REPESCADO DO TINTEIRO
«USQUE AD NAUSEUM»
Ouço rádio no carro e é frequente deixar um programa a meio porque, entretanto, chego ao destino. Só me aguento um pouco desde que seja alguma música de que esteja a gostar muito e queira ouvir até ao fim. Mas, sendo conversa, corto-lhes o pio.
Então, nestes últimos dias, a conversa é sempre a mesma: Maio de 68 usque ad nauseum que é como quem diz até à náusea. E como o tema já é nauseante desde há muito, para além do ad, ele já é mesmo ex nauseum que em linguagem comum significa desde a náusea.
Creio mesmo que a maior parte das intelectualidades que falam do Maio de 68 ainda não eram gente em Maio de 1968 mas falam com muita sabedoria porque julgam que quem os ouve sabe ainda menos que eles. Enganam-se. Muitos de nós já eramos gente naquela época e vivemos tudo com alguma intensidade.
Então, o que foi o Maio de 68?
Tenho várias hipóteses de resposta…
- Uma carnavalada;
- Uma tentativa de revolução anarquista;
- Uma tentativa de golpe de Estado comunista;
- Uma revolta contra De Gaule…
… mas fico-me por uma mistura delas todas pois admito que de tudo por lá havia desde a carnavalada até à vontade de se verem livres da preponderância autoritária do «velho».
A sociedade francesa estava já muito igualitária, não admitia que alguém pudesse preponderar; o individualismo não queria orientações de classe; o marxismo queria impor uma orientação da sua classe, a proletária; o anarquismo não admitia peias à liberdade; os carnavalescos não quiseram perder a oportunidade.
E a pergunta permanece: - O que foi o Maio de 68?
A minha resposta é: - Um grande fiasco de revolta anti burguesa em que, felizmente para os burgueses, os seus adversários não se entenderam porque tinham (e têm) pressupostos incompatíveis.
Isto, o que penso de Maio de 68 tanto porque o vivi à distância geográfica duma Península Ibérica como à distância política de quem vivia num regime autocrático «proteccionista contra novidades». Mas a informação circulava e uma tia minha foi para Paris em Maio de 68 para ser operada ao coração. Foi operada, tudo correu bem, regressou a Portugal perfeitamente «recauchutada» e perguntou se era verdade que durante a estadia dela em Paris tinha acontecido alguma sarrafusca política. Ao que alguém lhe respondeu que tinha havido uma zanga entre o Sartre e o Aron. E ela respondeu que a Simone era danada para pôr o marido à zaragata.
Pois é, afinal houve mais França para além do «Maio de 68», esse tema que fede usque ad nauseum.
Maio de 2019
Henrique Salles da Fonseca