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A bem da Nação

POR ESSA PICADADA ALÉM… - 11

Inchope, a localidade mais próxima da Gorongosa e donde sai a estrada nova com destino a Maputo que então se chamava Lourenço Marques. Foi para lá que nos dirigimos à procura de alojamento. Não foi fácil mas conseguimos o que sempre tivemos ao longo de toda a viagem, uma cama para cada um. E logo nos preveniram que se nos dirigíamos para Sul pela estrada nova (e que ainda não tinha sido inaugurada), que atestássemos o depósito pois seriam 300 quilómetros sem um único posto de abastecimento. E que levássemos farnel pois ainda não devia haver cantinas. E assim foi que na manhã seguinte atestámos o depósito do nosso «herói» e nos precavemos a nós próprios com alguns comes e bebes.

Seriam umas 7 da manhã quando nos pusemos a andar. Já não era assim tão cedo como o homem dos horários gostava mas foi o que se arranjou. E porquê aquela «mania» das ceduras? Porque quanto mais tarde, mais quente e tudo o que consigamos percorrer pela fresca da manhã, melhor. Então, com estrada em construção, haveríamos de ter frentes de obra pelo caminho, não haveríamos de ficar tão isolados como se a estrada já estivesse concluída e entregue ao dono. E assim foi. Não com tantas frentes de obra como teríamos gostado mas, mesmo assim, com umas quantas presenças humanas algo espaçadas. A estrada já estava toda terraplanada e na maior parte do percurso até já tinha o piso quase todo faltando apenas o alcatrão. E, afinal, em zonas que antigamente deviam estar no meio de nenhures, encontrámos uma ou outra cantina cujos proprietários nem deviam querer acreditar na sorte de lhes terem posto uma estrada à porta. Deve ter sido a diferença de saírem da pré-história para o pleno século XX sem que os obrigassem sequer a fazer algum requerimento em papel azul de 25 linhas. Curvas? Não as vimos. Uma quase linha recta com enormes extensões apenas rodeadas de capim virgem de há um ror de secas, chuvas e cacimbas a que se seguiam quilómetros de floresta compacta e impenetrável. E foi neste ínterim que apareceram as tais cantinas. Como tinham ido ali parar? A que propósito? Mistérios que não tive tempo de estudar mas que me fizeram admitir que deve ser preciso estar-se muito desesperado da vida para se decidir mudar para um sítio daqueles. Terra para arrependidos e penitentes, só pode.

VFSAVE-EN1-Sofala sul.png

Seria pelas 10 da manhã quando chegámos ao rio Save e eis que nos coube fazer a pré-inauguração da ponte que alguém nos disse ser projecto do Professor Edgar Cardoso. Também ainda lhe faltava a última camada de alcatrão e deve ter sido por isso que não nos cobraram portagem. Na verdade, as cabines dos portageiros ainda não estavam colocadas e nem sequer imagino se o pessoal já estaria recrutado. Obviamente, a obra ainda não estava entregue ao dono.

Passada a ponte, pusemos rodas na região dos landins, o sul do Save. Daquilo que consegui ver, Vila Franca do Save confundiu-se-me com o estaleiro da obra da ponte e como não voltei a passar por ali, fiquei-me pela impressão que trazia da outra margem: região pobre e com muito trabalho à espera dela.

Terra dos landins… «Landins» é como nós, portugueses, chamávamos a todos os povos a sul do rio Save. Ainda não estudei a etimologia da expressão mas talvez um dia investigue como ela nasceu. Agora, tenho mais que fazer pelo que, se um leitor me quiser ajudar, esteja à sua vontade.

Lembram-se os Caros Leitores do temor infligido pelas «tropas landins» nas partes do nosso Oriente, nomeadamente na Índia e em Macau? É que estes povos daqui têm uma estatura relativamente alta e quando se sentem espezinhados por pequenotes, são danados para a chapada. Eis por que nós os recrutávamos como tropas de elite e os enviávamos para Goa, etc. Também por isso mesmo, o aparecimento de etnias muito escuras naquelas paragens orientais onde o habitual é mais pardo que preto. Mas, pelos vistos, os landins não se fizeram rogados e tanto indostânicas como cataias se deixaram embevecer por estes grandalhões.

E agora, com outros tantos quilómetros pela frente até à Maxixe quantos os já feitos hoje, que fazemos? Vamos até Vilanculos e lá dormimos. São só mais 141 quilómetros, um saltinho.

Amanhã há mais.

Julho de 2019

Henrique Salles da Fonseca

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