POR ESSA PICADA ALÉM… - 2
In illo temporae, o Serviço Militar era obrigatório para os homens e voluntário para as mulheres. Fora da actividade propriamente bélica, havia muitos civis, homens e mulheres, contratados pelas Forças Armadas – no nosso caso, o chamado «pessoal civil do Ministério do Exército». E eram muitos, tanto eles como elas.
No tempo português, Nampula era a capital militar de Moçambique e se isso foi importante na perspectiva militar, foi-o certamente mais importante ainda na do desenvolvimento económico de todo aquele Distrito, chamado «de Moçambique» devido à posição relativa da Ilha de Moçambique, antiga capital da colónia (antes do eufemismo «Província Ultramarina»). De notar que só este Distrito tinha a mesma dimensão geográfica que a Suíça. E faço desde já notar que, na minha opinião, falando na maior generalidade, os macuas são muito mais simpáticos e hospitaleiros que os suíços. Poderão os macuas ter menos relógios de precisão e menos depósitos bancários que os suíços mas têm por certo um «coração» muito maior e um gosto pela vida que dá gosto ver.
Na «minha» Chefia de Contabilidade e Orçamento (era assim que se chamava?) do Quartel General da Região Militar de Moçambique, um edifício na Rua das Flores (nome por que era conhecida a «Rua Afonso de Albuquerque») que fora construído para habitação (6 fogos) e cujas banheiras tinham sido tapadas por armários de arquivo, os funcionários civis eram quase tantos como nós, os militares. O facto de termos um bom ambiente não era «coisa» menor mas o mais relevante era o nível de conforto desses funcionários, em especial dos ressortissants locais. Desde mainatos a escriturários, de toda a hierarquia os havia em função das habilitações literárias de cada um. Como em Nampula o nível máximo do ensino disponível era o secundário (o então 7º ano do liceu), não havia licenciados locais e, portanto, não havia Técnicos Superiores civis a trabalhar no Exército. Presumo que na Marinha e na Força Aérea também não.
Urbanisticamente harmoniosa, Nampula tinha – pela sua característica de capital – um certo ambiente cosmopolita e eu gostei muito de lá ter estado. Fiz amizades para o resto da vida e consegui ter pena de ter sido retransferido para Lourenço Marques.
Então, de repente, pensei que esta seria a oportunidade única de conhecer Moçambique à séria em vez de andar sempre aos saltinhos de avião. Eis que tomei a decisão de fazer a viagem de carro em vez de ir eu de avião e o carro de barco. Militarmente autorizado a fazer a viagem no meu próprio carro, achei mais simpático arranjar companhia do que fazer-me sozinho ao mato meu desconhecido.
E pus a boca no trombone a perguntar quem seriam as duas pessoas que me queriam acompanhar. Já não me lembro ao certo mas acho que anunciei o «concurso» pela hora do almoço e à hora do jantar já tinha a situação resolvida. O António Sousa Pires (doravante, o Tó) e o Miguel Lory.
Como eu, o Tó era Alferes Miliciano e prestava serviço na «Sala de Briefings» do General Kaúlza. Era o Tó que assinalava nos mapas do Estado Maior os locais que havia a assinalar para os efeitos que qualquer Estado Maior pretende. A bon entendeur… Ou seja, eu fazia-me acompanhar por alguém que sabia se havia berzunda nos sítios por que passaríamos ou se seria conveniente arrepiar caminho.
O Miguel Lory, filho da irmã da cunhada do tio do primo do meu irmão, ainda andava no liceu mas os pais autorizaram-no a vir na viagem porque sabiam que eu não me ia meter propositadamente em sarilhos. Mais: o Miguel já conhecia as estradas por que haveríamos de seguir pelo que substituía com vantagem os mapas que são frios e não dispensam amizade a ninguém.
E assim ficou a equipa constituída, o carro «ensaboado» como mandam as regras de quem se prepara para o «mare incógnito in terra firma», o Tó de licença, o Miguel de férias e eu de Guia de Marcha no bolso.
TUDO A POSTOS?
EM FRENTE – MARCHE!
(amanhã há mais)
Julho de 2017
Henrique Salles da Fonseca