"RAGTIME" de E.L. Doctorow
E.L. Doctorow sentia a necessidade imperiosa de escrever mas não sabia sobre o quê. Diante de si quedava-se uma parede vazia. Começou a escrever sobre a parede vazia. Depois ligou a parede à casa construída em 1900 e depois à rua onde se situava e posteriormente à vila de New Rochelle, que a abrangia e, por fim, à época em que a casa foi construída.
Lembrou-se de uma greve da indústria têxtil que ali acontecera por esses tempos e que se tornou violenta a ponto de fazer jorrar muito sangue. Isto tudo se passava enquanto Scott Jopllin produzia a maravilha musical, um estilo sincopado a que chamaram ragtime do que resultou que um pianista negro seguidor de Jopllin e que enriqueceu como concertista no Harlem, N.Y, comprasse um dos primeiros Ford T produzidos por Henry Ford que seria vandalizado num gesto de raiva dos bombeiros de New Rochelle que, ao tempo, ainda acorriam aos incêndios com carros puxados por cavalos.
Assim foi que Doctorow, especialista em escrever biografias de pessoas que nunca existiram, imaginou uma família daquele tempo que teria habitado a casa onde ele agora residia e sofrera tais dramas. Posto isto, a sua prosa começou a fluir como água na bica da fonte. Afinal havia muito para contar e Doctorow acabou por produzir um clássico da literatura americana: o Ragtime.
No livro inova na medida em que combina ficção com história e traz as figuras que dominaram a época e tornaram irreversível o século americano. Põe em cena os "baron robbers" do tempo, o grande financeiro J. P. Morgan, que ao liberalismo de Adam Smith opôs o monopolismo - "a melhor maneira de lidar com a concorrência é comprá-la"; os Carnegies, os Fricks e os Rockefellers que seguiram os seus conselhos e criaram os gigantescos trusts do tempo. Também nos fala de Henry Ford, personagem que Morgan, fervoroso adepto da Prisca Theologia, considerava providencial, promotor de viragem irreversível na marcha do progresso humano por ter conseguido "mostrar que os homens são permutáveis, tanto quanto as peças de qualquer máquina". E pelo meio, Doctorow mete Emma Goldman, a filósofa anarquista e Harry Houdini, o mágico que ninguém conseguiu prender ou imobilizar e ainda o obscuro criador dos bonecos animados.
E assim, lança-nos num mundo fascinante, no caldeirão onde se criou o capitalismo dito "liberal" que haveria de trazer tanto progresso a par com tanto sofrimento à humanidade, no decurso do século XX...
Setembro de 2015
Luís Soares de Oliveira