PORTUGAL - MEMÓRIA - 7
Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo
Duas efemérides e a natureza do nosso país
Assim, as duas efemérides que se evocam este ano, os 600 anos da conquista de Ceuta e os 500 anos da morte de Afonso de Albuquerque, ajudam-nos a compreender a própria natureza do nosso país.
Há 600 anos, Portugal buscava ainda a sua configuração definitiva, ao mesmo tempo que lutava por garantir o seu espaço vital e que espreitava mais além. E ao completar o seu acomodamento ao mundo, ao definir o seu espaço no seio do mundo euro-mediterrânico, logo se tornou numa potência atlântica, e inventou o próprio Atlântico, transformando o ignoto e temido Mar Oceano num eixo de comunicações e num espaço com forma própria, ao mesmo tempo que transformava de vez o seu carácter periférico numa nova centralidade.
Não se pode explicar a modernidade e a globalização sem ter em conta o impulso visionário do Infante D. Henrique e o acto heroico da tripulação de Gil Eanes, que soube vencer o medo e desfazer num ápice as lendas do Mar Tenebroso.
João I cumpriu a História ao concluir a gesta da formação de Portugal, levando os seus homens até ao Estreito e sancionando a ocupação da Madeira, enquanto o génio irrequieto e pertinaz do infante D. Henrique abria o caminho para uma nova era, que fez de Portugal um dos protagonistas da História Universal, pois não se pode explicar a modernidade e a globalização sem ter em conta o seu impulso visionário e o acto heroico da tripulação de Gil Eanes, que soube vencer o medo e desfazer num ápice as lendas do Mar Tenebroso.
Há 500 anos, a presença portuguesa pelo mundo alcançava quase a sua amplitude máxima, pois os oficiais da coroa já andavam pelas praias do Brasil e já negociavam nos portos da China. Durante cem anos os navegadores portugueses desbravaram meio mundo, desde a Terra Nova até às águas longínquas de Timor. Abriram novos negócios, apropriaram-se de outros e ganharam as posições necessárias para dominar os mares, mas agora estavam aptos para aprofundar esse movimento pioneiro. Começavam, finalmente, a libertar-se da velha tradição mediterrânica que os tinha levado a Ceuta; era o tempo de focar o império nos oceanos e de ganhar territórios e as suas gentes.
D. Manuel I concluiu a tarefa a que a coroa se propusera desde que o regente D. Pedro proclamou o senhorio do mar, em 1443, e que ganhara limites concretos pelo Tratado de Tordesilhas de 1494. Foi no seu reinado que os horizontes se alargaram ao Brasil e à China e foi ao penetrar no Índico que consumou uma prática imperialista que já se adivinhava nos seus antecessores. Portugal era então um país rico pela sua capacidade de obter no exterior o que lhe faltava no seu espaço vital.
Mas foi o génio de Afonso de Albuquerque que provocou nova aceleração tal como o infante fizera há quase cem anos; ao ser o primeiro a libertar-se das grilhetas mentais da centralidade do Mediterrâneo concebeu o destino secular de Portugal na Ásia e ao promover os casamentos mistos intuiu o que seria a maior força do Império Português pelos séculos vindouros – a sua capacidade de negociação com povos de todos os continentes e a sua disponibilidade para criar um império assente na supremacia d’el-rei de Portugal e dos seus oficiais mas forjado e sustentado por uma massa mestiçada que tanto falava tupi, como ovimbundo, concanim, malaiala, malaio, chinês ou japonês, mas que rezava a um só Deus.
Passados todos estes séculos, Portugal, despojado das conquistas posteriores a 1434, persiste como país uno entre o continente e os arquipélagos adjacentes, sem ter perdido as suas ligações ao mar e ao mundo por onde os seus oficiais, mercadores e clérigos andaram anos a fio.
Não foi certamente por acaso, que a última eleição de Portugal como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU foi obtida predominantemente com votos dos países do Terceiro Mundo; como não é por acaso que é no mar que Portugal espera poder ganhar novos espaços e novas riquezas, seja na luta pelo subsolo das áreas adjacentes à sua linha de costa, o que devido aos arquipélagos lhe pode proporcionar uma nova fronteira marítima que tornará num dos países mais extensos do mundo, seja reinventando a centralidade do seu litoral continental conseguindo transformar Sines numa das grandes escápulas do comércio marítimo.
600 anos depois de Ceuta e 500 anos depois de Albuquerque, Portugal é o mesmo, com a força que sempre teve para perdurar como entidade política independente apesar da sua pequenez … assim os próprios Portugueses o percebam.
FIM
João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa