RAZÃO TINHA HAMLET
Dizem as estatísticas do Banco de Portugal que em Junho de 2016, o valor total dos novos empréstimos concedidos pela banca às empresas e às famílias foi de Euros 3.696 milhões, ou seja, -5,7% do que no período homólogo. Mais dizem que o crédito vencido (e não pago) foi de 9,11% do total concedido.
Dessas afirmações nos dão conta os dois gráficos seguintes:
Creio haver conclusões fáceis de extrair sobretudo se soubermos que a grande fatia do crédito às famílias é «crédito à habitação» sendo o remanescente para o consumo, em especial o de bens duradouros: o carrinho, a viagem, o casamento da afilhada (nem sempre duradouro), …
Mas para haver crédito à habitação, é necessário que habitação exista para ser transaccionada e, das duas, uma: ou se trata de habitação nova (e lá vem mais crédito às empresas construtoras num «remake» da bolha anterior como se ela não tivesse existido e rebentado) ou se trata de colocar aquelas casas com que ela, a banca, ficou depois de ter executado as penhoras dos clientes anteriores que tinham entrado em incumprimento (linguagem técnica pseudo-erudita) ou ferrado o calote (linguagem vernácula).
Da comparação dos dois gráficos sempre parece menos perigoso emprestar às famílias do que às empresas mas convenhamos que a inexistência de projectos relacionados com a produção de bens transaccionáveis parece continuar a ser a grande pecha do nosso desenvolvimento.
Mas como é que pode haver projectos efectivamente produtivos se tudo está virado para o hedonismo consumista?
Sim, cada vez mais me convenço de que, passado o curto período de verdade que experimentámos entre 2011 e 2015, Hamlet regressou cheio de razão com o seu famoso lamento de que «Algo está mal no Reino da Dinamarca».
Tavira, 10 de Agosto de 2016
Henrique Salles da Fonseca