PALAVRAS CALADAS, …
… as que não foram ditas
Nestes finais de 2019, faleceram dois professores do ISESE - Instituto Superior Económico e Social de Évora, a célula estaminal da Universidade de Évora. O primeiro tinha 94 anos e, passado cerca de um mês, faleceu o segundo com 97. Ambos, Padres jesuítas, ambos deixam saudades aos alunos.
Relativamente ao primeiro, o Padre Manuel Belo (1925-2019), não cheguei a saber da sua morte, da missa de corpo presente em Lisboa nem da do 7º dia em Évora; pedi que me informassem da missa de 30º dia mas houve extravio da comunicação. Em relação ao segundo, o Padre José Vaz de Carvalho (1922-2019), assisti à missa de corpo presente mas quando foi de os ex-alunos dizerem umas palavras, não me apercebi imediatamente da oportunidade e foi um colega a tomar a palavra. E fê-lo muito bem.
E porque as minhas palavras ficaram caladas, digo-as agora já não como os improvisos que teriam sido nas exéquias mas sim meditadas mais serenamente.
O Padre Belo, licenciado em engenharia antes de ingressar na Companhia de Jesus, foi nosso professor das cadeiras do grupo das matemáticas, ou seja, Matemáticas Gerais e Estatísticas I e II. Ensinou-nos muitos dos malabarismos típicos dessa linguagem codificada que a uns de nós, alunos, terão servido mais do que a outros depois de termos ingressado na vida profissional. Eu ter-me-ei ficado pelo uso moderado mas consistente. Só que, inesperadamente, absorvi uma lógica matemática que me ensinou a escrever – o uso da vírgula associado à soma, a conjunção «e» à multiplicação, etc. Mas aquilo que mais me impressionou nos seus ensinamentos directos teve a ver com os conceitos de infinito e de infinitésimo dos quais parti para os argumentos ontológicos, a começar por Santo Anselmo (O mais alto que se pode imaginar) até Einstein (Alguém teve que dar a ordem para que o Big Bang acontecesse) e daí para Pascal, etc. Eis como o Padre Belo me conduziu à religião lógica, sem pieguices nem adornada com flores de plástico.
Por tudo isto, obrigado Padre Belo!
O Padre Vaz foi nosso professor de Economia e de História Económica. De oratória sui generis, tinha, contudo, uma escrita límpida, objectiva, raramente adjectivante, sóbria, séria. Socialmente, cativava sobretudo pela sua bondade superlativa. Tinha dois tipos de sorriso: o da timidez e o do humor – mas, sim, a sua atitude normal no relacionamento social era sorridente. Os dois anos de Economia que nos ministrou basearam-se nas cadeiras homólogas de Raymond Barre e as de História em publicações também francesas a que as minhas posteriores mudanças de casa deram sumiço e já não sou capaz de identificar. Mas se não tenho o hardware, lembro-me muito bem dos temas por que passámos. Foram eles os resumos – nem sempre acríticos – do pensamento de tantas celebridades como Adam Smith, David Ricardo, Friedrich List, Marx, as escolas de Viena e de Chicago, Keynes… Na altura – e já lá vão mais de 50 anos – o grande expoente na cena internacional do debate político- económico era o liberal Milton Friedman mas ainda estavam frescas as memórias das políticas alemãs da democracia cristã do pós guerra e assim foi que as duas margens do Atlântico norte se dividiram amistosamente. Não foi, pois, por falta de informação que nós, os alunos, optámos por caminhos de que nos viéssemos a arrepender. Desculpar-me-á o leitor a inconfidência mas, tudo visto e ponderado, optei por Ludwig Erhard.
E por tudo isto, obrigado Padre Vaz!
Mais quê?
Algo que ficou por dizer nas exéquias mas que ainda vou muito a tempo de dizer agora: que neste início das respectivas vidas eternas, intercedam por nós - os que ainda por cá ficámos – junto de Quem nos pode valer.
E assim ficam ditas as palavras que estavam caladas.
Dezembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca