RELEVÂNCIA DA ÍNDIA NAS CIÊNCIAS
Devemos muito aos indianos, que nos ensinaram a contar,
sem o que nenhuma descoberta científica relevante poderia
ser possível.
Albert Einstein
Quando nalgum colóquio perguntei quando foi criada a Universidade Portuguesa, a assistência respirou de satisfação e orgulho pela ancestralidade da mesma. A primeira Universidade Portuguesa é de Coimbra, fundada em 1290.
A seguir fiz a pergunta de qual a primeira Universidade do Mundo. A audiência começou a ajeitar-se na cadeira, inquieta e de olhos baixos, aparentando compenetração… não fosse eu disparar a pergunta a quem levantasse o olhar, se tinha algum palpite…
E a surpresa: a Índia? Sim a Universidade de Takshashila ou Taxila teve uma existência pujante entre os séculos 6 AC e 5 AD, no reino de Gandahar, no local onde actualmente fica o Punjab, no Paquistão.
Com a idade mínima de 16 anos para a frequentar, aí se ensinavam 68 matérias diferentes, dizem, chegando a ter mais de 10.000 estudantes, vindos da Babilónia, Grécia, Siria, China, e de diversos locais da Península Hindustânica.
Mestres com grande saber ensinavam os vedas, línguas, gramática, filosofia, medicina, cirurgia, tiro de arco, política, estratégia da guerra, astronomia, contabilidade, comércio, documentação, música, dança, arte da representação, futurologia, ciências ocultas, cálculos matemáticos complexos, etc. O elenco de Professores famosos integrou: Kautilya1, Panini2, Jeevak3, Vishnu Sharma4, entre muitos outros. Assim, o conceito de Universidade abrangente, com altura intelectual e científica, integradora de conhecimentos, veio precisamente da Índia.
Outra Universidade antiquíssima situou-se no actual Estado de Bihar, a Universidade de Nalanda, em actividade por mais de 7 séculos, dos anos 400 a 1200 da nossa era. Desapareceu em consequência de actos de barbárie que queimaram tudo, reduzindo a cinzas.
Universidade de Nalanda (Índia)
Nalanda em sânscrito significa: que dá conhecimentos, de Nal e Da. Foi fundada por Kumargupta do reino Gupta, na idade de ouro da antiga Índia. Ensinava: Astronomia, Astrologia, Cirurgia, Medicina, Cosmologia, Química, Metalurgia, Arquitectura, Cálculo, Álgebra, Trigonometria, Geografia, Ayurveda, Teologia, Lógica, Filosofia, etc.
Foi a primeira Universidade residencial com 108 unidades de 30 quartos cada uma e estes com estante para livros, água potável, etc. Tinha a maior biblioteca do mundo da época. Nela se formaram pessoas como Aryabhatta, Varahmihira, Kalidasa, Vatsyayana, etc.
O ensino, a estadia e a alimentação dos estudantes eram gratuitos. Havia patrocinadores que valorizavam o saber e se dispunham a custeá-lo.
A Universidade foi reduzida a cinzas por bárbaros que a queimaram.
A sua actuação pelos séculos granjeou fama. O seu campus teria 1,7x0,85 kms de extensão, com 300 salas de aula com bancos de pedra; dispunha de laboratórios e outras facilidades, entre elas uma torre de observação e pesquisa astronómica. E uma ampla biblioteca designada por Dharma Gunj ou Montanha do Saber, ocupando três edifícios.
O exame de admissão seria muito exigente, entrando apenas 3 de 10 estudantes. Testemunho importante é do viajante chinês Hiuen Tsang que escreve no seu diário: havia em Nalanda 10.000 estudantes e 200 Professores. Tsang foi estudante e mais tarde professor em Nalanda.
Qualquer destas duas Universidades não teve continuidade até aos nossos dias. Mais recentemente, há cerca de 5 anos, reanimou-se a de Nalanda, no local da antiga Universidade, num Campus de 190 ha, tendo contado para primeiro Chanceler o Prémio Nobel Amartya Sen.
A tradição Universitária teve consequências importantes no pioneirismo e desenvolvimento das Ciências, da Matemática, da Medicina, da Astronomia, da Trigonometria, etc., como se indica numa breve amostra seguinte:
Índia na vanguarda da Ciência
Índia inventou o sistema numérico. O sistema que valoriza a posição do número; o sistema décimal, foi desenvolvido por volta do ano 100
DC.Aryabhatta, que inventou o zero, foi o primeiro a explicitar a forma esférica, dimensão, diâmetro e rotação da Terra, no ano 499.
Ayurveda é a mais antiga escola de Medicina conhecida. Charaka, o pai da medicina, consolidou Ayurveda há 2.500 anos.
Em Siddhanta Siromani (Bhuvanakosam 6), Bhaskaracharya II dava uma descrição da gravidade da terra 400 anos antes de Sir Isaac Newton; tinha noções claras sobre o cálculo diferencial e a teoria das fracções contínuas.
Bhaskaracharya calculou o tempo da órbita da Terra à volta do Sol, centenas de anos antes do astrónomo Smart. O tempo calculado para a Terra orbitar à volta do Sol era de: 365,258756484 dias.
O valor do pi foi calculado por Boudhayana, que também explicou o que conhecemos como teorema de Pitágoras, no século 7 AC. Este facto foi validado por académicos ingleses em 1999.
Maharashi Sushruta é o pai da cirurgia. Cerca de 2.600 anos atrás, ele e os cientistas da Saúde, realizaram complexas cirurgias como Cesarianas, cataratas, próteses de membros, pedras nos rins e ainda cirurgía plástica.
De acordo com o Gemmological Institute of America, até ao ano 1896 a Índia era a única fonte de diamantes no mundo. Descobriu-os e utilizou a partir do século IX AC.
Há quem veja na actual actividade no domínio da Investigação e Desenvolvimento em campos vastíssimos, das Tecnologias de informação e Comunicação, da Exploração do Espaço, da Energia Nuclear, etc., como um reatar com as suas tradições intelectuais, interrompidas a partir das invasões e dominação colonial.
Lisboa, 28 de Agosto de 2016
Eugénio Viassa Monteiro
Professor da AESE-Business School e Dirigente da AAPI-Associação de
Amizade Portugal-India
Texto igualmente publicano no Observador