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A bem da Nação

SE NÃO GOSTAM COMAM MENOS

 

Foi-me mandado por e-mail. Quem mo mandou gostou dele, talvez. Foi Alegre um dos cantores da liberdade em rubros cravos de Abril, tinha sido um dos cantores da rebeldia às imposições da ordem pelos “vampiros dos pés de veludo”. A verdade é que são tristemente saudosistas as suas velhas “trovas do vento que passa” que não resisto a transcrever e de reescutar na voz embaladora de Adriano Correia de Oliveira:

 

Adriano Correia de Oliveira.png

 

https://www.youtube.com/watch?v=ZX5SKWHHIHo

 

Pergunto ao vento que passa

Notícias do meu país

E o vento cala a desgraça

O vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia

Dentro da própria desgraça

Há sempre alguém que semeia

Canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste

Em tempo de servidão

Há sempre alguém que resiste

Há sempre alguém que diz não.

 

A noite triste virou alegre, mas julgo que Alegre se não satisfez completamente. E, talvez desgostoso com o rumo do seu país, que já não precisa de conhecer pelo vento, (aliás mudo, já no tempo do seu desterro) - porque Alegre, como semeador de canções no vento, passou a engrossar a fileira dos que as bem sorveram -  Alegre continuou a compor. Mas  virou as setas para o estrangeiro trocista e comilão. Com menos melodia, é certo, que a balada do vento. Talvez por lhe faltar o Adriano e o Zeca Afonso já “libertos da lei da morte”, mas ainda em companhia dos mais companheiros que foram engrossando as fileiras dos heróis “encravados”, querendo significar com a expressão entre comas o facto de se cobrirem de cravos, sobretudo por altura dos festejos libertadores. Não, não está feliz Alegre, no seu país “encravado”, no bom sentido libertador. Até mesmo parece um pouco irado contra esses da estranja que falam em números e esbanjamentos incriminatórios, embora na sua - de Alegre – inocência afirme ignorar o motivo da troça, justificando-a como mera inveja – a inveja desses por nós outros que temos sol e amamos o riso, e o sol, o mar e o vinho - sem consentir, todavia, democraticamente, que outros prefiram a coca-cola, arredia do seu poema.

Leiamos então o poema em prosa de Manuel Alegre, e achemos para ele o ritmo das canções pop. A menos que prefiramos adaptar-lhe o som triste das mornas da Cesária Évora de pé descalço dos tempos colonialistas fascistas, de pé calçado no tempo da independência da sua terra, despovoada, ao que parece, quando os portugueses a descobriram e habitaram, ainda em tempo do Infante D. Henrique, por muito pouca importância que tal facto represente para o autor das “Trovas do vento que passa” ou do poema “Resgate” enviado por email, extraído de “Bairro Ocidental” – (D. Quixote, 2015). Título, certamente, alusivo à redução do país, que fora já império, a um simples “bairro”, nem sei bem se lhe terá passado pela cabeça, da lata. Embora Camões, é certo, também lhe tenha aplicado a modesta e carinhosa metonímia “praia” - “Ocidental praia lusitana”- mas também a metáfora enobrecedora “Reino Lusitano”, limítrofe entre terra e mar, e para mais com um Febo deitado à larga, num Atlântico de vasta rota:

 

Eis aqui, quase cume da cabeça

De Europa toda, o Reino Lusitano,

Onde a terra se acaba e o mar começa

E onde Febo repousa no Oceano.

 

Leiamos, então, Alegre e as penas de consciência – ou talvez antes a nobre satisfação - do seu / nosso auto-retrato patrioticamente orgulhoso, segundo a tradição do nosso saudosismo, que o hino nacional das festas futebolísticas também comprova, quase diariamente. Somos como somos, e os tais que nos abafam com números não passam de vampiros de uma nova actualidade, deviam ter vergonha:

 

 "Resgate"

Há qualquer coisa aqui de que não gostam

da terra das pessoas ou talvez

deles próprios

cortam isto e aquilo e sobretudo

cortam em nós

culpados sem sabermos de quê

transformados em números e estatística

défices de vida e de sonho

dívida pública dívida

de alma

há qualquer coisa em nós de que não gostam

talvez riso esse desperdício.

Trazem palavras de outra língua

e quando falam a boca não tem lábios

trazem sermões e regras e dias sem futuro

nós pecadores do sul nos confessamos

amamos a terra o vinho sol o mar

amamos o amor e não pedimos desculpa.

Por isso podem cortar

punir

tirar a música às vogais

recrutar quem os sirva

não podem cortar o Verão

nem o azul que mora aqui

não podem cortar quem somos.  

 

Manuel Alegre - "Resgate" - in "Bairro Ocidental" - D. Quixote 2015

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

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