PERU – 11
VALE SAGRADO – MACHU PICCHU
Então, se em Puno estávamos a 3800 metros de altitude, vá de amarinhar pelas montanhas acima até que chegámos aos 4955. E o mais curioso é que não senti o mínimo incómodo. Parámos frente a mais uma montanha imponente que nos fazia esquecer a altitude a que já chegáramos e vai de reparar num riacho que passava por baixo da estrada em que estávamos estacionados e que ali mesmo se dividia em dois: um ramo virava para o vale que nós acabávamos de percorrer e o outro seguia pelo nosso caminho em frente. O que, relativamente ao nosso sentido de marcha, voltava para trás, tinha como destino desaguar no Titicaca; o que se nos adiantava, desaguaria lá longe, directamente, no Pacífico.
O local em que nos encontrávamos era, como já deu para perceber, a divisória de duas bacias hidrográficas: a do Titicaca e a de Cusco.
O ribeirinho das nossas arrecuas vagueava um pouco sem rei nem roque pelo vale que acabáramos de subir através de paisagens imponentes mas de pastoreio extensivo e agricultura escassa duma população relativamente empobrecida; o da frente, saía do nosso apeadeiro logo num caneirinho, todo pimpão. Logo ali à frente, surgiram uns edifícios rodeados de parques onde pastavam alguns lamas e qual não é o meu espanto quando leio um placard a anunciar o «Centro de Estudos Genéticos e de Melhoramento das Raças de Camelídeos» (lamas, alpacas e vicunhas) da Universidade de Cusco. Toma e embrulha! Para quem, como nós, acabava de percorrer uma região economicamente atrasada, aquela inesperada visão do novo vale, era francamente prometedora. E a promessa cumpriu-se.
Assim foi que começámos a percorrer o vale a que os quéchuas desde sempre chamam «sagrado», tal a riqueza da agricultura, a democratização da propriedade, o bem-estar relativo que por ali se observa. E porquê? Porque, como já anotei, a gestão da água se faz desde a fonte e vai até muitos quilómetros além, onde o vale se transforma num canhão apenas transponível com alguma dificuldade no sopé de Machu Picchu.
O ex-libris por excelência do Peru é de acesso difícil. Propositadamente, claro! E, mesmo assim, o Inca não se livrou da grande desgraça espanhola que o assoberbou com o apelido Pizarro.
Depois de termos deixado o autocarro, passámos para duas carrinhas que nos transportaram ao fim do Vale Sagrado. Metemo-nos então numa luxuosa carruagem de um comboio que haveria de percorrer um canhão entre montanhas durante uma hora e meia, em paralelo com o rio Urubamba (o tal riacho que tínhamos visto nascer lá nos píncaros) para finalmente chegarmos à cidadezinha que, entre penhascos descomunais, se localiza no sopé do Monte Velho a que os quéchuas chamam Machu Picchu. Ao Monte Novo chamam os nativos Huayna Picchu e é esse que habitualmente aparece nas fotografias deixando o verdadeiro nas costas do fotógrafo.
Mas não vou estar aqui a descrever o que está muito bem apresentado na Internet, por exemplo, em https://pt.wikipedia.org/wiki/Machu_Picchu
O mais fantástico de tudo é que todos os que estávamos exaustos, coxos, palpitantes e não sei mais quê, subimos por ali acima quase como se estivéssemos de visita à «Companhia das Lezírias», ali a seguir a Alcochete. Será esse o fascínio de Machu Picchu, o de reerguer os caídos e reanimar os moribundos? Talvez. O que sei é que amarinhei – por vezes agarrando-me sabe Deus onde – mas não me senti doente e apenas dei por mim salutarmente cansado.
E dali seguimos para Cusco…
Até amanhã.
Outubro de 2017
Henrique Salles da Fonseca