POESIA MOÇAMBICANA
NOÉMIA DE SOUSA
(1926, Lourenço Marques, Moçambique – 2003, Cascais, Portugal), poetisa, cujo caderno Sangue Negro (1961?) pode ser considerado um dos melhores exemplos da poesia negra.
Com os seus poemas deu um impulso a outros poetas seus contemporâneos.
NEGRA
Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
Quiseram cantar teus encantos
Para eles só de mistérios profundos,
De delírios e feitiçarias ...
Teus encantos profundos de África.
Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
Ausentes de emoção e sinceridade,
Quedaste-te longínqua, inatingível,
Virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
Jarra etrusca, exotismo tropical,
Demência, atracção, crueldade,
Animalidade, magia...
E não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.
Em seus formais cantos rendilhados
Foste tudo, negra...
Menos tu.
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
Do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
Sofrimento,
A glória única e sentida de te cantar
Com emoção verdadeira e radical,
A glória comovida de cantar, toda amassada,
Moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE
Lourenço Marques, 8 de novembro de 1951