PURIDADE E FANTASIA

Tempos houve por cá em que ao actual «Primeiro Ministro» se lhe chamava o «Escrivã0 da Puridade» assim demonstrando a preocupação régia de que ficasse sempre registada a verdade dos negócios do Estado.

Contudo, esta preocupação não tem sido universal. Assim, desde que os pressupostos e conclusões económicas, sociais e históricas de Marx foram ruindo, subiu para níveis de grande pujança a capacidade russa de convivência com a falácia.

Acresce longo rol de intervenções militares russas contra os povos circundantes e isso apenas nestes últimos três séculos. Nítida vocação imperialista czaro-soviético-putínica.

E a questão que se pode colocar é a de saber como se justifica uma política de «Busca de Perímetro de Segurança» quando são eles, russos, os atacantes históricos e como se explica a política de busca de «Espaço Vital» por parte daquele que já é o maior país do mundo. Daqui resulta como admissível que para o poder político no eixo S.Petersburgo-Moscovo, a Rússia que conta é a europeia e que para lá dos Urais tudo é apenas paisagem, «quarto de arrumos», naturalidade de cidadãos menores, enfim, colónias. Talvez fosse justo promover um processo de descolonização. Talvez a China estivesse interessada em «meter a colher nessa sopa».

Não quero obviamente imaginar que a política europeia da Rússia se paute pela mania da perseguição pois isso é patologia do foro psiquiátrico mas, na verdade, as aulas práticas ministradas nas catacumbas da «Escola da Lubyanka» produzem por certo efeitos nos campos eléctricos das sinapses dos alunos e não apenas no «material pedagógico sobrevivente». Putin foi aluno desta «Escola» alcançando o posto de Tenente Coronel.

Eis como o mundo está hoje dependente dos impulsos eléctricos de um «sinapsoítico». Para o que hav+uamos de estar reservados…

Pergunta: - Até quando?

Outra pergunta: - E se o Parlamento turco votar contra a adesão da Finlândia e da Suécia à NATO?

Pergunta final, por hoje: - Onde está a puridade de tudo isto?

Lisboa, 14 de Maio de 2022

Henrique Salles da Fonseca

6 comentários

Antonio Fonseca 15.05.2022 16:21

Doutor Henrique, numa comunidade onde se proclama que não há amigos nem inimigos permanentes, apenas interesses permanentes, não é de espantar o que se está a presenciar. Mas é necessário lembrar que este comportamento não é o apanágio apenas da Rússia; os EUA, por exemplo, têm um long cadastro de prepotência em diversas partes do mundo. Mete imensa pena o que está a acontecer na Ucrânia, mas é bom não esquecer que é um conflito de "escolha" onde os Ucranianos estão a ser utilizados por outros, de ambos os lados.
Adriano Miranda Lima 15.05.2022 21:51

É verdade o que diz, mas, se compararmos as situações, não teremos dificuldade em reconhecer algumas diferenças significativas. Invadir um país soberano (na Europa) onde o poder político foi eleito democraticamente não é coisa que os EUA tenham alguma vez feito.
Antonio Fonseca 16.05.2022 15:07

As circunstâncias podem não ser idênticas, Sr. Dr. Adriano Miranda Lima, mas vai à seguir o link ao wikipedia que pode esclarecer. Obrigado.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Envolvimento_dos_Estados_Unidos_em_mudanças_de_regime

Adriano Miranda Lima 15.05.2022 20:34

Mais um interessante texto versando o problema da Rússia, que o Dr. Salles da Fonseca desta vez analisa com escrúpulos de psicanálise, e com toda a razão, convenhamos. De facto, a capacidade ou a arte de “convivência com a falácia” da Rússia justifica que se deite o paciente no respectivo divã do ofício. E vai-se ver que a raiz principal do problema está no sobredimensionamento territorial do país e na ilusão de domínio imperial que isso provoca em mentes desprevenidas ou pouco atentas aos fenómenos da História. E aí teríamos de ir aos tempos mais recuados da formação da nacionalidade russa para relembrar os diversos episódios que o ilustram. Essa extensão territorial tanto pode ser um factor valorativo como limitativo. Considero-o mais limitativo, ou problemático, se quisermos, do que valorativo, porque o extenso território que vai de Murmansk a Vladivostok contempla uma população total de apenas 140 milhões de almas e ainda por cima fragilizada por certa heterogeneidade étnica, religiosa e cultural. Portanto, essa “mania de perseguição” de que aparenta a Rússia de Putin advirá certamente de um sentimento de fraqueza e insegurança radicado na consciência das suas próprias vulnerabilidades internas, ou não fosse a razão por que os seus líderes históricos procuraram sempre absorver e dominar os povos circundantes, conforme o Dr. Salles da Fonseca refere.
Assim sendo, os actuais acontecimentos (insucesso na submissão da Ucrânia, reforço da NATO e descredibilização internacional da Rússia) têm tudo para se consumar em inequívoca derrota geoestratégica e com eventual possibilidade de provocar uma situação de desagregação da federação de que a China poderá, efectivamente, tirar proveito nas regiões que lhe são mais próximas.
Seria então um caso típico de tiro que saiu pela culatra e motivo de tranquilidade para o mundo ocidental se a Rússia não detivesse um poderoso arsenal nuclear com que vem ameaçando mais ou menos veladamente. Mas também aqui se descortina um sintoma de fraqueza, pois se o Kremlin estivesse cônscio das suas razões e do seu real poder como potência, não teria necessidade de invocar esse seu poder.
E tudo poderia ter sido diferente se o país tivesse acompanhado os passos da História e afirmar-se por créditos diferentes que não apenas o do poder militar. A Ângela Merkel ainda acreditou nessa possibilidade ao confiar o abastecimento energético do seu país à Rússia. Infelizmente, foi um erro de cálculo de que agora se procura a solução.
Quanto à desmesurada extensão territorial da Rússia, a vantagem que isso lhe oferece é em matéria de profundidade estratégica, coisa que não têm os outros países europeus. Esta vantagem é particularmente compreensível em caso de confronto nuclear, que esperemos nunca venha a acontecer.
Muito obrigado, Sr. Dr. Salles da Fonseca, por mais este momento de conversa.
Um abraço
Adriano Lima
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