PERU – 10
LAGO TITICACA
Puno é o nome da cidade que parece uma favela brasileira sem as fachadas rebocadas e se enrola no extremo norte do Lago Titicaca, essa enorme massa de água doce abastecida por cerca de 25 rios que descem das neves andinas.
Com uma área de cerca de 8400 km2, o lago é mesmo grande, situa-se a 3821 metros de altitude e divide-se entre o Peru (cerca de 2/3 da superfície) e a Bolívia (o resto).
Sugiro a quem quiser saber mais, que visite a Wikipédia, p. ex. em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lago_Titicaca
Ficámos instalados num hotel magnífico – «El Libertador» - situado numa ilha a que se acede por uma pequena ponte a partir de Puno. A bem dizer, tendo lá chegado à noite, nem sequer notei a ponte e duvidei de que estivéssemos numa ilha. Mas estávamos. Disso me certifiquei na manhã seguinte quando nos dirigimos para o «vaporetto» que ali não recebe tal nome mas que me fez lembrar os dito cujos.
Tinham-nos dito que o lago é limpo e puro como uma noiva em dia de casamento mas, no ancoradoiro, a água fervilhava de reacções químicas variadas provocadas pela decomposição de… nem quero imaginar. Sei que uma das nossas companheiras de aventura tropeçou à entrada do barco, mergulhou uma perna no dito «caldo» e arranjou uma série de chatices na pele. Portanto, a noiva não é assim tão limpa e pura como nos quiseram fazer crer. Pelo menos, na zona do embarcadoiro.
E zarpámos rumo às famosas ilhas flutuantes que – quiseram fazer-nos crer – são habitadas por grupos de algumas famílias que ali nascem, vivem e morrem. Foi uma visita interessante mas eu fiquei com a sensação de que estava a visitar um jardim zoológico. Tudo me pareceu ficção, arranjo para turista ver, irreal. E se é real, então não abona nada a favor de quem permite que haja gente que assim continue a viver. Sobretudo, bem próximo duma grande cidade como é Puno.
Aos barcos de junco chamam Uros mas a evolução tecnológica fê-los perder grande parte do velho encanto pois agora a estrutura é composta por alguns milhares de garrafas de plástico vazias. Flutuam melhor e têm uma durabilidade muito maior que antigamente mas, contado o «segredo», tudo parece ainda mais artificial.
Libertados do folclore, navegámos sem grandes vagares durante cerca de duas horas até à ilha de Taquile onde almoçaríamos. E almoçámos mas… tivemos que escalar uma rampa e alguns «degraus incas» (feitos à trouxe-mouxe) que nos deixaram derreados apesar de, por vezes, nos termos agarrado ao chão, a quatro como a bicharada, para melhor distribuirmos o peso… que nunca imagináramos tão pesado. E durante o nosso desespero, eramos ultrapassados por carregadores nativos que transportavam às costas trouxas «só» de 30 kgs. Mas eles têm os glóbulos vermelhos a condizer com aquelas altitudes e nós estamos aclimatados à altitude zero. E, vai daí, almoçámos e quisemos crer que a descida ia ser «trigo limpo». O tanas!!! Na descida, os músculos são outros que não os da subida e voltámos a ter que descansar nos muros e muretes que bordejavam a famigerada rampa. Mas chegámos ao barco cujas cadeiras, afinal, eram muito mais confortáveis do que inicialmente nos tinham parecido.
A ilha de Taquile foi presídio durante o período espanhol, hoje está dedicada ao turismo a tempo inteiro e não há por lá cães, gatos nem cavalos; para além das pessoas, só há lamas, ovelhas e vacas. À hora da nossa passagem, também estavam como nós, cansadas, com a diferença de que elas estavam deitadas e a ruminar; nós não.
E zarpámos para o hotel onde chegámos duas horas e tal depois. Era o fim da tarde.
Do ancoradoiro ao hotel havia que subir uma centena de degraus turísticos (suaves) mas eu estava com os meus glóbulos vermelhos exauridos do esforço anterior e senti-me a morrer. E para não morrer despudoradamente no parque de estacionamento a meio da escadaria, resguardei-me entre dois carros ali estacionados e encomendei-me… Mas não quis o Altíssimo receber-me naquele dia pelo que lá consegui respirar fundo umas quantas vezes e arrastar-me até ao hall do hotel onde um «botones» me ferrou com uma máscara de oxigénio nas ventas sem me perguntar se eu queria ou deixava de querer. E, depois, subi ao quarto a que eles por ali chamam «habitacion».
Amanhã há mais…
Outubro de 2017
Henrique Salles da Fonseca