«RAINHA JINGA»
Ao fundo da coxia daquela enfermaria de hospital, depois da última cama, no canto ao lado da grande janela com vista deslumbrante, o cadeirão em que se sentava a «rainha Jinga», aquela Senhora negra de quem nunca soube o nome. Caíra do alto do seu metro e oitenta fracturando a coluna e ali estava entregue à esperança de os médicos conseguirem pô-la de novo em pé. Movimentos entre a cama e o cadeirão executados com a ajuda de um pequeno elevador que alguém manobrava: o marido, que lhe dava as refeições, as filhas e filhos que a toda a hora lhe faziam companhia, as amigas que lhe contavam as histórias que a «rainha» gostava de ouvir, todos a ajudarem, bom ambiente, calor humano.
Bata amarela dos Voluntários naquele hospital, baixinha, na casa dos 60, sorriso tímido, em silêncio, a mão acenando levemente a quem estava nas camas por que ia passando, chegou a Senhora, «a senhorinha».
O marido da «rainha» teve que ir ali fora ao corredor, a filha que estava presente decidiu ir com o pai comprar não sei quê, a amiga disse que já vinha e a Senhora baixinha da bata amarela, com o seu sorriso tímido, chegou junto da «rainha». Acariciou-lhe a mão inerte e falaram em surdina. Eu estava junto da cama ao lado e não tentei ouvir o que diziam mas sei que rezavam. E rezaram…
No final, «a senhorinha» afagou novamente a mão inerte da «rainha», despediu-se de mim com um sorriso tímido e eu fiquei na dúvida sobre se o aceno da sua mão não seria uma bênção. Creio que sim e gostei.
Pois é, andam Santos por aí e nós nem damos conta.
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca
NB: cena real, passou-se em Junho de 2014