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A bem da Nação

POR ESSA PICADA ALÉM… - 3

 

Se bem me lembro, o ponto de partida foi a porta principal da Messe de Oficiais, frente ao Quartel General, na Praça Neutel de Abreu. Era manhãzinha mas nada de exageros, dia aberto.

E deu para rever a História e as histórias a «modos que» de despedida…

… Neutel de Abreu, aquele que nos era apresentado como o fundador de Nampula mas que também fora o «domador» duma terra até então conhecida como «o cemitério dos brancos». Não, nada disso, Caro Leitor. Quem matava mais brancos não eram os indígenas humanos mas sim o mosquito da malária. E foi nos tempos de Neutel de Abreu como chefe branco daquele assentamento que a malária começou a ser combatida pelo aterro dos pântanos formados a esmo pelo rio Lúrio. Mas é claro que o Major também distribuiu uns sopapos por aqui e por ali… que o diga o Sultão Farelay de Angoche.

(para saber mais sobre Neutel de Abreu, ver por exemplo em

https://pt.wikipedia.org/wiki/Neutel_Martins_Sim%C3%B5es_de_Abreu)

E, decidido a dar uma última passagem pelo meio da cidade, arrancámos direitos à Praça do Infante passando frente à Residencial Brasília onde serviam o melhor «chateaubriand» que alguma vez comi em qualquer latitude entre os Polos Norte e Sul. Carne de gado autóctone devidamente desparasitado mas alimentado apenas com capim, sem mistelas químicas para acelerar a engorda. E, vai daí, pensei na pujante economia agro-pecuária de toda aquela região. É que, havendo mercado, todos os produtores – brancos e pretos – beneficiavam com a actividade pecuária fazendo as suas vidas com normalidade e conforto.

Passada a Praça do Infante, subimos a avenida principal (cujo nome esqueci mas que um Leitor amigo nos vai recordar) em direcção à estação dos comboios e, aí, lembrei-me de mais qualquer coisa…

… duma cena passada com uma moto BMW lindíssima que a Polícia tinha importado para apanhar os «aceleras», que nunca tinha chateado ninguém e que certa vez estava parada por ali, junto à estação dos comboios. Então, um amigo nosso – cujo nome omito para ser ele a acusar-se depois de ler este escrito – que há dias andava deslumbrado com aquela beleza, não teve melhor ideia do que montar-se nela e dar uma voltinha por ali… Pois! Mas o titular do posto não estava longe, deu pelo abuso, veio no encalço do prevaricador e levou-o à Esquadra. Creio que tudo não passou de um puxão de orelhas mas o próprio que saia a terreiro e que conte.

A rua da estação desenvolvia-se ao longo da linha do comboio como acontece em toda a parte onde há comboios e respectivas estações. Portanto, não era por isso que ela dava nas vistas. Era, isso sim, por ser a fronteira entre a cidade do cimento e a «cidade das sombras verdes», a que existia por baixo da pujante floresta de cajueiros que imperava em toda a região. Desse lado de lá situava-se também o «meu» Centro Hípico, o palácio do Arcebispo e o aeroporto. E foi de tudo isso que me lembrei nesta última passagem: o velho «Kanimambo», puro sangue inglês que ajudei a trazer de volta à vida e que montava diariamente numa juventude reconquistada cheia de gosto pela vida, de D. Manuel Vieira Pinto que exercia a sua pastoral católica cercado por mais de duas mil mesquitas, pela informação que o General Galvão de Melo me tinha dado de que a base aérea de Nampula (e aeroporto civil) era a única no Norte de Moçambique cuja localização não tinha sido definida por ele e que, portanto, era a única mal localizada… tema que nunca estudei mas que me deu a certeza de que o General se tinha a si próprio em desmesurada consideração (mesmo que fosse verdade, acho que o pudor impedia que o dissesse). E ao passar pelas «sombras verdes», lembrei-me da «coisa» mais importante para aquela gente, a economia do cajueiro em que cada família tem uma árvore (junto da qual ou debaixo da qual tem a sua casa) cujas castanhas vende (habitualmente, aos comerciantes indianos) e de cujas pêras faz a aguardente mais apetecida por todos eles (e elas) mas que lhes dá cabo da saúde. Pois! Mas enquanto vivem, a economia do caju dá-lhes um conforto financeiro importante para não dizer importantíssimo. E eu levava na adivinhação de que se um dia os comunistas quisessem ali entrar, haveriam de esbarrar com esta sociedade tão experiente na economia privada. Adivinhando, acertei. Bastou deixar passar apenas uma dezena de anos.

E de tudo isto me fui lembrando até que deixámos a cidade, passámos as «sombras verdes» e… chegámos à zona rural, o mato, como se dizia.

De mato nada havia por ali mas sim machambas umas agarradas às outras, de exploração mais ou menos extensiva, mais ou menos intensiva, mais sofisticada, mais primitiva, de tudo havia com predominância para a produção de mandioca e para a produção de carne. E assim foi numa paisagem monotonamente variada,

muito humanizada, até que chegámos à gafaria, o extremo das redondezas de Nampula.

Para mim, começava ali o mare incognito in terra firma.

Nampula, arredores.jpg

 

E aí vamos nós…

Julho de 2019

Henrique Salles da Fonseca

2 comentários

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    Anónimo 18.07.2019 10:26

    A propósito do comentário da Isabel Pedroso de o responsável do restaurante se irritar educadamente por um mainato se sentar à mesa, recordo-me que quando, ocasionalmente, saia com o "meu" (Lourenço, seu nome), ele, invariavelmente, e apesar dos meus esforço contínuos, deixava-se ficar para trás dois ou três passos. Por vezes eu parava, insistia para que ele fosse ao meu lado, mas era sol de pouca dura. A breve trecho, lá se deixava ficar de novo para trás, os tais dois ou três passos. Isso faz-me lembrar o que ocorre ainda atualmente em algumas civilizações, em que as mulheres caminham os tais dois ou três passos atrás dos respetivos maridos.
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