na necessidade de decretar o «estado de excepção» o que pode significar que não se sente tranquilo. Mas também significa certamente que a islamização sistemática vai prosseguir, eventualmente com a reintrodução da pena de morte.
Adesão à UE comprovadamente morta, resta saber como vai a NATO reagir.
A ver vamos…
Para além de especial, é uma situação claramente dramática.
Como eu gostava da Turquia.
Julho de 2016
Henrique Salles da Fonseca